25 dezembro 2012

Vou Ler Histórias (Parte 2)


Ali atrás, no entanto, a iluminação cuidadosa fazia a pequena livraria anexa parecer saída de um filme antigo. Os olhos dela brilharam e o rosto imediatamente recuperou a alegria “então-é-natal” que ele absorvera com um baque quando ela caminhou pela loja no primeiro minuto, soterrada por seus outros presentes.
- Isso é...
- Incrível, não é? Foi por isso que eu vim trabalhar aqui, em primeiro lugar. Essa biblioteca, essa livraria, parecia saída de um sonho para o meu eu bibliotecário recém-formado.
Ela percorreu as prateleiras com os olhos, um dedo cuidadoso correndo perto das lombadas antigas, um suspiro arrebatado cortando o peito.
- Eles são... fabuleux. Tão antigos e bem cuidados. Transpiram histórias mesmo fechados.
- E eles tem sua história. Cada um deles. Alguns poucos são edições mais recentes, mas a maioria foi restaurada quando chegou. Eu cuido deles lá em baixo, os deixo perfeitos de novo. Os deixo prontos para novos olhos. Novas viagens.
- São lindos. - Ela suspirou. – Você fez um trabalho magnifique. – Ele sorriu, agradecido. – Foi por isso que você disse que era funcionário por um dia? Você é restaurador na verdade?
- Sim. Estou só ajudando por hoje. Nossa gerente nos garantiu que o sufoco é só por uns dias, e que ela vai chamar novos vendedores até o fim de semana.
- Bem, você está fazendo um bom trabalho me ajudando a escolher meu presente.
- Eu acho que eu falei um pouco demais, na verdade...
Ela riu.
- Bem, me fez sentir a vontade. E me trouxe nesse lugar incrível. Eu definitivamente já sei o que quero dar. Agora só me resta saber qual livro escolher...
- Ah, as coisas aqui nessa biblioteca não são tão simples. O livro que você precisa te encontra, se encaixa entre seus braços, faz seu coração palpitar. É mais do que escolher um título ou uma história, ou mesmo um autor. Aqui o livro é quem escolhe a pessoa para quem as páginas vão abrir o mundo novo.
E ao ouvir tal promessa ela sorriu ainda maior, os olhos cheios de uma esperança renovada e um acreditar tão profundo que ele não pode evitar sorrir também. Era natal, e a loja estava cheia e as ruas insuportavelmente quentes, mas aquela mulher tagarela dos olhos de estrelas cadentes estava ali, bem a sua frente, o coração batendo fora do peito por que estava cercada de livros, dos melhores livros, os mais cheios de histórias, histórias que iam muito além das letras impressas nas páginas. Ele de repente se sentia o próprio Papai Noel, e aquela adorável mulher a sua frente era a criança para quem ele se revelara depois de natais e mais natais de espera com o biscoito sob a árvore. Era revigorante.
- Eu não sei nem ao menos por onde começar...
Ela confessou, e ele novamente a tomou pela mão e a guiou pelas estantes, parando bem em frente a uma de aspecto encorajador, com livros grossos e capas de um verde intenso.
- Bem, eu só posso dar o empurrão inicial. Posso tirar suas duvidas também, se quiser saber mais sobre algum, mas a viagem pelas prateleiras é por sua conta. Você tem que encontrar o caminho.
Ela fechou os olhos por um minuto, sentindo o cheiro de livro antigo penetrar seus pulmões, o coração e os pés tão leves que ela não se surpreenderia se começasse a voar ali mesmo.
- Eu quero um livro que inspire sonhos. Um que a faça viver o melhor da imaginação. Um que a faça visitar os melhores mundos, enfrentar as maiores batalhas, voar com dragões e fadas e brincar com príncipes e princesas. Eu quero um com cheiro e gosto de infância de verdade.
- Não era um desses que vocês procuravam na biblioteca do seu avô?
Ela abriu os olhos para encará-lo então, surpresa por que ele prestara atenção em seu infinito falatório.
- Oui. Pareceu adequado. Eu viajei tantos mundos com Anita por causa dos livros...
- Sim. Sim, é uma ótima ideia.
Ele sorriu gentilmente, e em resposta os olhos azuis derreteram-se em sonhos que ele queria que a levassem tão longe quanto ela quisesse.
- Bem, vou deixar você procurar...
- Não, por favor. Fica um pouco. Eu posso ficar indecisa.
Ele encolheu os ombros, um sorriso sem graça no rosto.
- No que eu puder ajudar.
Ela pareceu levar eras. Caminhou pelos corredores curtos e estreitos com as mãos correndo as prateleiras, nunca encostando ou tirando livro algum do lugar. A concentração era evidente, o sorriso largo e a felicidade tão transparente que ele nem ao menos conseguiu ficar irritado por ter que esperar por ela por tanto tempo. E então ela finalmente voltou das prateleiras finais, o sorriso tão amplo feito o mundo, nas mãos três grossos volumes coloridos e os olhos feitos de fogos de artificio. Ele jamais vira alguém tão contente com um presente de natal que nem ao menos era para si mesmo.
- Indecisa?
Ele perguntou, a voz cheia de graça e satisfação por vê-la tão exuberante com os livros, seus livros, os livros com os quais ele tomava tanto cuidado, tinha tanto carinho e tantos segredos.
- Na verdade não. Eu simplesmente preciso dos três.
- Você os conhece?
- Bem, eu passava minhas tardes na biblioteca.
- É verdade. Caixa, então?
- S’il vous plait.
Ele registrou os livros, rindo para si mesmo ao reparar quais eram, e começou a embalá-los para presente, colando neles etiquetas para que ela os identificasse. Empurrou-os por cima do balcão, e ela ainda mantinha no rosto aquele sorriso incompreensível que o fazia desejar por mais natais, ao invés de apenas sobreviver ao que se aproximava.
- Isso é tudo, então?
- Sim, sim. Só mais uma coisa. Você tem uma caneta para me emprestar?
Ele entregou a ela a caneta que levava no bolso do uniforme, e ela se inclinou para escrever os nomes nas etiquetas. Ele pode apenas divisar a caligrafia fina e cheia de voltas escrevendo Pour Le Petit Isabelle antes que os cabelos caíssem como uma cortina por cima do pacote, cobrindo boa parte da visão que ele tinha dela. Era um triste empecilho.
Segundos depois ela jogava a cortina loira para trás, colocando imediatamente depois dois pacotes dentro da bolsa que ele lhe entregara, e estendendo a ele o terceiro, o sorriso agora acanhado, colorindo o rosto bonito.
- Pela ajuda.
Ela disse, e ele sentiu o rosto esquentar, como um garoto do colegial.
- Não, por favor. É meu trabalho...
- Eu insisto.
- Mas eu não posso...
- É um presente.
- Não é correto eu aceitar de...
- Eu não perguntei se é correto. Estou te dando um presente de natal.
- Mas...
- Il est inutile d’résister. Eu nunca aceito não como resposta. De ninguém. Nem mesmo de bibliotecários bonitos em lojas de presente moderninhas.
Ele ficou em silêncio, abobalhado, admirado, completamente encantado com os olhos de noite sem nuvens que ela exibia enquanto estendia resoluta o pacote com a fita verde que ele acabara de colar. Uma coletânea clássica de As Crônicas de Nárnia repousava dentro dele. Ele sacudiu a cabeça, vencido, e pegou o pacote das mãos de dedos finos e frágeis.
- Esse era um dos meus favoritos quando eu era criança. Foi um daqueles através dos quais eu viajei mundos, vivi aventuras, me tornei princesa e fiz mil mágicas. Esse foi particularmente especial, por que meu irmão leu pra nós, eu e Anita, quando nós ainda não conseguíamos ler assim tantas palavras. Então esse presente não é apenas para o Daniel você. É para você e para o seu sobrinho, Le Petit Daniel. Leia com ele. Fique com ele. Sorria com ele. Batalhe com ele pelas terras mágicas de Nárnia, voe através do guarda-roupa, mude o mundo que é seu até os limites da terra do lampião. Faça isso por ele, por mim e, principalmente, por vocês. Pode fazer isso?
Ele simplesmente concordou com a cabeça, ainda surpreso, ainda sem fala, ainda sem conseguir tirar os olhos do azul-noite-inesquecível que ela exibia nos próprios olhos. Ela ainda segurava o pacote, mesmo que ele já o tivesse aceitado e tivesse as mãos sobre as dela na embalagem bem feita.
- Quando acabar – Ela acrescentou, o sorriso mais fascinante agora, menos inocente, mas tão encantador e singelo quanto antes – você liga pro numero no adesivo e me conta tudo. Num café, talvez. Ou num jantar. Num barco, numa roda gigante, num parque cheio de castelos antigos. Você que sabe. Mas eu digo logo, eu gosto de aventuras. Viajei muitos mundos, sabe.
Ele se viu concordando.
- Temos um trato, então.
Ela disse, simplesmente. Mirou a pilha de presentes já comprados que esperava por ela em cima de um pequeno pufe e suspirou, já sabendo bem que teria que performar algum tipo de malabarismo para conseguir leva-los até em casa. Cansava-se só de imaginar.
- Você quer que que eu te ajude a colocar essas coisas num taxi?
- Não precisa. – Ela respondeu por reflexo. E então hesitou um segundo, recontando as sacolas. – Na verdade, preciso sim.
- Tem um ponto bem ali na esquina. Vá até lá, eu olho seus pacotes.
Ela sorriu agradecida, e em poucos minutos fora e voltara, o carro amarelo buzinando do lado de fora sinalizando que estava pronto para recebê-la.
- Então, até depois do natal. – Ela disse, pegando a sacola com os dois livros, dando um jeito de equilibrar a nova bolsa com todas as outras que ela trazia quando entrou na loja.
- Deixe-me levar estas, sim?
Ele pediu, a voz toda humor, retirando algumas das sacolas de suas mãos. Ela revirou os olhos enquanto davam os poucos passos que separavam a loja do taxi do lado de fora. Ele colocou as sacolas no banco de trás, e ela largou as poucas que trazia também antes de se virar para ele e sorrir o sorriso mais bonito de agradecimento que ele veria em anos.
- Muito obrigada.
- Daniel, funcionário por um dia, para tudo em que eu puder ajudar.
- Bem, me ajudou bastante. – Ela sorriu e se esticou por alguns breves segundos em que os lábios rosados roçaram o rosto do bibliotecário.
- Volte sempre.
 Ele disse, a voz firme, embora o coração vacilasse.
- Certamente. Muitos livros naquelas prateleiras estão simplesmente gritando o meu nome... – Ele sorriu. – Bem, boa sorte com o seu petit Daniel e até depois do natal. Quero escutar apenas as historias mais incríveis, certo? – Ele concordou com a cabeça. - Só... mantenha o sorriso no rosto, tudo bem? É natal. Tous les espoirs sont permis. E ela, a esperança, está em todos os lugares nesses dias. Não existe época melhor para se sorrir. E ainda tem o detalhe de que você fica bem mais bonito com um sorriso...
Foi o que ela ainda tagarelava enquanto entrava no carro, e ele não pode evitar se deixar sorrir, sacudir a cabeça e achar uma certa graça naquela situação impossível, naquela mulher adorável, naquela aventura, naquela oportunidade, nessas coisas que só podiam mesmo acontecer no natal.
Já havia dado as costas para a rua, de volta a loja, quando ouviu a voz cortar o vento. Os olhos buscaram o taxi já longe na rua, e ele ainda podia vê-la sorrir.
- Joyeux Nöel, Daniel!
Ele não pode evitar. Não conseguiu. Era natal, as ruas estavam cheias, o sol estava quente e naquela mesma manhã seu mau humor não podia nem ao menos ser mesurado; mas um único sorriso, alguns livros, uma aventura em Nárnia, uma pá de sonhos e algumas palavras em francês e tudo mudara, tudo melhorara, tudo era natal. Então, quando ele a viu se afastando, o sorriso visível mesmo a tantos metros de distancia rua abaixo, ele nem ao menos tentou se conter. Gritou de volta:
- Feliz Natal, Clara!

Importante:
Eu não falo francês. Eu nem ao menos arranho francês. Mas a história pedia pelo francês, por que ela deriva de Bela e a Fera, de Petit Prince e de um monte de outras coisas francesas que fazem suspirar. Então, recorri ao bom e velho dicionário bilíngue Michaelis (sai daqui google translate, não confio em você) para escrever todas as palavrinhas e expressões que aparecem aqui. Enfim, se existirem aí quaisquer erros, por favor, me avise para eu corrigir!

24 dezembro 2012

Vou Ler Histórias (Parte I)


Era Natal e as ruas estavam lotadas e ele de saco cheio. O calor, o sol escaldante, a camiseta colada nas costas e a calçada quente na frente da vitrine – tudo parecia um bom motivo para explodir em reclamações constantes sobre o quanto o mundo era injusto por fazer dele, justo ele, o homem para o serviço ingrato de bancar o duende feliz no natal. E em pensar que tudo o que ele queria era um pouco de paz, um pouco de silêncio no seu escritoriozinho no estoque escuro da loja e, com sorte, um bom bônus de natal no salário para comprar um presente adequado para o sobrinho que ele não via há meses. Mas tudo dera errado, a loja superlotara e ele fora requisitado, necessário, indispensável para fazer a coisa funcionar no andar de cima, na adorável ruazinha comercial de luxo onde as dondocas de carteiras cheias e tempo livre faziam suas compras e batiam suas pernas com as típicas expressões cabisbaixas e infelizes da busca pelo presente perfeito. Oh, que vida terrível devia ser aquela das viciadas em comprar com o cartão ilimitado do papai!
Ele, que nem ao menos era vendedor, já passara de sua décima terceira cliente do dia quando uma loira coberta de pacotes de presentes entrou pela porta sacudindo as vidraças, procurando um lugar para se apoiar e ameaçando, de modo geral, o bem estar e a segurança de fosse quem fosse que estivesse a sua frente. Estando mais perto da porta, foi ele o escolhido para impedir que ela caísse, derrubasse seus pacotes e ainda derrubasse os outros clientes inocentes. As mãos hábeis de equilibrar as caixas que viviam ameaçando cair sob sua cabeça no estoque rapidamente pararam a pilha instável de presentes e circundaram uma formosa cintura, dando firmeza ao corpo cambaleante da desastrada cliente. Ela agradeceu um tanto sem graça, um tanto sem jeito, mas com um sorriso tão grande que pareceu acender a loja, iluminando tudo ao redor com um adorável tom de “estou-feliz-porque-é-natal”. Ele piscou, perdido por um único instante numa felicidade que não era dele.
- Posso ajudar?
- Oui. Eu preciso comprar um presente para minha afilhada. Ela tem seis anos, mas eu nunca a vi pessoalmente antes. Eu simplesmente não tenho ideia do que comprar. Estou tão indecisa! Eu não tenho muito contato com crianças, então não sei o que dar a ela e me disseram que por aqui esse é realmente o lugar para encontrar um presente diferente e interessante, mesmo sendo para uma criança de seis anos...
Em pensamento, ele revirou os olhos.
- Uma boneca, talvez?
Ela sorriu, mas os olhos mostravam bem que ela não era fã da ideia. E aqueles olhos eram, ele reparou, de um azul escuro tão intenso que ele duvidava que houvesse a possibilidade deles não mostrarem qualquer coisa. Eram feitos de mar em noite escura e compunham com maestria o rosto bem moldado da jovem mulher que estava parada a sua frente com os braços cheios de sacolas de compras.
- Une poupée... – Ela hesitou. - Não pense que não passou pela minha cabeça, num ato máximo da desistência. Mas eu não posso fazer tal coisa. Apesar de não conhecer bem a pequena Isabelle, sei perfeitamente que ela é uma dessas crianças geniais cujas mentes funcionam rápido e bem demais para corpinhos tão pequenos. Não, não posso insultar sua inteligência desse jeito dando a ela uma boneca. Agora imagine que tipo de imagem ela teria de mim para sempre! Acabando de chegar de Paris, a madrinha ingrata na qual ela nunca pôs os olhos traz pra ela uma boneca de plástico, com escova de cabelo e tudo, e ela, ó grande criatura, só queria um bom livro com capa de tecido e uma incrível história com um dragão, uma princesa e um conflito ético e moral acerca da servidão ao rei.  Non, non et non! Não posso decepcioná-la desse jeito, eu jamais me perdoaria.
Ele olhou para ela por um minuto inteiro, boca aberta, espanto nos olhos castanhos. Como ela conseguira pronunciar tantas palavras em tão pouco tempo?
- Não acho que crianças de seis anos estejam assim tão preocupadas com conflitos morais e éticos, sejam elas gênias ou não.
- Mas ela poderia estar, n’est-ce pas? Quero dizer, o que eu sei sobre ela? De quem foi a ideia estupida de me colocar como madrinha dessa criança, de todo modo? O que eu sei sobre crianças? Ah, pelos céus, Anita e essas suas ideias. Deus a tenha, é claro, mas sua cabeça não funcionava certinho, já se vê...
O vendedor riu.
- Não se desespere. É mesmo difícil dar presentes a crianças. Veja eu mesmo, não estou ainda muito certo do que dar ao meu sobrinho, que também tem seis anos e é esperto feito um diabinho.
- Nenhuma ideia?
- Nenhuma. E minha irmã não quer ajudar, por que ela diz que é minha culpa por ter sido um tio ausente por todo o ultimo ano. Como se fosse minha culpa, agora veja você, que absurdo.
- Não é? Carregamos nossas culpas, é claro, mas isso não quer dizer que não mereçamos um pouquinho de ajuda. Rafael nem ao menos quis me dizer o que ela pediu a ele! Pelos céus, é de pensar que eu os ignorei completamente pelos últimos sete anos... O que não é totalmente verdade. Eu troquei cartas com Anita durante todo este tempo...
- Bem, eu vi o pequeno Daniel muitas vezes ao longo dos anos. Mas depois que me mudei ficou mesmo difícil. Ela diz que ele sente saudades de mim. Mal sabe ela que eu também morro de saudades do pirralho...
Ele sacudiu a cabeça, completamente consciente de que estava falando demais, e ela suspirou, parecendo completamente desesperançada.
- Je suis un monstre, não, um monstro... Você está aí todo pra baixo de saudades do seu sobrinho, e eu aqui, com inveja. Não me entenda mal, moço... É só que... eu não tenho esse vinculo forte com Isabelle. Christ, ela nem me conhece de verdade! Aposto que ela vai me detestar. E eu ainda vou piorar tudo com um presente meia boca que não vai casar com ela de maneira nenhuma.
- Não seja assim dramática, por favor. Tenho certeza de que vamos encontrar um bom presente aqui. E não me chame de moço. Eu sou Daniel, vendedor por um dia, a seu dispor em tudo o que eu puder ajudar.
Ela deu uma risadinha sem humor.          
- Clara.
- Bem, Clara, vamos resolver o seu problema. Já que você não quer dar bonecas e não tem muitas ideias, é melhor que não trabalhemos com a criança então, já que você não a conhece bem. (“Mais para nem um pouco”, a loira resmungou). Pensemos em você. O que você gostaria de dar de presente de natal para a filha da sua amiga Anita? Melhor ainda, o que você daria de presente para Anita, quando criança?
- Ah, fácil. Veja, Anita era uma criança feita de graça. Ela linda, todos diziam. Nossas fotos de infância pareciam catálogos. E apesar de todos dizerem que devíamos passar nosso tempo entre as flores no jardim de vovó, quand j’étais petit, quando nós eramos pequeninas, nós duas passávamos as tardes dentro da biblioteca de vovô Orlandi, usando pilhas de livros como escadas para alcançar as prateleiras mais altas e os livros com as capas grossas de couro envelhecido, certas de que aqueles contavam as melhores histórias sobre princesas. Princesas irmãs. Princesas que se amavam e tinham mil aventuras com bosques encantados e fadas da floresta. Mas por algum motivo, os livros de capas de couro envelhecidos eram sempre sobre botânica ou outra bobagem do tipo. Os para crianças estavam sempre perto do chão, e eram sempre novos e decepcionantes, com gravuras coloridas da Disney ou o que fosse. Ah, arruinava completamente nossos planos. Mas eram dias divertidos...
- Um livro, parece, então. – Ele interrompeu o devaneio da cliente. - Vê, você nem ao menos estava tão longe disso no seu plano inicial dos conflitos morais e éticos..
E ele deu uma risadinha, como quem não ainda não acredita.
- Mas como eu vou saber se essa é a melhor opção? Quero dizer, as crianças não preferem brinquedos? Ou animais? Será que eu não devia dar a ela algo como um filhote de coelho?
- Bem, não acho essa a melhor opção. Quero dizer, pode ser um problema para os pais dela...
- É claro. É claro. Stupidité. Quero dizer, como se Rafael já não tivesse o suficiente para se preocupar agora...
E aí ela murchou por um segundo, a expressão de repente tão triste que ele se sentiu compelido a voltar o assunto para o famigerado presente. Tudo o que ele não queria era ver lágrima e tristeza naqueles olhos tão azuis, tão vivos, tão cheios de esperança e mil estrelas cadentes. Aqueles olhos todos feitos de natal.
- Livro, correto?
- É...
- Eu sei apenas o lugar perfeito para você encontrar seu presente.
Ele disse e, largando as sacolas dela perto do balcão, a guiou pela mão até os fundos da moderna loja de presentes criativos. 

(continua)

Sobre o natal em várias páginas.

No dia 05 de dezembro de 2012, dona Bruna N. Leôncio me fez um lindo-de-morrer convite: um texto de natal para um bloco especial de postagens (devidamente explicado aqui) no blog dela, o Confesiones (sou fã, vai lá ler). Vou dizer, porque eu sei que vocês não sabem, que desde que eu me mudei cá pra roça, eu perdi o gosto no natal. Perdi mesmo, de ficar deprimida e tudo. E então, parei de escrever nele. Sobre ele. Essas coisas. Mas, a pedido da Bru, que é toda feita de ser minha inspiração literária, resolvi colocar meus dedinhos e meu coração para funcionar esse ano. E aí eu fui e escrevi três histórias. Me excedi um pouquinho, fiz coisas enormes e acabei perdendo completamente o prazo que a linda da Bru me deu, só pra não destoar da minha personalidade habitual de pessoa perdida... Mas terminei, enviei e isso é que o importante.

Eu e o papai noel te desejamos feliz natal. HOHOHO!

Anyway, vou postar os textos cá no blog antes do ano novo, provavelmente preferencialmente, e vou linká-los fofos aqui neste post conforme eu o fizer. E esse post é só pra explicar tudo isso. Afinal, não é um lugar-escrito de Thainá Caldas se não tiver uma falação aleatória de vez em quando. Eu sou toda feita de falações aleatórias, afinal de contas.
Tudo isso dito, postarei.
Espero que gostem.
E as histórias de natal são...

Beijos, beijos,
e um Feliz Natal para vocês! 
Thai.

O meu Rudolph Prateado com Guisos também te deseja feliz natal!

29 novembro 2012

Adeus, Porto Seguro.


E mesmo quando estamos ali, juntos, parte de mim se rebela e eu sei que não podemos continuar. Mas é mais fácil me deixar acomodar, me deixar envolver e abraçar e as vezes nem parece farsa quando me aquece o peito entre aqueles braços que um dia chamei porto seguro. E eu fui capaz de evitar o fim por meses, adiando o que eu sabia ser inevitável, por que toda vez que você sorri meu coração se encolhe e eu quero mais e mais me afastar (é que eu não quero machucar você também). Mas você e eu sabemos ler o meu olhar e todas as sombras que vão por trás dão retrato claro de como as coisas devem ser: aquele canto do meu armário deve ter apenas as minhas roupas, e seu perfume não pode estar na estante do banheiro. É pedir muito de mim que eu viva por nós dois. Eu nem descobri ainda o que é viver por mim. Então mil desculpas, mas é adeus, é definitivo, é o que tem pra agora. É o que dá pra fazer com o que eu consegui juntar de mim. Não dá pra viver a dois quando partida em uma só. Não há abraço que segure. Não há beijo que mantenha. A gente até tentou, mas não deu. E você me apertou, me quis, me desejou, tentou me colar com saliva e amor, mas sabemos bem que eu sou porcelana sem reparo. Sou boneca para uma única infância, um único palpitar. Então agora é hora de ir embora. Mas está tudo bem e você não precisa chorar. Olha pra mim, teu mar azul de paixões, e te despede com um sorriso. Diga adeus com amor. Por que, céus, eu te amei. Com tudo de mim, com tudo o que deu, enquanto deu. Mas era pouco, e te ver sorrir me encolhia o coração e o que eu mais quero é expandir. Quero é ser gigante. Nada mais de portos seguros e abraços feitos de terra firme e pés no chão. Agora eu vou voar,  vou céu azul, vou brisa da manhã. Agora vou. Fica bem. Ou voa também. Adeus.

15 novembro 2012

Ah, se eu vou.

Verificava o telefone a cada 3 minutos, por pura força do hábito, mas nunca esperara realmente que alguém ligasse. Então, levou um tremendo susto quando a música da série favorita irrompeu pela sala, tomando seus ouvidos e fazendo piscar o aparelho como uma discoteca. Uma breve olhada na tela lhe mostrou apenas um número desconhecido e, desconfiada, ela o levou o celular ouvido.
- Alô?
- Oi. É a Luísa?
- É sim. Quem é aí?
- É o Alberto.

      Silêncio.
- Quem?
- Alberto, amigo do Maurício. A gente se viu na sexta-feira, na pizzaria.
      Levou um segundo refletindo.
- Ah, claro, Guilherme. Por que não disse logo. – Escutou-o suspirar do outro lado do fone, mas não reconheceu a emoção. Alívio? Resignação, talvez?
- É, pode ser. É o Guilherme então.
     Mais silêncio.
- E então, o que foi? Pode falar.
- Eu peguei seu número com o Maurício...
- Obviamente...
- E eu queria te chamar pra gente fazer alguma coisa. Cinema talvez. Ou um barzinho.
- Por mim pode ser, eu acho. Quando?
- Eu pensei em hoje.
- Hoje?
      Sentou-se na cama e olhou o relógio. Morando longe como morava, já era muito tarde pra sair de casa.
- Ou talvez amanhã.
- Amanhã parece bom pra mim. Qual vai ser nossa programação?
- Eu não sei, a gente pode decidir na hora. Conheço um lugar bem legal pelo centro...
- Estou confiando no seu julgamento.
      Ela o escutou rir.
- Quem você chamou?
- Você.
      Ficou em silêncio por um momento.
-Só eu?
- É. Só eu e você. Isso é um problema?
- Não, eu acho. É só uma surpresa. Eu não estava esperando por isso, certamente.
- Olha, se você não quiser ir, não tem problema...
- Não seja bobo. Vamos sair. Barzinho. Samba. Tem que ter samba.
      E a risada gostosa dele, que ela lembrava bem de ter escutado durante toda a sexta-feira, na pizzaria, pareceu aquecê-la um pouquinho ao ecoar pela linha.
- Tudo bem, com samba.
- Não reclama, viu. Barzinhos com sambas são sempre os mais divertidos.
- Acredite em mim, não estou reclamando.
- Tudo bem, então... – E ela não conseguiu evitar sorrir, por que desconfiava que não era exatamente do samba que falavam agora. – A gente se encontra onde, então?
- Nas barcas, pode ser?
- Claro.
- Vou fazer uma reserva pra nós então.
- Ui, que fino. Eu costumo batalhar pela minha mesa como uma boa guerreira épica.
- Vou poupar o trabalho da sua clava hoje.
- Ora, muito obrigada.
      E ela sabia que ele podia escutá-la sorrir, por que sua voz de repente estava feliz e ela se sentia patética por deixar tanto sair. Ainda era só o telefone, só um barzinho, e ela já não conseguia descer das nuvens.
- Nove e meia, então?
- Tudo bem por mim. Não se atrase.
- Eu sou o rei da pontualidade.
- Que bom. Por que eu sou a rainha dos atrasados, mas ainda sim sempre consigo ficar sozinha nos pontos de encontro da vida.
- Não se preocupe, não vou te deixar sozinha.
      E aquilo soou forte demais na conversa displicente, e ela sentiu o rosto esquentar.  Agradeceu aos céus por todo o contato ainda ser apenas uma ligação, por que ela certamente precisaria praticar não morrer de timidez até nove e meia do dia seguinte. Suspirou.
- Tudo bem, então. A gente se vê amanhã.
- Isso aí. Boa noite.
- Boa. Tchau...
      E a voz parecia morrer, e o coração parecia sambar, e ela desligou a ligação ainda um pouco fora do ar. Ela e ele, do sorriso, da fotografia, do nome engraçado de senhor antigo, do apelido que era um outro nome, que ele detestava, da piada que a fez chorar de rir na mesa. E ela sabia, ela sentia, ia ser uma boa noite. Ia ser uma ótima noite. Ah, se ia.


10 novembro 2012

Já é tarde (Ya no llores).




    Os pés marcaram na areia o longo caminho que percorrera. E ele caminhara pelo que lhe pareceram horas, forçando um silêncio até mesmo de seus próprios pensamentos. Pois sua consciência pesava, maltratando-o e recordando-o, quando ele lhe dava a brecha, de que toda sua sanidade estava por um fio. A mulher que ele amava estava a um passo de partir. E a culpa não era de nenhum outro, se não dele.
    Não fazia mais de uma hora ele finalmente confessara, após meses de uma consideração culpada, que andara vendo outra mulher. Mas sentia que agora, as vésperas de um casamento, não era justo com ela, a sua noiva, firmar este compromisso sem que estivesse ciente disso. E ela, tal como ele esperara, apenas perguntara se aquilo queria dizer, para eles, o fim.
    E ele não tinha uma resposta.
    Era óbvio que ele não queria deixá-la, ele disse a si mesmo, mas tampouco conseguia olhar dentro daqueles profundos olhos castanhos com a sinceridade que um dia sentiu. Mas a devoção e o amor que lhe dedicava, esses ainda eram os mesmos da primeira vez. Talvez fossem até maior agora. Ele aprendera que não podia viver sem ela, coisa da qual duvidava quando começaram. Definitivamente, ele a queria muito mais agora, quando estava a um passo de perdê-la. Na iminência do adeus, ele aprendera a amá-la muito mais.
     Mas era igualmente óbvio que aquilo não fora de todo suficiente. Ele se deixou levar, e antes que percebesse estava frequentando a casa e dormindo com a mulher que um dia fora sua secretária. Ela saiu, deixou o emprego, e antes que pudesse se impedir estava nos braços dela. Estava nela. Uma e outra vez, uma noite após a outra. Ele não prestava. Ele sabia. Mas ele a amava. Ele sabia agora. Mas tudo o que precisou fazer para ter certeza... o fazia sentir um homem pior. Um homem sem moral, sem decência. Por que ele a amava, e mesmo naqueles dias ele sabia disso, mas ainda assim, fora capaz de fazer o que fez. Mais de uma vez. Mais de uma noite, mais de um final de semana. 
    Ele a vira, a amante, e cuidara e abraça e acarinhara o corpo pequeno de riso fácil, com as mesmas mãos que tocavam a futura esposa e os mesmos lábios com os quais mentia pra ela. E ele não podia voltar para ela com esses mesmos lábios, essas mesmas mãos, essa mesma alma marcada pela vergonha de ter ferido a mulher que amava. A mulher que era a correta, que era sua, que lhe prometera sempre estar, que o desejara tanto a ponto de querer que fosse sempre eterno para sempre diante de algo maior. E ele, o pária, quebrara todas as promessas e jogara fora todo o futuro e agora queria perdão. Mas ele sabia que não devia. Sabia que era sua hora de ir embora. Por que ela merecia mais.
      Então, quando caminhou de volta pela praia que deveria ser onde eles se tornariam tão infinitos quanto os grãos de areia, ele tinha a resposta para a pergunta que ela tinha nos lábios, tinha nos olhos, tinha no peito e nas lágrimas que escorriam e que ele podia ver mesmo a distância. E ele também chorava, chorava por tudo o que eles jamais seriam, por que ele não merecia e ela merecia muito mais. Então ele veio e se sentou ao lado dela, e não tocou-lhe as mãos, por que sentia-se sujo, e disse-lhe apenas que não chorasse mais, que não valia a pena, que os cacos do que se quebra deve se varrer porta afora, e não alma adentro. 
     Ele não ia ficar, eles não iam ser, por que ele não sabia encará-la depois de tê-la traído. Ele não queria ver nela as feridas que causara. E ela guardou silêncio, mas não as lágrimas, e ele olhou-a nos olhos - uma ultima vez, pensou, - e disse que não chorasse mais. Era o fim, mas só pra ele. Pra ele, já era tarde. Pra ela, era apenas o começo. O começo do infinito de outros amores. O começo de um mar de novas possibilidades.

09 novembro 2012

Inferno astral (Me tira daqui)

Se eu pudesse fugir, eu fugiria. Eu estou tão cansada, eu estou tão sedada, eu estou tão farta de respirar esse ar que me arrasta pra baixo. Não sei mais o que fazer de mim, e tempo nenhum que eu me dê ajuda, por que eu sou feita de brecha e desespero e noite insone com histórias de amor que não são minhas. Não acredito mais em nada que não é essencial, e o padre me disse que to sofrendo de falta de fé. Tô sofrendo, tô sim, mas fé é tudo o que me resta e se eu perder isso, não sei o que vai ser de mim. Então vou contar até cem, vou fazer uma oração, vou pedir pro futuro vir mais rápido e me levar pra algum lugar. Essa estática ainda vai me tirar de mim. Me tirar de mim pra sempre. Me tirar daqui.


31 outubro 2012

Psicótica (Cheiro de Pólvora)


Quando acordei ela já estava lá, de pé, os olhos fixos nos meus, e eu soube mesmo antes que ela dissesse palavra que estava tudo acabado. E eu não gelei ou me aterrorizei ou gritei ou exibi no meu azul-escuro o medo que eu sabia que ela queria que eu demonstrasse. Culpe o sono, se quiser, mas eu fui bravo e destemido, e encarei o castanho-escuro mais cheio de segredos que eu jamais veria. Que eu jamais veria de novo. E eu sabia que era a hora e ela não precisava mesmo fazer o discurso que pretendia, por que nós dois sabíamos bem que não adiantava protestar. Não pra ela, não pra mim.
Mas ela fez, e ela falou, e eu queria voltar a dormir ou mandá-la embora ou acabar com tudo, mas fiquei em silêncio, deixando que ela jorrasse fora as palavras que guardava, apenas por que bem, ia acabar mesmo, então era melhor pra nós dois que ela estivesse com seus pratos limpos pra porta do céu. Eu me deitei novamente, meu azul encarando o azul do nosso teto de nuvens, e eu senti que ela finalmente se aproximava da cama, senti que se aproximava de mim, e senti antes de ver sua presença bem diante de tudo que era eu, pernas abertas sobre as minhas pernas, o corpo na posição que me dominaria para sempre, sem me dar chance alguma de protestar. Como se ela não me tivesse dominado desde sempre, mente e coração e atos e braços e palavras e tudo em mim. Sempre foi assim e ela nunca me deixava tentar fazer diferente. Como se eu fosse. Como se eu pudesse. Como se eu, alguma vez, tivesse tido alguma chance.
- Você é patético.
Foi tudo o que ela disse antes de mirar em mim os seus olhos cheios do seu mais apaixonado desprezo. Senti minha língua coçar, mas segurei meu verbo, minha própria paixão, meu despeito. Eu não ia discutir com ela. Eu não ia colocá-la no seu lugar. Embora eu certamente pudesse. Embora eu provavelmente devesse. Mas, para quê?
- Você também é.
Foi tudo o que consegui responder (e provei seu ponto, é claro. Eu sempre acabava descobrindo como ela estava certa e eu, errado).
Ela encolheu os ombros e, antes de dar o tiro que tirou minha vida, me olhou bem fundo nos olhos e disse, com aquela voz que me assombra até hoje quando sou eu quem assombro as paredes brancas da sala em que morávamos:
- Fica quietinho que vai ser rápido. Bum, barulho, cheiro de pólvora. Você nem vai ver acontecer. Mas vai doer, é claro que vai doer. Mas não tem problema. Algumas coisas são mesmo feitas para doer. Coisas tipo eu e você. Coisas tipo eu e você pra sempre.

17 outubro 2012

Estilhaçada.

Alguma coisa com azul e preto tem se instalado em mim e me tirado o ar e me roubado lágrimas e me feito fingir sem parar que eu quero sorrir. Mas tá tudo um cu, isso sim, e agora eu me escondo em livros que faz melhor pra mim (por que eu também quero ficar dobrada entre páginas).



"Passei minha vida dobrada entre paginas de livros"
MAFI, Tahereh. Estilhaça-me.


04 outubro 2012

Um dia frio.


   O casaco dele era grande, mas confortável, e eu me sentia satisfeita agora que aquecida. Ele me sorria meio de lado, meio contrariado, mas não parecia de todo chateado. Eu me fazia de faceira e guardava silêncio, sorriso no rosto, por que eu me sentia no clima correto para (me) apaixonar e a falta de palavras, por enquanto, nos caía bem. E além do mais, eu gostava do som nossos passos na rua de pedra. Eventualmente, no entanto, ele falou.
- Confortável?
- Terrivelmente. - Ele revirou os olhos. - Você, no entanto, não parece muito. Está com frio?
- Não... - Ele disse, e soou tão natural que eu não saberia dizer se havia caído no jogo. - Mas mesmo que estivesse, não faria diferença. Meu casaco foi roubado de mim por uma garota bonita.
- Que absurdo! - Ele ergueu uma sobrancelha  achando graça -Se você quiser que eu resolva isso, basta me apontar a atrevida. Pego seu casaco de volta.
- Ah, é?
- Claro. Mas infelizmente, pra você, eu não vou devolver. Vou ficar com ele, por que estou sempre com frio e posso usar um casaco a mais.
- Você ainda está com frio?
    E sua voz estava em algum lugar entre a surpresa e a preocupação. Eu sorri.
- Não, não de verdade.
- Ah, que bom.
    Eu ri e me virei, me deixando caminhar de costas para a rua de modo a observá-lo melhor.
- Não tem graça provocar você se tudo o que você vai estar é preocupado.
- Perdão.
    Ele disse, mas a voz era todo humor e o rosto exibia um sorriso torto de quem se divertia às minhas custas. Revirei os olhos.
- Agora você está definitivamente se divertindo de mais.
    E, ao ouvir isso, ele gargalhou e o som inédito pareceu ecoar pelo meu peito adentro. Aturdida, me deixei voltar a um caminhar normal ao lado do meu recém-conquistado salvador. Ele não pareceu notar que acabara de arruinar meu sistema nervoso.
- Talvez eu deva simplesmente ir na frente e te dar uma lição.
   Eu disse finalmente. Ele não pareceu preocupado (afinal, não era como se ele não pudesse me alcançar se quisesse, com suas pernas longas e tudo).
- O plano agora é fugir com o meu casaco, então?
- Ainda estou decidindo isso.
- É claro que sim.
   Mas não parecia convencido.
- De qualquer modo, - ele começou, cruzando o braço com o meu e ficando terrivelmente próximo demais - até onde vamos andar? Não que eu não esteja gostando da companhia, mas eu apreciaria saber o ponto final...
- Bem, você só vai comigo até o shopping. Eu vou andar até a rodoviária.
- Para?
- Pegar um ônibus, que ideia.
- Não... - Ele começou, mas eu (obviamente) havia entendido.
- Eu vou voltar para casa hoje. Duas horas e mais um pouco e eu estarei lá em segurança.
- Longe.
- É a vida.
- É frio lá?
- Terrivelmente.
- Então por que você veio assim?
    Ele perguntou, indicando com a cabeça o meu adorável vestido de verão.
- Estava quente pela manhã, ok?
    Ele revirou os olhos.
- Descuidada.
- Não reclame. Não fosse eu ter esquecido o casaco, você jamais estaria em minha agradável companhia esta noite.
- É verdade. Mas eu poderia ser um maníaco e ter atacado você quando surgiu do nada e me pediu o casaco. Na verdade, na verdade, acho que só emprestei por que você me pegou de surpresa; quero dizer, por que mais eu emprestaria minhas roupas a uma desconhecida?
- Por que eu sou adorável, é claro. - Os olhos dele negaram. - Por que eu estava roxa de frio, então.
   A expressão dele suavizou.
- É, talvez. Você estava mesmo tremendo e tudo, afinal.
- Viu? Adorável.
    Ele revirou os olhos mais uma vez.
- Sério, da próxima vez não faça algo assim. Pode ser perigoso.
- Pode deixar, mãe. - Ele sorriu. - E de qualquer modo, eu não pretendo esquecer meu casaco de novo, então não se preocupe. Não vou infligir minha loucura e companhia a outros estranhos por aí.
- Este é o menor dos problemas.
   Ele resmungou enquanto um daqueles ventos frios que correm na orla tentava arrancar meu rosto de mim. Me encolhi (o que o trouxe para ainda mais perto, considerando que ainda tínhamos nossos braços entrelaçados);
- Não acredito que você ainda está com frio!
- É o vento!
   Eu repliquei, mas minha voz saiu muito mais resmungona do que devia, e eu fechei a cara.
- Isso não pode ser normal, sério.
    Ele disse, só por dizer, e eu fiquei em silêncio. Sem palavras, nossos passos aceleraram e logo já podíamos ver o prédio que era nosso destino. Faltava pouco agora, e eu já preocupava minha mente tentando descobrir como não congelar depois de devolver o casaco do meu mais novo desconhecido favorito.
    Estava tão distraída que quase não reparei quando alcançamos a entrada. Nossos passos pararam e ele me segurou pela mão, como se receasse que eu continuasse andando caso ele soltasse. Em defesa dele, a verdade é que eu provavelmente iria (o trajeto já me era tão familiar que eu o fazia sem prestar muita atenção; meus pés sabiam bem o caminho de casa e seguiam sem minha intervenção direta).
- Ei, ei.
    Ele chamou, não parecendo certo de que eu o escutava.
- Hey você.
- Shopping.
   Ele disse simplesmente, apontando o prédio com a cabeça. Ainda segurava minhas mãos, mas não parecia particularmente ciente disso (ou disposto a soltá-las, já que estamos no assunto).
   Seus olhos estavam fixos nos meus,  uma curiosidade atraente brilhando neles. Ele me pareceu intenso. Minha cabeça tombou para o lado, numa tentativa de absorvê-lo melhor.
- Você está esquisito.
   Ele encolheu os ombros. Arqueando uma sobrancelha, eu comecei a me desvencilhar dele e de seu casaco (era difícil pra mim, ele estava terrivelmente aconchegante). Ele me parou, no entanto, mãos suaves, mas olhos cheios de segundas intenções. Eu não entendi.
- O quê?
- Fique com ele.
- Como?
- Fique com ele. Você está com frio, eu não. E, pelo que você me disse, na sua casa faz ainda mais frio, certo?
- É, mas mesmo assim... Eu não posso ficar com seu casaco. Não, não. Eu posso comprar alguma coisa pra me aquecer aí no shopping e tudo, veja. Foi um ponto estrategicamente escolhido.
   E ele me olhou com olhos que claramente não estavam satisfeitos. E então encolheu os ombros como quem desiste, e tirou de um dos bolsos uma caneta e um pequeno pedaço de papel. Anotou alguma coisa que, ao me entregar, identifiquei como seu nome e telefone.
- Me ligue, sim? Pra dizer que chegou aquecida e tudo mais.
- Ok. Eu acho.
   Ele me analisou com olhos críticos.
- Talvez seja melhor você me dar o seu número.
- Ah... tudo bem.
  Hesitei apenas um momento antes de começara a vasculhar minha bolsa à procura do meu celular - eu não sabia meu número - mas foi o suficiente para que ele percebesse. Sei disso por que quando levantei a cabeça, aparelho na mão, ele me encarava com os olhos mais reprovadores que eu veria em algum tempo.
- O que foi agora?
- Você não quer me dar seu  número.
    E, embora ele não estivesse exatamente me acusando, meu reflexo foi me defender.
- Não, não é isso! É que eu não sei meu número de cabeça. Preciso olhar na agenda.
- Não duvido que precise. Mas não acho que queria me dizer os números.
- Não seja bobo, anote aí...
- Não, não. Façamos assim: você fica com o meu número e o meu casaco.
- De novo isso? Eu já disse, vou comprar um. Obrigada, mesmo, mas não preciso.
- Desnecessário. Completamente desnecessário. Você pode ficar com esse. Faça assim: me devolva depois.
- Como assim depois?
    E aí ele sorriu e eu entendi - por que puxa, que sorriso. Mas ele explicou, apenas para que não restassem dúvidas.
- Você vai levar o casaco por que aí vai ser obrigada a me ligar e encontrar comigo para devolvê-lo.
- Ah, é mesmo? E o que você faria se eu o levasse e simplesmente não devolvesse?
- Você não faria isso. É adorável, lembra?
   E eu não consegui evitar o sorriso que me escapou dos lábios.
- Você é um sacana.
   E ele sorriu um sorriso conquistador e insinuante, um sorriso que, eu tinha certeza, ele sabia perfeitamente que esfrangalhava os nervos de mocinhas como eu.
- Não. Só tenho um pensamento estratégico.
- Dá no mesmo.
   Eu disse, e ele encolheu os ombros como quem não se incomoda.
- Bem, então a gente se vê?
    E o sorriso convencido que ele me deu então deveria ser proibido por lei - ou pelo ministério da saúde - por apresentar riscos imensuráveis à sanidade e ao bem-estar dos transeuntes. Fiquei em silêncio (mas apenas por que não tinha certeza que eu conseguiria formar as palavras)
- Sábado, talvez?
    Fechei novamente o casaco emprestado, minha expressão sóbria e composta (eu esperava).
- Pra que se dar ao trabalho de me deixar o casaco, se você já está marcando o encontro?
    E em seus olhos aquela preocupação gentil que ele exibiu quando me emprestou o casaco no primeiro contato brilhou novamente. Era doce.
- Bem, você está com frio. E embora não esteja mais tremendo, você ainda está alguma coisa de pálida.
    Eu sorri, tocada por sua preocupação. E então ele completou:
- E assim você não pode faltar.
- Lá vai você estragando tudo de novo.
   Ele riu e voltou a pegar minha mão por apenas um momentos, enquanto se inclinava e depositava um beijo em minha bochecha sem nem mesmo - e acredite se quiser - tentar avançar pelos meus lábios (não que eu o teria deixado. Provavelmente não).
- Se cuida, viu? E até sábado.
   E, com um ultimo sorriso (sério, devia ser proibido) e um leve empurrão na direção das portas ("E sai logo do frio!"), ele me deu as costas e voltou a caminhar pela direção da qual viemos. Imaginei que fosse entrar em alguma das ruas que saiam da orla bairro adentro, mas não prestei muita atenção, admito.
  Fiquei ali, apatetada por um instante inteiro, sorrindo como uma boba por divisar suas costas lá longe, na calçada. E eu me peguei sorrindo, completamente aquecida, não só pelo casaco, mas pelo sorriso malandro que me dera no ultimo segundo, pelos lábios suaves que tocaram minha pele, pelas mãos gentis nas minhas e, principalmente, pelos olhos, ah, aqueles olhos, tão sinceramente preocupados que derreteram metade de mim.
- Sábado, então...
  Murmurei, apenas pra mim, pra fazer parecer um pouco mais real (não deu certo). E eu não conseguia deixar de sorrir. É que aquele simpático estranho, naquele dia frio, me aquecera com seus sorrisos (e que sorrisos). Mas então, com um vento frio que causou um terrível arrepio que me correu espinha acima, o encanto se partiu (mas só um pouco), eu recobrei a sanidade, sacudi a cabeça e entrei no shopping.

28 setembro 2012

Bordô.

(E parece que) Minha passividade vem se tornando agressiva. E meu tempo vem acabando, e os problemas vão pingando e meu corpo vai desistindo devagar, fechando os olhos por um segundo ou dois, para um descanso eterno que eu bem queria. Eu bem topava. E tudo o que é pequeno me tira do sério e eu ando chorando dores antigas e detestando velhos amores, velhas lembranças e esperanças que se partiram (e me levaram junto). Ando recriminando símbolos. Ando guardando mágoas. Ando respirando fundo e dosando minhas palavras. Ando me sentindo pouco e vivendo pela metade. Ando sofrendo por trás de sorrisos. Ando fingindo (bem menos, mas fingindo). E agora me pego sem saber o que dizer. É que eu não sei mais descrever o que é vermelho como antigamente. Não sei mais fazer sair de mim como fazia antigamente. Não sei mais fazer voltar ao castanho como antigamente. E agora é pedir por um pouco de paz, é fingir que tá tudo bem, é não me deixar chorar, não me deixar ruir, não querer e não conseguir (e as vezes eu quero, as vezes eu só quero que acabe. mas nunca vai embora). E agora é o que eu sou, é o que dá pra fazer, é o sorriso que dá pra sair. Não me pede mais. Não hoje. Não agora. Não nunca (Deixa pra mim a tarefa de me colar. Deixa que eu vou me domar).

24 setembro 2012

Dois Cafés e uma lembrança.


Era quinta-feira e já fazia um ano, mas a rotina fazia parte dela, tanto quanto ele um dia fizera, e ela não conseguia evitar; quando dava por sí era 23 e lá estava ela, dois copos de café, o mesmo canto do bar, e o coração cheio daquela esperança que esmagava. E ela esperava por uma hora antes de lembrar que nunca mais ele e ela naquele bar (ou qualquer outro lugar). E embora devessem, as lágrimas nem sempre vinham, mas a tristeza era tanta ao recordar que ela poderia ficar mais uma hora inteira que fosse sentada naquele banco de sempre, encarando a parede com olhos antigos, olhos vividos, olhos sofridos. Olhos de uma saudade que pra sempre viveria no peito, apertada contra a respiração, tentando se fazer confortável, já que não ia mesmo partir. E era quinta-feira e já fazia um ano, mas ela sempre esperava que ele voltasse, mesmo já sabendo que nunca mais. Ele se fora, ele quisera, ele partira, e ela ficara pra trás, sozinha com seu café, o bar e a lembrança, e aquela saudade que machucava até o ultimo pedacinho de sua esperança. É que, no final da contas, ele partira pra longe demais e tudo o que restara à ela era mesmo aquele café, agora, gelado, um orgulho partido e um amor que ia morrer dentro do peito, que a tornaria estéril, frígida e infeliz. E ela suspirava e pensava nele com tudo de sí bem ali, enquanto ainda podia, por que quando saísse pela porta sabia bem que deveria esquecê-lo de novo. E talvez a rotina a trouxesse de volta num outro 23, numa outra quinta-feira, na calada da noite, num domingo de manhã, como eles faziam quando sentiam vontade um do outro e saudade daquela paixão que costumava consumir até a alma. Mas ele jamais voltaria, ele partira pra sempre, e ela ficara pra trás, ficara pra agora, ficara. E assim, sabendo bem, sabendo melhor, se resignando ao adeus, ao menos por agora, joga umas moedas na mesa e encara o café intocado, que era pra ele, mas que ele jamais beberia. E suspira, e se recolhe, e não se deixa chorar por que é a vida, e chegou a hora - já fazia um ano, afinal. É a hora dela partir também.


ps: isso foi escrito pra alguma pauta do bloinquês de muito tempo atrás, mas, por um motivo ou outro eu provavelmente perdi o prazo, eu não postei.

19 setembro 2012

Céu Azul (O dia que deu errado)

Hoje não tinha uma só nuvem, hoje só tinha sol e eu saí de casa com o peito embrulhado em esperança (como é que eu ia saber que ia dar tudo errado?). E eu sorri pela manhã e eu cantei canções e eu falei de amor e escrevi sobre fazer valer a pena e eu respirei bem fundo e fechei meus olhos e acreditei (e, sério, não tinha como ser pior).
E eu falhei e eu sofri e eu chorei e eu duvidei, e tentei me apagar de mim e esquecer, por que doía no peito, mais que nunca, aquela dor de estar perdida e não ter valor. Mas, ao que parece, nem das minhas tristezas eu tenho o direito de escapar (por que, é claro, sempre pode ser pior).
E agora todo o meu desprezo é pra mim. Eu o mereço mesmo. E a lâmina que amolei por horas, enquanto remoía minhas palavras e meus atos e minhas faltas, é pra mim que ela aponta. E a dor, e o destino, e o acaso, tudo conspira, tudo me faz tropeçar. Nem me ajudar eu consigo. Eu me saboto. Eu me destruo (por que consigo fazer tudo pior, mesmo quando parece que já não há como).
E foi céu azul o dia todo, foi dia claro, foi esperança, foi brisa fresca de verão e sorrisos por todos os lados em que eu não estava. É que, no fim das contas, não acho mesmo que azul seja minha cor.

15 setembro 2012

A Outra II


E eu estava ali, encarando, incapaz de mover, acompanhando sem reação enquanto você se aproximava cada vez mais, sem me dar a chance de procurar um lugar para fugir. Escutei uma voz que perguntou se eu estava bem e em seguida, reconhecendo você há não muito mais que alguns passos, perguntou se eu queria ir embora. Se eu queria dar as costas. Mas eu apenas registrava você, os mesmos olhos que eu adorava olhar, o mesmo sorriso que sempre me tirou o ar, os mesmos lábios que brincavam sobre os meus enquanto eu ria, o mesmo você pelo qual eu me apaixonara, não há tanto tempo atrás. Não há tanto tempo que eu tivesse esquecido.
E encontrar você assim ao acaso foi um baque tão grande que, nos primeiros momentos, eu não percebi que você estava acompanhado. Mas você estava. E você sorria. 
- Quem é essa?
Perguntei, esquecendo-me completamente que eu não tinha o direito. Que eu não tinha você.
- Ah... – Ele pareceu sem graça por meio minuto. E então disse fosse qual fosse o nome que aquilo tinha.
Meu coração se contraiu de forma involuntária.
- Meu nome é Liz. – Me apresentei, tão simpática que qualquer um poderia ver há quilômetros de distancia que era forçado. – Sou... – hesitei. – amiga dele.
A coisa sorriu. Acho que me deu um beijo. Não tenho certeza. Não estava prestando atenção. Estava controlando um monstro dentro de mim. Um com instintos assassinos muito, muito apurados.
Eu era amiga dele? Desde quando? Pelo que me constava, eu perdera o título com a distância. Eu perdera o sentido, o apelido, a intimidade. Eu não era muito mais do que uma estranha agora. Algo em torno de uma velha conhecida. O tempo me transformara em “companheira dos velhos tempos”. Eu já não era nada além de sombras num passado quase distante. Eu simplesmente fora. Nós fôramos, e agora era passado.
Um ciúme doentio corroeu meu peito enquanto alguém em volta de mim falava banalidades. Me senti pequena e sem valor, me senti estranhamente antiga. Tentei encarar o chão, evitando os olhares e os sorrisos que provavelmente compartilhavam segredo e sentidos. E então eu vi, claro como num pesadelo, suas mãos entrelaçadas, o ato máximo da proteção. Acompanhei, enlouquecida de dor, o carinho lento dos dedos e o segurar que, pra mim, era poesia, era amor. Meus olhos pesaram e se encheram de lágrimas que eu tentei, com custo e com o coração partido, manter lá no fundo, bem dentro de mim. Pisquei.
Mãos. Abraços. Sorrisos.
Eu ficara pra trás.
Eu ficara pro nunca mais.

08 setembro 2012

Hoje sou amor.



- Ando amando você.
  Eu digo, peito aberto, dúvidas guardadas pra outro dia. E ele apenas me olha, sem expressão, e eu não sei o que se passa nele, o que bate no seu peito, o que vai em sua mente, mas não me abalo. Não hoje, não depois de tanto tempo.
 O silêncio dura um minuto inteiro (ou será que foram anos?).
- Oi, isso é rude. Não me responder, eu quero dizer.
- Eu não sei o que dizer pra você.
 E isso me cala. Por que eu não sei bem o que queria escutar. Chegar aonde? Por que motivo? Eu sei (e você sabe) que a gente não é pra ser. Mas daria no mesmo não saber. Eu continuo amando você.
- Bem, eu também não sei o que você devia dizer. Obrigada? Tudo bem? Não tenho ideia. Não sei mesmo. Mas o silêncio é ruim. O silêncio é sempre sepulcral.
- O silêncio pode ser confortável, você sabe.
 E eu rio, por que ele me conhece e eu me conheço, e nós dois sabemos bem que silêncio, em mim, é sempre morte. Morte de um monte de coisas.
- Pra outras pessoas, é sim. Pra mim, nem tanto.
- Bem... Obrigada. Tudo bem?
- Acho que sim.
 Eu digo, incerta por um segundo. Mas não ligo muito, não hoje, não depois de tanto tempo. Meu peito está leve e eu carrego um sorriso puro, feito de mim, feito do meu coração flutuando sobre os campos. Hoje é dia se ser feliz. Hoje é dia de ser amor.
- Eu amo você também.
 Ele diz assim de repente, como se não importasse, como se não fosse nada. Não é. Não pra gente. Amor sempre existiu mesmo, sorriso sempre fez parte mesmo, abraço e cuidado e carinho sempre foi coisa nossa. Amor entre a gente não é novidade. Não há nada a fazer quando há amor na gente. Sempre tem amor na gente.
- É claro que ama.
- Amo sim, você sabe. Você é minha pequena, minha risada ao telefone aos domingos, minha encrenca particular.
- Eu sou, não é?
- É, é sim.
  E eu sorrio e ficamos em silêncio mais um pouco e ele me abraça de lado, só pra estarmos juntos, e eu me deixo acomodar na sua familiaridade. Ele não é lar, mas é quase, e é tão próximo que sente como soltar as malas na porta e correr pra se jogar no sofá. Ele é aquela casa de praia que me espera todo verão. Ele é meu melhor amigo e eu o amo, eu o amo, eu o amo .
- Você queria dizer mais?
  Ele pergunta de repente, o braço ainda por cima de mim, o abraço ainda quente e acolhedor e cheio da gente, de sempre, do amor que hoje eu acordei sentindo com o peito valendo por mil.
- Eu sempre quero dizer mais.
- Então, na verdade, nunca quer?
- Não sei. Acho que não. Acho que sempre quero, mesmo.
- Você me ama?
- É claro que sim.
 E ele se endireita, costas retas, e de repente o braço se vai e o abraço se desfaz e ele está me olhando e são os olhos de sempre nos meus olhos de sempre e eu estou mesmo amando um pouco mais dele hoje. Nos últimos dias. Nos últimos anos. Já faz tanto tempo que parece que surgiu agora. É sempre de novo com a gente, assim como é sempre amor na gente. Acho que são coisas que caminham juntas.
- Aquele amor de fundo do peito? De falta de ar?
- Claro que sim.
- E como você esperava que eu respondesse a isso?
- Você me conhece, eu não pensei tão à frente. E você não precisa responder de verdade, responder desse jeito, do verbo me dar uma resposta. Eu não sou assim tão patética. Eu só acordei amor hoje, e eu precisava dizer. Carrego há tanto tempo, que não soou errado dizer em voz alta.
- Eu não sei...
- Você é meu melhor amigo, meu despertador dos domingos, meu personal resolvedor de problemas. Não parece óbvio compartilhar com você o fato de ser amor?
- É claro que sim. Eu digo, com quem mais? Mas mesmo assim. A gente não é assim. A gente é amor, mas...
- Eu sei. E, acredite, eu não disse esperando mais de você. Esperando o mesmo amor, a mesma falta de ar. Eu disse por que é amor, e eu queria compartilhar, por que hoje eu acordei com o peito pronto pra admitir pra mim e pra você que, as vezes, sempre, é amor. E eu sei que não vai pra lugar algum, mas eu te amo mesmo assim. Me dê a liberdade de te amar e ser sua melhor amiga. Não são coisas mutuamente excludentes.
  E ele continua me encarando por um outro minuto inteiro, parecendo me medir, me analisar, como quem confere se estou sã, se estou bem, se não estou me ferindo enquanto digo essas palavras que soam tão casuais. Ele está cuidando de mim, como sempre. E eu o amo mais um pouco por isso.
- Você é tão complicada...
 Ele diz enquanto suspira, e sua postura relaxa e ele me beija na testa e volta a passar o braço por mim, naquele meio abraço que sente como fim de tarde no verão. E é tão confortável que eu me deixo fechar os olhos por um segundo.
- Você está mesmo bem?
 Eu ouço, e por baixo da sua voz vem aquela preocupação de fim de festa, de fim de namoro, de lágrima nos olhos. Eu rio, e posso quase sentir ele relaxar.
- Eu estou ótima. Melhor do que estive em séculos.
- Tão problemática...
- Não reclama. Você me ama.
- É claro.
  Ele concorda, e eu reviro meus olhos, por que, apesar da pose, eu sei que é verdade. E ele sabe e eu sei, e a gente segue em frente, meios abraços, sorrisos inteiros, as histórias de sempre e pra sempre e amor pra hoje, pra amanhã, pra pôr-do-sol, por que é assim que a gente é. Desde o começo, até o final - se um dia a gente chegar lá.
- Até porque, é sempre amor na gente.
  Ele termina, como quem lê meus pensamentos, e eu me deixo sorrir, por que não há nada mais a dizer. É verdade, e a gente sabe. E não há nada a fazer, além de viver.

02 setembro 2012

(nada de) hesitação.

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Se quiser beijar, beije. Não hesite, não suspire, não pense e re-pense (é só um beijo, eu juro). Só vá até lá, respire o mesmo ar, sinta no peito, sinta o momento, só o momento, aqueles segundos, aqueles milissegundos em que o mundo todo se resume apenas àquelas mãos correndo os dedos nos cabelos e beije. Beije e pronto.

(o resto depois a gente vê).







É que é melhor ser alegre que ser triste e arrependimento doí que é uma tristezamesmo aquele das coisas que a gente não fez.

24 agosto 2012

Cadência.

Eu congelei quando me vi em frente a ele, e de repente o tão esperado reencontro já não me parecia boa ideia. Eu tinha medo de me ferir, de me esquecer, de que ele partisse de repente de novo e me deixasse pra trás mais uma vez. Mas ele sorria daquele jeito de sempre, com aquela cadência pausada de quem sabe que tudo vai dar certo. Nunca soube resistir a ele.
Murmurei alguma bobagem, qualquer coisa que rimasse com vai embora, pra tentar fazê-lo perceber, mas fui por demais subliminar, e ele não me entendeu - ou se entendeu, não acatou. Ele nunca fez o que eu queria mesmo. E continuava a sorrir aquele sorriso que tirava o meu juízo, que me deixava louca, que me fazia escrever nas paredes e rasgar fotografias como quem não sabe o que é ser feliz. E eu não sei mesmo - pelo menos, não com ele. É tudo sempre tanta dor e desespero quando ele está por perto. Não dá espaço pra sorrir tranquilo assim. Mas ele vem e me beija e - quem liga? É amor, não importa o quanto eu negue, o quanto doa, o quanto eu tente fugir. É amor, é bagunça, é mistura, somos eu e ele e essa dança que não tem fim. É a cadência nossa da música que a gente pede e nunca termina - mas a noite é mesmo uma criança e dançar pra sempre não faz mal a ninguém.

20 agosto 2012

Curvilíneo.

Dançou entre as arestas que a faziam reta e transformou em curvas tudo o que lhe era alma. E com o vento virou vidro e virou cor e virou um assovio feito de corpo, graça e calor. E deu adeus às retas, aos cálculos, às certezas. Ser curva era som, barulho, ruído, ser curva é ser dúvida por definição, voltas que se dão sozinhas, caminhos que se fecham nós, que embolam, deixam pra trás. Ser curva é velocidade, queda livre - mas ser viver, ser ardor. Curvas que são. Curvas que vão. Curvas que sou.

Atelofobia.

As vezes não ser suficiente percorre minhas veias e eu me sinto pequena e inútil, feia e desajeitada, e me encolho por que o frio poderia me congelar e as lágrimas que nem sempre choro ameaçam me afogar (e é sempre urgente ser acolhida). Mas ninguém nunca vem e eu me embalo e descubro que sou sim suficiente, que sou o que preciso, que sou o bastante pra me fazer inteira. Eu tenho que ser (ai pai, que eu seja, que alguém me veja, que meus braços me contenham pra eu não ruir). Ninguém nunca vem e eu me basto, por que é assim que tem que ser.


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