30 novembro 2015

Madrugada.


Ele se remexe na cama, desconfortável, procurando o corpo quente da namorada para se aninhar, mas só encontra lençóis vazios e gelados. Os olhos correm o quarto e ele encontra o corpo pequeno dobrado na ponta da cama, braços em volta dos joelhos, mãos sobre o rosto que ele está tão acostumado a ver sorrir. A visão o perturba.
"Amor...", ele chama, mas ela não se vira. Ao contrário, ela aperta mais o abraço em volta de si mesma, como quem se segura pra não partir. 
"Não é nada", ela mente, mas a voz é pequena. Ela suspira fundo antes de tentar novamente, e dói nele que ela esteja tentando não o preocupar. "Você pode voltar a dormir".
"Até parece", ele responde simplesmente, e a risada dela em resposta é seca, sofrida.
Ele se aproxima, seu corpo tocando o dela com cuidado, tentando ser de qualquer conforto. Ele está um pouco perdido, não adianta mentir, porque é sempre ela a fortaleza, e ele nunca teve oportunidade pra retribuir o favor. Ela simplesmente nunca cede, nunca se despedaça, nunca se desespera. É assustador pra ele, a ideia de qualquer coisa que possa desesperá-la tanto a ponto de deixá-la acordada no meio da noite, em silêncio, olhos arregalados. 
Suas mãos dançam por suas costas numa carícia sem ritmo, tentando acalmá-la.
"Quer conversar?"
Ela nega com a cabeça, e ele não sabe dizer se ela está chorando ou não. Ele quer abraça-la, pegá-la no colo, ter certeza de que ela ficará bem. Mas ela não se move, não se deixa sair da bolha nervosa em que se enfiou, e ele não sabe o que fazer para ajudar.
"Vamos voltar pra cama, então. Recuperar as energias".
"Não consigo", ela admite e sua respiração sai entrecortada. "É muito, é problema demais. Eu não aguento mais".
O coração dele afunda com a dor na voz dela. Ele sabe bem que ela está sob pressão, que o trabalho dela tem tomado noites de sono demais, que a família está fazendo cobranças sobre o casamento, que o fato do emprego dele o manter longe de casa meses por vez a tem feito subir pelas paredes. E não há muito o que ele possa fazer além de estar presente, agora, então ele finalmente a puxa para seu colo, suas mãos tomando-a seguramente entre seus braços. Ele a abraça apertado, deposita um beijo em seu ombro, em suas bochechas, em qualquer faixa de pele que ele possa alcançar. 
Ele a ama tanto, tanto.
"Descansa, amor. Não adianta se preocupar com isso a essa hora. Eu tenho plena confiança que, chegando amanhã, você pode lidar com o que quer que seja. Você é inteligente, é ótima. Vamos devagar, passo a passo, e amanhã não vai ser esse bicho de sete cabeças. E eu vou estar com você, certo?"
Seus olhos estão fechados e ele deixa que ela se apoie nele completamente, o corpo pesando sobre o dele. Apesar das fungadas e dos olhos vermelhos, ela não deixou correr uma lágrima, e ele não sabe o que pensar disso. Ela é teimosa demais pra se deixar desmanchar.
"Me promete que você não vai me deixar sozinha?"
A voz é baixa, mas a intensidade está lá, e ele quase não acredita que ela sequer precisa perguntar. Mas ele responde, lábios buscando os dela, corpos reclinando-se novamente na cama, tentando encontrar alguma paz praquela noite sem estrelas.
"Nunca".

16 novembro 2015

Super-Homem


    Ela sabe bem que o namorado chegou quando escuta os passos pesados pelo corredor, o som inconfundível do caminhar que ela reconheceria em qualquer lugar. O mesmo nervoso bobo de toda vez cria casa no fundo do seu estomago, e ela segura um sorriso de saudade quando a voz dele chega aos seus ouvidos, por que o que as palavras não são bem o que ela queria escutar depois de uma semana de separação.
"Você está inteira?", a pergunta é audível antes mesmo que ele entre no aposento, a voz esbaforida e preocupada. "Eu corri pra cá assim que eu soube".
"Não era nem pra você ter vindo. Eu estou ótima, como eu continuo repetindo e repetindo pra todos esses médicos".
   A enfermeira no canto do quarto dá um risinho, e ela solta um suspiro cansado. Os olhos dele analisam a namorada, meticulosos.
"Eles se recusam a acreditar em mim".
"Em defesa deles, você caiu do quinto andar. Você pode muito bem ter quebrado alguma coisa. Você sabe, aí por dentro".
   E ele sinaliza, sem jeito, o corpo esbelto jogado displicente sobre as cobertas.  Ela revira os olhos.
"Eu mal deslizei algumas escadas. Eu juro que estou bem".
"Mas não faz mal fazer alguns exames pra conferir".
"Olha bem pra mim, eu estou ótima. Um gessinho nesse pé e eu já posso ir pra casa".
"Um gessinho..." ele repete, indignado. "Você não vai sair desse hospital enquanto não for liberada pelo seu médico, que eu faço questão de conhecer, aliás".
"Você é dramático demais", ela resmunga, e ele se senta na beira da cama, os olhos castanhos ainda procurando algum machucado mais sério. No entanto, fora alguns roxos bem localizados, ela parece inteira.
"Eu tô cuidando de você, bobinha".
"E por mais fofo que seja, não tem necessidade. Você devia estar trabalhando, não aqui babando em mim. Você tem funcionários pra cuidar".
"Mas você está no hospital e eu prefiro estar aqui pra garantir que você está inteira do que numa estação de rádio a três cidades daqui".
"Eu tropecei, não foi nada demais".
"Não foi exatamente o que sua colega de apartamento me disse. Pelo ligação dela, aliás, eu achei que ia te encontrar no cti ou sei lá. Eu fiquei roxo de preocupação. Voei de volta pra cidade".
"O coração dela está no lugar, eu juro, mas ela tem uma veia dramática muito forte. Você vai se acostumar a ignorar".
"Por que você nem rolou vários lances de escada, bateu a cabeça e desmaiou, não é mesmo?"
Ela encolhe os ombros, displicente.
"Bem, isso aconteceu, mas foram só alguns degraus e eu caí de mal jeito. Torci meu pé, mas não é nada que não tenha acontecido em terreno plano antes".
Ele sorri e se inclina, depositando um beijo rápido sobre os lábios dela. Ela se deixa escorar pelo corpo dele, o cheiro familiar acalmando seus nervos sacudidos pela estadia já de horas no quarto branco. A verdade é que ela odeia hospitais.
"Fico feliz que você esteja se sentindo bem, de verdade, mas eu prefiro ficar até seu médico voltar e te liberar. Eu já vim até aqui mesmo, não é como se eu fosse embora".
"É um exagero, mas você é livre pra fazer o que quiser. Não é como se eu quisesse que você fosse embora pro outro lado do mundo de novo".
"Não é tão longe, vai. Algumas horinhas de estrada, no máximo".
"É longe demais pra mim. Eu não te vi a semana toda".
"Mas eu tô aqui agora, vai?"
"É, por que eu caí da escada e torci meu pé. E tive uma leeeeve concussão".
Ele vira pra ela com os olhos arregalados.
"Então na verdade você está em observação?"
"Só pra garantir que eu não vou dormir? Esse soro é só pro analgésico fazer efeito mais rápido, eu juro".
  Ele sacode a cabeça, contrariado, e deposita um beijo na testa da namorada.
"E você não queria que eu estivesse aqui..."
"Não, não, eu sempre quero que você esteja por perto. Só disse que não tinha necessidade de você atravessar o Rio de Janeiro correndo de carro pra me ver, por que não foi tão sério. Meu pai ia me buscar quando o médico me liberasse. Eu tinha tudo sob controle".
"Eh, não, eu não tô convencido. Vou ficar. Até o final de semana, garantir que você não vai rolar escada abaixo por causa do pé de novo".
"Oh, Deus, que namorado mais zeloso".
"Sim, exatamente,esse sou eu", ele brinca, fazendo pose heróica na ponta da cama.
Ela gargalha.
"Ok, super-homem. Eu aceito sua gentileza".
"Você não tinha mesmo outra opção. Sou seu herói particular".
E quando ele a beija, ela não pode mesmo evitar se sentir um pouco mais segura.

13 novembro 2015

Necessidades.


A verdade é que eu preciso de alguém que tenha vontades incessantes de mim, alguém com um desejo tão incontrolável que acorde no meio da noite necessitando da minha voz, do meu toque, do meu corpo no lado oposto da cama, que seja. Eu preciso de mais, uma sede por contato, por abraço, pele, olhar e saudade, eu quero saudade constante, eu quero que afogue nos meus olhos e que suspire pelo meu sorriso. Sou demais, intensa demais pra meio desejo, medo ou incertezas. Quero reciprocidade, quero interminável fome dos meus braços em volta da sua cintura, quero desejo gritado de respirar comigo o oxigênio, eu e você, sem segredos, só suspiros, só vontades, só lábios sobre a pele e risos atrás de curvas. Quero que não haja barreiras, quero ser casal que transborda, quero me misturar pelas suas linhas, me confundir com os seus finais, quero ser, preciso ser, preciso ser precisada, por que quero dividir. Cansei de amar demais, cansei de amar sozinha, cansei. Então seja, seja, seja. Ou que seja.

30 outubro 2015

Pra (se) fazer feliz.

- Ele me deixou. Depois de dois anos e milhões de abraços, depois de dizer que me amava e se marcar a fogo no meu peito. Depois de tudo, ele foi embora e eu fiquei. E agora? O que eu faço com as lembranças, com o amor, com as promessas? O que eu faço com a traição?
- Você joga tudo fora. Se livra de tudo. Mas você aprende. E você começa de novo, simples assim.
- Sem ele? Depois de tanto tempo?
- Você vai estar com quem mais importa: você mesma. A gente tem que ser o nosso mais importante caso de amor, sabe? E a gente sempre acaba esquecendo quando ama por muito tempo, mas o que interessa não são os olhos azuis ou o abraço apertado ou o sorriso que aquece o nosso peito. É lindo, e a gente gosta, é claro, mas a gente tem mais é que cuidar do nosso primeiro. A gente tem que aprender a ser feliz sozinho, pra depois poder ser feliz junto. Pra fazer feliz. Por que felicidade tem muito de espaço, de respeito, de amor. E os limites, a gnte aprende com a gente mesmo. E depois, é expandir. É só amar muito, amar demais, amar tanto que chega a rasgar as beiradas. E eu juro, é simples assim.

29 outubro 2015

Noite Adentro


- Eu acho que você devia dormir.
    Ele diz, acariciando sem notar o corpo familiar.
-Mas eu queria escrever...
    Ela reclama, os olhos tão pesados e a mão tão frouxa que as letras no papel já não são reconhecíveis.
- Você está com sono. É raridade. Devia aproveitar e tentar descansar.
- Eu sei, eu sei. - Ela diz, e fecha os olhos por um segundo longo demais. - Mas eu queria terminar essa história.
- Você não pode fazer isso amanhã?
- Inspiração, amor. Amanhã eu não vou lembrar o que eu pensei hoje, Então... - Ela fecha os olhos mais uma vez e deixa escapar um bocejo. A cabeça se acomoda nos ombros do namorado e ele contém uma risada baixa. - Shh, eu tô acordada.
- A pergunta é porquê, né?
- Criatividade, meu bem, é a chefe da minha alma. Se ela chama, eu preciso responder.
- Mas nem dá pra entender a letra a essa altura...
- Reescrever é melhor que tentar lembrar.
     Ela resmunga, mas é quase ininteligível .Ele ri e sacode o corpo, incentivando-a a deixar de usá-lo como travesseiro.
- Anda, larga esse caderno. Aproveite que eu estou me oferecendo pra apagar a luz.
- Você está com sono?
     Ela pergunta, a mão ainda correndo o caderno, palavras e mais palavras preenchendo as folhas.
- Não, mas você está. Faço questão de ser um namorado zeloso, que cuida das suas necessidades.
- Que galante. Eu já vou, promessa.
     E mal diz as palavras, a caneta escorrega e os olhos se fecham. Ele mesmo puxa o caderno e coloca fora de seu alcance,
- Ainda ficou faltando um pedacinho...
- Dormir. Agora. Chega de desculpas.
- Mas... - Os olhos dela se fecham contra a vontade. Ela murmura. - Só dessa vez.
    Ele ri e ela se deixa acomodar, deslizando para se esticar sobre o corpo esguio. Ele ainda precisa levantar para apagar a luz, mas ela parece tão confortável que ele se deixa, por um momento, aproveitar a proximidade e a paz que ela exibe no rosto que ele aprendeu a amar.
    Ele corre os dedos pelos cachos.
- Sua teimosa.
    Ela boceja em resposta. Ele beija o topo da cabeça da namorada e se desvencilha devagar, e o corpo reluta, mas acaba se acomodando na cama vazia.´Ele ainda a observa por segundos que se escorrem por anos, a mão hesitando sobre o interruptor por que ela parece tão linda que não consegue evitar olhá-la um pouco mais.
   E ela é dele. Completa e inegavelmente dele. Por que ela escolheu a ele.
- Apaga a luz e vem logo. A cama é fria sem você.
- Como você faz quando está em casa? Deita e chora? - Ele brinca enquanto se junta a ela no abraço familiar das noites de sono.
   O rosto dela contra o dele é a definição de paz ultimamente.
- A minha cama é pequena. Eu simplesmente fico feliz por que não temos que nos apertar nela.
- Acho que nos apertar apenas nos faria mais confortáveis.
   Ela não responde, apenas pousa os dedos sobre seus lábios e ele sorri, beijando-os delicadamente.
- Sonha comigo?
  E então ela entreabre os olhos, como que para mergulhar no azul e no sorriso sacana pelo qual ela é apaixonada, desde a primeira vez. Ela também sorri em resposta, os dedos agora desenhando um carinho pela pele que ela tanto ama.
- E eu não sonho sempre?
E ele se inclina e a beija, de leve, e os olhos dela se fecham novamente, sabendo que ela o verá de novo em breve. Mas não faria diferença, não de verdade. Eles já não sabem o que é sonho e o que é real, por que todo momento é perfeito e mesmo os gritos vem seguidos de palavras de amor. É sempre um sonho quando eles estão juntos. E isso é que é verdade.

21 outubro 2015

Conta comigo.


- Tá tudo bem? - ele pergunta, olhos buscando por águas mais profundas de mim. Sorrio.
- Tá tudo... normal. Ás vezes eu acordo e penso que ele ainda está aqui, corpo quente ao lado do meu, mas na maioria esmagadora das manhãs, desperto sabendo bem que os lençóis são só pra mim. E isso não dói.
Ele fica em silêncio, me olha meio descrente, um sorriso simpático estampado no rosto. É tudo pena, eu sei. E eu odeio isso.
- Pode se abrir, pequena. Eu sei que dói. Separar sempre dói.
- Aí que tá, sabe? Dói não. Eu tava tão certa de como as coisas tinham que ser, do nosso vai ou racha, que não me doeu em nada rachar. Sofri muito mais enquanto tentava colar nossos pedaços, enquanto tentava descobrir se nós valíamos a pena. Eu estou mais... decepcionada. Eu achei que nós podíamos ser alguma coisa, que estávamos caminhando nessa direção do construir. Mas não estávamos. Nós não éramos nada.
- Sinto muito.
Encolho os ombros, como quem o libera das desculpas. Ele não é culpado, afinal.
- Então você não precisa que eu dê uma surra nele ou coisa assim né?
- É claro que não! - eu rio, e minha mão escapole de mim e estapeia, de leve, o peito do meu melhor amigo.
- Ah, que bom. Por que eu totalmente acho que ele ia acabar comigo. Mas eu faria um esforço, por você, é claro.
- Não é necessário bancar o machão por mim. Onde já se viu? Nem parece que me conhece...
- Eu sei, mas eu senti que devia jogar no ar assim mesmo. Oferecer um apoio e tal.
Reviro meus olhos, achando graça das bobagens dele. Eu me apoio em seu corpo, meio de lado, meio jogada, e respiro fundo, o cheiro familiar tomando por completo meus pulmões. Fecho meus olhos, e minha voz sai pequena, delicada:
- Esse apoio é suficiente, promessa.
Os braços dele se prendem ao redor de mim, conforto e segurança em sua forma mais primal. Meu melhor amigo. Meu porto seguro.
- Obrigada por passar pra ver como eu estava.
- Eu sabia que você estaria bem. Mas não ia perder a oportunidade de passar um tempinho com você.
- Você precisa mesmo arrumar mais tempo na sua agenda pra mim. É ridículo o pouco que eu tenho te visto.
-Mas eu venho quando você precisa!
Eu sorrio, tocada, e meus lábios deixam uma leve impressão sobre seus ombros.
- Obrigada.
- Toda vez que precisar.
- Obrigada.
- Eu sei que você não precisa, não na real, mas eu quero cuidar de você assim mesmo. Você é preciosa demais pra mim, pequena.
- Você é bom demais pra mim.
- Você merece, tampinha. Mesmo que seja só um pouquinho, qualquer tempo que a gente possa estar assim...
Meus olhos se enchem d'água e, sem graça, eu mordo o mesmo ombro que acabo de beijar. Ele pula, palavrões colorindo o ar ao redor de nós.
- Oi, fica calma aí! Sei que você não gosta de dividir, mas não precisa arrancar pedaço. Tem pra todo mundo.
Eu encaro os olhos castanhos de sempre, o sorriso manso, o rosto que é todo amor, sempre foi, desde que acordamos um ao lado do outro depois de beber demais num evento qualquer da faculdade.É minha vez de apertá-lo num abraço, afeição jorrando de todos os cantos de mim.
- Nah, tudo bem. O que a gente tem é suficiente. É certeza.

13 agosto 2015

Dos planos que não fiz


Eu não quero te desenhar pelas minhas folhas, eu quero te deixar apenas onde não posso te controlar. Não quero ser responsável por tuas palavras, teus atos, não quero uma sombra do que você pode ser, guardado nas margem das minhas experiências, dos meus desejos.
Seja. Eu vou deixar. Você é livre pra se expandir pelas paredes de mim, para se guardar no meu peito, se dobrar como quiser, se esconder em todos os cantos que descobrir. E quando eu me enrolar por inteiro ao redor do teu pescoço, braços e língua e toque e eu e e você, será real, será possível. Será falho. E por isso, perfeito.

18 maio 2015

Ego.

Ele não me olha e eu finjo que não o vejo. Dividimos o salão. A música toca. Poderia ser uma dança, mas meu ego me faz tropeçar.
Não sei dançar.
Não me aproximo, mas sinto sua presença em todos os cantos de mim. Nossos olhos nunca se encontram. Vigio seus passos ao redor da sala, controlo seus movimentos e pendulo ao seu redor. Quero me colocar distante. Quero me colocar ao seu lado. A parede me abraça, me põe de pé. Minhas pernas ainda sim bambeiam. Quero rodar entre seus braços. A música para.
Nosso tempo acabou.
Respiro devagar, controlada, meu oxigênio de outros lados que não os seus. Até seu cheiro me enlouquece e eu sei melhor do que me deixar prender nos seus feitiços.
Preciso fugir.
Suas palavras me atingem. Não escuto. Seus olhos não me procuram. Não olho, mas eu sei, eu sinto, eu sangro.
Sinto saudades.
Seu abraço nunca vem, e suas palavras não mais consolam minhas noites. Não tenho pra onde caminhar. Nossa música parou de tocar e eu não sei bem quem somos sem a balada tímida que sai do rádio. Não sei quem somos longe das paradas de ônibus e das promessas sussurradas. A música ruim era nossa história de amor. Você dança sem mim agora. Eu não danço mais. E quando a música toca, não mais te procuro. A pista não nos pertence. Você não me pertence. E eu não pertenço a ninguém. Só a mim.

16 janeiro 2015

Areal.

O meu riso ecoava nas paredes, falso até mesmo pra mim. Já não fazia sentido tentar e sorrir amarelo, já era tarde demais pras pequenas partes de mim. Não havia um único fragmento que restasse inteiro, não havia uma partícula que não houvesse ruído e desistido, deitado ao chão e chorado até ressecar. Eu já não passava de manchas no tecido da vida, lágrimas suadas que correram contra o mundo até que eu evaporasse.
Meus passos já não marcavam o chão. Eu caminhava como um fantasma, deixando apenas sombras, deixando apenas rastros fracos que olhos contra o sol jamais veriam. Eu deixava de existir a olho nu, eu deixava de ser som e sorriso, eu deixava de ser.
Minhas pernas cansadas dobraram contra o chão, meu corpo encolheu-se contra si mesmo, meus pulmões cansados demais de respirar, tentavam parar. Eu já não queria insistir. Deixar de tentar soava doce. Parar de respirar me soava pacífico.
E eu mirei um ponto na areia, pra onde me arrastei, e ali deixei de ser pra sempre. Me juntei ao vendaval e desisti. Virei particula, pra sempre no ar, pra sempre nas memorias, parte da praia. E nada mais.

07 janeiro 2015

Call me, maybe?


E quando separamos os lábios, posso ver o sorriso em seu rosto e o brilho em seus olhos, e é muito arrogante de minha parte pensar que é por causa de mim. Então me excluo. Me divido. Me diminuo. E também sorrio.
- Eu preciso mesmo ir embora.
- Mas eu quero que você fique. Eu quero mais você.
- Não posso! – Eu digo com um sorriso, por que eu bem queria ficar mais um pouco. - Eu tenho compromisso pela manhã, e já são quase três. Eu preciso mesmo ir embora.
- Me dá seu telefone então...
Faço uma careta, e ele entende bem o que vai por trás dela e segura minha mão, procurando com intensidade demais o meu castanho.
- Você acha que eu não vou ligar?
Nem hesito.
- Não, não acho.
- Juro que eu vou!
- Não vai. Você sabe e eu sei também. E provavelmente amanhã quando você estiver em casa sóbrio, cheiroso e fresquinho, não vai nem lembrar meu nome.
- Impossível. Não dá pra esquecer alguém como você.
- Garanto que dá.
Eu digo, sem falso apego a minha auto-estima. Passei demais pelo mesmo ritual pra me deixar acreditar.
- Você está duvidando muito de mim. E de você, aliás.
Encolho os ombros, e ele passa os braços ao redor de mim de novo, os olhos me observando tão de perto que por um segundo acho que ele se importa. Evito uma risada, porque agora sei que realmente preciso ir embora.
- Você é uma delícia, e um fofo, mas não vou te dar meu telefone. – Leio seus lábios formando um “por que” e me adianto - Porque se eu der, vou ficar esperando você ligar, mesmo contra todo o meu bom senso. E eu não preciso lidar com a decepção, hein?
- Cala a boca. – Ele ordena, mas ele mesmo me cala com um beijo que dura demais, eras demais, mas tempo de menos. Quero mais no segundo que ele se afasta. – Eu quero te ver de novo. Eu preciso me comunicar com você pra isso. Me dá seu celular.
- Me dá o seu.
- Você vai me ligar?
Ele pergunta, e o tom é tão descrente que quase fico ofendida (mas eu jamais ligaria, com minha timidez e tudo, então não posso realmente fazê-lo).
- Não, eu queria o aparelho. Ia te adicionar no face.
Ele retira, relutantemente, uma das mãos da minha cintura e saca o celular do bolso. Me entrega, mas posso ver que ainda não está satisfeito. Posso ver que ele é teimoso e quer as coisas do seu jeito.
De repente, sinto-me espelhada em nosso abraço.
- Pode me adicionar, mas eu ainda quero o telefone. Eu quase não entro naquele troço. E eu quero ouvir você e lembrar de agora. Lembrar da noite toda.
Minha boca se abre e se fecha e sou incapaz de formar qualquer palavra, por que ele me deixou completamente sem graça. Sinto um sorriso se formando em meus lábios e um calorzinho confortável subindo espinha acima e já sei que ele vai ser um problema. O filho da mãe é adorável demais pra eu não desejar que ele me procure.
Fecho meus olhos desiludida, e ele me beija de novo, sem permissão. Não consigo negá-lo.
- Preciso ir embora.
- Não vou soltar você até colocar o seu número nesse celular.
É tudo o que ele diz, e parece sério.
Suspiro (fiz muito disso esta noite).
Desisto.
Digito rápido os números que sei de cabeça, nome e sobrenome, contatos que sei que ele não vai usar, mas que vou esperar que use assim mesmo. As vezes, me odeio por ser previsível.
- Posso ir agora?
Tento fazer ar de ofendida. Soo divertida. Posso sentir o sorriso me escapando. Quero beijá-lo de novo. Estar tão perto não me deixa querer ir embora, não me deixa pensar direito.
- Não.
Ele diz, e o sorriso guarda tal vitória que sinto um arrepio. Quero mais dele. Do sorriso, dos lábios, das piadas e das mãos delicadamente entrelaçadas em minhas costas mesmo nas músicas que não pedem. Quero mais de todos os segundos que passei com ele.
Mas preciso ir embora.
- Você é uma droga de um convencido.
Eu digo, por que eu sei que ele só é tão confiante por que sabe bem o sorriso que exibe pra mim, sabe bem que minhas mãos não querem deixar o cabelo escuro que parece ganhar vida entre meus dedos, que meu castanho se enrolou no dele de tal forma que acho difícil não encarar seus olhos.
Ele ri, e o som é forte e adorável, e eu me esforço pra não rir também, por que eu deveria estar irritada. Mais ou menos.
- “Esse é apenas o meu mais alto nível de falta de confiança”. – E ele está citando Transformers e eu penso que existe uma boa chance desse cara ser o homem da minha vida. É uma pena que eu o tenha encontrado numa boate e nunca mais vá vê-lo. - Eu preciso te ver de novo, então, preciso fazer acontecer. O telefone é o só o começo. Me parece que te convencer a sair comigo vai ser ainda mais difícil, mas eu também sou teimoso. Não vou desistir.
Sacudo a cabeça, achando graça.
- Não faça promessas que você não pode cumprir.
- “Mas essas são as melhores”!
Ele agora está citando o ultimo homem-aranha e eu queria tanto que ele ligasse. Preciso ir embora, mas posso sentir minhas entranhas dançando uma jiga escocesa de felicidade.
O beijo mais uma vez, incapaz de resistir. Sinto suas mãos deixando minha cintura, segurando meu rosto e finalmente desfazendo meus cachos, e aproveito para me distanciar, deixando um ultimo beijo sobre os lábios que sinto sorrir.
- Só me liga, e depois a gente vê. E pare de citar filmes de herói pra mim.
Ele ri, parecendo satisfeitíssimo que eu tenha reparado.
- Agora não existe nenhuma chance deu não te ligar.
Espero que seja verdade, mas sacudo a cabeça, como quem não acredita. Fico na esperança que ele não tenha reparado que está me conquistando a cada palavra e sorriso. Não posso me dar ao luxo de contrair uma paixonite numa boate – mesmo que por um cara que cita transformers e o spidey.
Tento sair, mas ele está segurando a minha mão, os olhos ainda tão marotos que me preocupo com a possibilidade de acabar sem dormir nada, virando a noite nessa boate jogando conversa fora com ele.
- Eu preciso ir, é sério.
- Não?
Ele diz, mas o pedido é fraco e o tom de pergunta me deixa livre para sorrir e confirmar minha saída. Atrevo-me a me inclinar para um ultimo selinho. Seu sorriso me parece ainda maior quando finalmente me afasto.
- Só faça a ligação. Eu juro que não vou estar esperando.
E, enquanto ele ainda dá sua risada, eu finalmente o deixo pra trás, meu coração se retorcendo num pedido mudo a seja lá quem for que comanda o cosmos que, por favor, por favorzinho, meu homem aranha mantenha suas promessas impossíveis e só me ligue, de repente.

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