30 novembro 2015

Madrugada.


Ele se remexe na cama, desconfortável, procurando o corpo quente da namorada para se aninhar, mas só encontra lençóis vazios e gelados. Os olhos correm o quarto e ele encontra o corpo pequeno dobrado na ponta da cama, braços em volta dos joelhos, mãos sobre o rosto que ele está tão acostumado a ver sorrir. A visão o perturba.
"Amor...", ele chama, mas ela não se vira. Ao contrário, ela aperta mais o abraço em volta de si mesma, como quem se segura pra não partir. 
"Não é nada", ela mente, mas a voz é pequena. Ela suspira fundo antes de tentar novamente, e dói nele que ela esteja tentando não o preocupar. "Você pode voltar a dormir".
"Até parece", ele responde simplesmente, e a risada dela em resposta é seca, sofrida.
Ele se aproxima, seu corpo tocando o dela com cuidado, tentando ser de qualquer conforto. Ele está um pouco perdido, não adianta mentir, porque é sempre ela a fortaleza, e ele nunca teve oportunidade pra retribuir o favor. Ela simplesmente nunca cede, nunca se despedaça, nunca se desespera. É assustador pra ele, a ideia de qualquer coisa que possa desesperá-la tanto a ponto de deixá-la acordada no meio da noite, em silêncio, olhos arregalados. 
Suas mãos dançam por suas costas numa carícia sem ritmo, tentando acalmá-la.
"Quer conversar?"
Ela nega com a cabeça, e ele não sabe dizer se ela está chorando ou não. Ele quer abraça-la, pegá-la no colo, ter certeza de que ela ficará bem. Mas ela não se move, não se deixa sair da bolha nervosa em que se enfiou, e ele não sabe o que fazer para ajudar.
"Vamos voltar pra cama, então. Recuperar as energias".
"Não consigo", ela admite e sua respiração sai entrecortada. "É muito, é problema demais. Eu não aguento mais".
O coração dele afunda com a dor na voz dela. Ele sabe bem que ela está sob pressão, que o trabalho dela tem tomado noites de sono demais, que a família está fazendo cobranças sobre o casamento, que o fato do emprego dele o manter longe de casa meses por vez a tem feito subir pelas paredes. E não há muito o que ele possa fazer além de estar presente, agora, então ele finalmente a puxa para seu colo, suas mãos tomando-a seguramente entre seus braços. Ele a abraça apertado, deposita um beijo em seu ombro, em suas bochechas, em qualquer faixa de pele que ele possa alcançar. 
Ele a ama tanto, tanto.
"Descansa, amor. Não adianta se preocupar com isso a essa hora. Eu tenho plena confiança que, chegando amanhã, você pode lidar com o que quer que seja. Você é inteligente, é ótima. Vamos devagar, passo a passo, e amanhã não vai ser esse bicho de sete cabeças. E eu vou estar com você, certo?"
Seus olhos estão fechados e ele deixa que ela se apoie nele completamente, o corpo pesando sobre o dele. Apesar das fungadas e dos olhos vermelhos, ela não deixou correr uma lágrima, e ele não sabe o que pensar disso. Ela é teimosa demais pra se deixar desmanchar.
"Me promete que você não vai me deixar sozinha?"
A voz é baixa, mas a intensidade está lá, e ele quase não acredita que ela sequer precisa perguntar. Mas ele responde, lábios buscando os dela, corpos reclinando-se novamente na cama, tentando encontrar alguma paz praquela noite sem estrelas.
"Nunca".

16 novembro 2015

Super-Homem


    Ela sabe bem que o namorado chegou quando escuta os passos pesados pelo corredor, o som inconfundível do caminhar que ela reconheceria em qualquer lugar. O mesmo nervoso bobo de toda vez cria casa no fundo do seu estomago, e ela segura um sorriso de saudade quando a voz dele chega aos seus ouvidos, por que o que as palavras não são bem o que ela queria escutar depois de uma semana de separação.
"Você está inteira?", a pergunta é audível antes mesmo que ele entre no aposento, a voz esbaforida e preocupada. "Eu corri pra cá assim que eu soube".
"Não era nem pra você ter vindo. Eu estou ótima, como eu continuo repetindo e repetindo pra todos esses médicos".
   A enfermeira no canto do quarto dá um risinho, e ela solta um suspiro cansado. Os olhos dele analisam a namorada, meticulosos.
"Eles se recusam a acreditar em mim".
"Em defesa deles, você caiu do quinto andar. Você pode muito bem ter quebrado alguma coisa. Você sabe, aí por dentro".
   E ele sinaliza, sem jeito, o corpo esbelto jogado displicente sobre as cobertas.  Ela revira os olhos.
"Eu mal deslizei algumas escadas. Eu juro que estou bem".
"Mas não faz mal fazer alguns exames pra conferir".
"Olha bem pra mim, eu estou ótima. Um gessinho nesse pé e eu já posso ir pra casa".
"Um gessinho..." ele repete, indignado. "Você não vai sair desse hospital enquanto não for liberada pelo seu médico, que eu faço questão de conhecer, aliás".
"Você é dramático demais", ela resmunga, e ele se senta na beira da cama, os olhos castanhos ainda procurando algum machucado mais sério. No entanto, fora alguns roxos bem localizados, ela parece inteira.
"Eu tô cuidando de você, bobinha".
"E por mais fofo que seja, não tem necessidade. Você devia estar trabalhando, não aqui babando em mim. Você tem funcionários pra cuidar".
"Mas você está no hospital e eu prefiro estar aqui pra garantir que você está inteira do que numa estação de rádio a três cidades daqui".
"Eu tropecei, não foi nada demais".
"Não foi exatamente o que sua colega de apartamento me disse. Pelo ligação dela, aliás, eu achei que ia te encontrar no cti ou sei lá. Eu fiquei roxo de preocupação. Voei de volta pra cidade".
"O coração dela está no lugar, eu juro, mas ela tem uma veia dramática muito forte. Você vai se acostumar a ignorar".
"Por que você nem rolou vários lances de escada, bateu a cabeça e desmaiou, não é mesmo?"
Ela encolhe os ombros, displicente.
"Bem, isso aconteceu, mas foram só alguns degraus e eu caí de mal jeito. Torci meu pé, mas não é nada que não tenha acontecido em terreno plano antes".
Ele sorri e se inclina, depositando um beijo rápido sobre os lábios dela. Ela se deixa escorar pelo corpo dele, o cheiro familiar acalmando seus nervos sacudidos pela estadia já de horas no quarto branco. A verdade é que ela odeia hospitais.
"Fico feliz que você esteja se sentindo bem, de verdade, mas eu prefiro ficar até seu médico voltar e te liberar. Eu já vim até aqui mesmo, não é como se eu fosse embora".
"É um exagero, mas você é livre pra fazer o que quiser. Não é como se eu quisesse que você fosse embora pro outro lado do mundo de novo".
"Não é tão longe, vai. Algumas horinhas de estrada, no máximo".
"É longe demais pra mim. Eu não te vi a semana toda".
"Mas eu tô aqui agora, vai?"
"É, por que eu caí da escada e torci meu pé. E tive uma leeeeve concussão".
Ele vira pra ela com os olhos arregalados.
"Então na verdade você está em observação?"
"Só pra garantir que eu não vou dormir? Esse soro é só pro analgésico fazer efeito mais rápido, eu juro".
  Ele sacode a cabeça, contrariado, e deposita um beijo na testa da namorada.
"E você não queria que eu estivesse aqui..."
"Não, não, eu sempre quero que você esteja por perto. Só disse que não tinha necessidade de você atravessar o Rio de Janeiro correndo de carro pra me ver, por que não foi tão sério. Meu pai ia me buscar quando o médico me liberasse. Eu tinha tudo sob controle".
"Eh, não, eu não tô convencido. Vou ficar. Até o final de semana, garantir que você não vai rolar escada abaixo por causa do pé de novo".
"Oh, Deus, que namorado mais zeloso".
"Sim, exatamente,esse sou eu", ele brinca, fazendo pose heróica na ponta da cama.
Ela gargalha.
"Ok, super-homem. Eu aceito sua gentileza".
"Você não tinha mesmo outra opção. Sou seu herói particular".
E quando ele a beija, ela não pode mesmo evitar se sentir um pouco mais segura.

13 novembro 2015

Necessidades.


A verdade é que eu preciso de alguém que tenha vontades incessantes de mim, alguém com um desejo tão incontrolável que acorde no meio da noite necessitando da minha voz, do meu toque, do meu corpo no lado oposto da cama, que seja. Eu preciso de mais, uma sede por contato, por abraço, pele, olhar e saudade, eu quero saudade constante, eu quero que afogue nos meus olhos e que suspire pelo meu sorriso. Sou demais, intensa demais pra meio desejo, medo ou incertezas. Quero reciprocidade, quero interminável fome dos meus braços em volta da sua cintura, quero desejo gritado de respirar comigo o oxigênio, eu e você, sem segredos, só suspiros, só vontades, só lábios sobre a pele e risos atrás de curvas. Quero que não haja barreiras, quero ser casal que transborda, quero me misturar pelas suas linhas, me confundir com os seus finais, quero ser, preciso ser, preciso ser precisada, por que quero dividir. Cansei de amar demais, cansei de amar sozinha, cansei. Então seja, seja, seja. Ou que seja.

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