21 novembro 2014

Ciumeira.



         Não faço ideia de como fomos parar na minha cozinha, depois de tudo. E a minha expressão não era nada simpática e meus gestos estavam longe de suaves. Na verdade, nem imagino por que os pratos não estavam se quebrando com o meu "toque gentil". Eu bem queria que eles quebrassem, para atirar os cacos de cerâmica na cabeça dele.
         Ele era meu melhor amigo, o meu único porto seguro e o meu colo de todas as horas. Eu me escondia nele com mais frequência do que gostaria, mas nunca escutei muitas palavras de reclamação sobre isso. Não sérias. Pelo menos, não muitas que eu levasse a sério (ah, os privilégios de ter um melhor amigo compreensivo).
         E ele se aproxima de mim sem fazer barulho, como já é de costume, e eu me seguro para não sorrir, porque, ao menos em teoria, eu estava severamente chateada com ele. Ou, ao menos, eu deveria estar.
- Eu sei que não está tão chateada quanto quer parecer, Isa. Está só fazendo birra - de novo.
         Espero meu coração voltar ao lugar de origem antes de respondê-lo. Mesmo que eu já conheça bem o silêncio de seus passos, sua voz surgindo de repente em meu ouvido sempre me tira do eixo e sacode meus pensamentos. Eu bem gostaria de dizer que é só por causa do susto.
- Eu estou muito chateada. - Eu digo, voz dura. É pelo menos uma meia verdade, então não me sinto culpada. Ou talvez seja verdade nenhuma. É tão difícil me manter chateada com ele.
- Tá nada. - Ele diz, se encostando na pia ao meu lado.
         Parece errado tê-lo ali, bonito demais pra qualquer padrão, recostado ao meu lado na zoneada cozinha do meu apartamento modesto. Admito que organização dos utensílios domésticos não era meu forte, e se não fosse por ele todo dia por ali, meu apartamento provavelmente seria apenas um caos cercado por paredes coloridas. Suspiro, sabendo que perdi o ponto da nossa conversa devaneando sobre a limpeza pendente na área e sacudo a cabeça, buscando algum foco. Ele deixa escapar uma risadinha.
- Eu talvez não esteja. Mas apenas talvez. - Acrescento, por que o típico sorriso "eu já sabia" que eu detesto tanto toma todo o seu rosto. - Mas você tem que entender que foi um babaca, então eu deveria estar chateada. Muito, inclusive. Foi vergonhoso você agindo daquele jeito no bar.
- Você está exagerando, Isa. Não foi nada demais. Eu fui apenas lógico.
- Não, você foi um idiota fazendo ceninha. E um total, eu não sei... - Ele me olha com os olhos insolentes. - menininho ciumento.
- Por favor, Isa!
- Então me diga o que mais pode significar você fisicamente me arrancar dos braços de outra pessoa.
- Significa zelar pelo seu bem estar. - Ele responde, parecendo muito seguro de sua desculpa.
- Em que planeta? E, pior ainda, quem te deixou tomar tais "medidas cautelares" pelo meu bem estar?- Minha voz é rígida e eu já posso sentir a irritação crescendo em ondas no meu peito, e eu desconto a frustração batendo os copos agora lavados na pia.
- Aquele cara ia obviamente se aproveitar de você. Por que eu deixaria isso acontecer?
- Ele não ia se aproveitar de mim!
- Claro que ia. Ele já estava cheio de mãos.
- E?
- E o que? Você é pura e inocente. Você é essa coisinha pequena e delicada e eu jamais poderia ficar lá vendo aquele cara se aproveitar de como você é compassiva.
- Eu não sou compassiva. - E a palavra sai com tanto veneno dos meus lábios que eu mesma poderia ter engasgado com ela. Mas sigo em frente, furiosa. - Eu não deixo as pessoas fazerem o que querem comigo. Sei cuidar de mim muito bem, obrigado.
- E nós dois sabemos quão bem isso normalmente termina. Uma dica: eu e você, barras de chocolate e muitas, muitas lágrimas nas minhas camisas.
          Ele diz, simplesmente. Os braços se cruzam no peito de novo e ele parece definitivamente chateado, como se eu tivesse feito algo errado. Meu humor - se é que era possível - consegue piorar.
- Quem você acha que é pra vir até a minha casa e dizer na minha cara que eu não posso tomar conta de mim mesma? - Ele abre a boca pra responder, mas eu não o deixo. Ele já se incriminou o suficiente. - Eu tenho 22 anos, Ian. E nesses 22 anos, apesar dos tropeços, eu me aguentei muito bem sem sua interferência, obrigada. Você chegou muito tarde se quer brincar de irmão mais velho comigo, porque eu já tenho dois e estou dispensando um terceiro. Volte ao seu cantinho de bom amigo e fique lá apena observando, quer eu me arrebente ou não. Sua função é me dar suporte, não colocar barreiras. Não cabe a você decidir o caminho que eu vou seguir, as bocas que eu vou beijar ou as camas nas quais vou me deitar. Mal e porcamente, você pode opinar, se, e apenas se, eu pedir sua opinião.
- Uau - Ele diz, levantando as mãos em derrota. - Desculpa. Já entendi. Não sou ninguém. Não faço mais.
- Acho bom.
         Eu digo, respirando pela boca, tentando recobrar alguma compostura.
- Mas não acho justo. Somos amigos há anos. Eu me importo com você e não quero ver você se entregando a um qualquer que não te merece.
- Você não tem como saber quem me merece ou não, Ian. E nem cabe a você julgar isso. Cabe apenas a mim decidir quem melhor se encaixa na pessoa que eu sou, quer você goste como eu faço isso, quer não.
- Desde quando você é tão assertiva?
- Sempre fui. Você que sempre gostou de me pintar como a garotinha frágil por que eu confiava em você pra ser meu porto seguro.
- Em minha defesa, você me usou de escudo vezes incontáveis ao longo do tempo em que nos conhecemos.
- E eu agradeço imensamente. Mas isso ainda não te dá o direito de interferir se eu não pedir por ajuda. É minha vida e são minhas decisões.
         Ele fica em silêncio um segundo e então resmunga, vencido:
- Eu não sou retardado, eu sei que você pode tomar conta de si mesma. Mas eu não consigo evitar. Eu quero te proteger. Eu quero que eles deixem as mãozinhas e os braços e os corpos bem longe de você. Você é boa demais pra eles.
- E o nome disso, Ian, meu amor, é ciume.
- É claro que é. - Ele responde, mas ironia pinga de todas as letras.
         Eu reviro meus olhos.
- Estou sendo lógica. - Eu digo no mesmo tom, fazendo uso de suas próprias palavras enquanto termino de organizar a pia. Quando me viro de volta, ele está bem mais perto, a expressão de menino levado usual de volta aos rosto bonito. - O que, agora?
- E se for ciume? E se tudo o que eu quiser é que eles fiquem longe por que quero ser o único a ficar perto?
         Ele pergunta, braços já rodeando minha cintura, olhos intensos nos meus, passos trazendo-o para cada vez mais perto. Eu pisco, surpresa.
- Bem... Você ainda não tem direitos sobre mim ou sobre minhas escolhas. - Eu informo, e ele concorda com a cabeça, aceitando meu argumento facilmente. Ele está tão perto que, seu me inclinar, posso tocar seus lábios com os meus. - E eu ia ter que pensar sobre isso.
- É claro.
Ele concorda, a voz um sussurro. A minha, como num reflexo, também diminui o tom pela metade.
- Mas eu imagino que poderíamos trabalhar essa sua nova necessidade. Isso é, se você deixar essa atitude de lado e se comportar.
- Parece que chegamos a um acordo. - Ele diz, lábios já colados nos meus, olhos fechados contra minha pele.
         Estou hiper consciente dele tão próximo. Nunca antes respirei o mesmo ar que meu melhor amigo, não importando quão próximos nós fossemos ou quantas noites tenha passado em sua companhia.
- Eu prometo que vou te deixar caminhar livre, se você me deixar seguir de perto. Eu só quero ficar junto, de verdade. - Ele diz, e a voz é um pedido de desculpas.
         Eu entreabro meus lábios para dizer-lhe sim, mas não preciso. Ele mergulha em nosso beijo, o primeiro, e nos é resposta suficiente.

14 novembro 2014

Suicídio.

E no silêncio ela chora, as lágrimas engolindo cada pedaço dela, molhando todo lençol, fronhas, travesseiros, pelúcias, cortinas, panos, tantos panos que ela usa pra se proteger.
E a água salgada é enxurrada rolando rosto abaixo, encharcando, afogando, sufocando, prendendo a respiração e apertando o peito, por que quem é que vive essa vida de merda, essa vida cansada, essa vida que nem vivida é.
E a depressão engolfa, mas ela é tão fraca e ela nem tenta e ela só dorme, ela se encolhe, ela não se move, ela nem tem pra onde ir.
E a depressão sufoca, mas ela não tem nada, ela faz corpo mole, ela quer a atenção, quer fazer a gente rir, quer fazer cena, como se fosse atriz.
E a depressão carrega a arma, acaricia a bala, faz buraco, faz sangrar, faz morrer.
E a depressão acorda, a depressão sufoca, a depressão prende no corpo a menina que não quer viver.
E a depressão move, a depressão empurra, a depressão leva os passos pequenos até o armário do banheiro, à cesta de remédios, aos comprimidos pequenos, redondos, letais.
E a depressão beija a testa, a depressão despede, a depressão dá o adeus, o alento, a atenção e a risada, a ultima risada, a despedida da vida que ela não quer mais forçar.
E a depressão acena e as mãos encostam nos lábios e as pílulas vão garganta abaixo e ela espera pra morrer.




E a depressão agora passa pra você. 




Sente falta de mim, por favor.

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