29 março 2012

Quando você se entristece.


Os olhos se encheram d'água, mas lágrima alguma rolou. A cabeça cansada procurou repouso entre os próprios braços, corpo contra a parede, nenhum alento. E ela não tinha um colo, um ombro, um ninguém que fosse pra se apoiar. A música tocava em algum lugar, alguma esquina ao lado, alguma caixa de música, algum fone de ouvido ou algum coração partido que cantava a plenos pulmões. O importante é que escutava. E o pedido, a súplica, era acatável, era desejável, era querido pros ouvidos fracos e pedintes, ela queria mesmo alguém que a seguisse, a acompanhasse pra esses becos escuros de solidão onde ela vivia. Já não era pobre criança, mas se sentia tão pequena, tão sozinha, que só em papel e canção tinha mesmo algum alento. Das sombras já não saia ninguém e lugar algum era casa quando as lágrimas finalmente começavam a cair. Não existia no mundo um lugar onde braços a envolviam. Não existia ninguém que pudesse dar a ela uma estrela pela qual continuar. E era o escuro, era o inferno e era tudo dor, tudo dor, tudo dor. E se encolhia e rezava e pedia, implorava, cantando por sobre a respiração curta, falhada, doída, cantava as mais bonitas letras de esperança pra solidão que ela sentia. A solidão que era a única que lhe acompanhava. Por que, veja bem, a esperança, ao contrário do que dizem, é sempre a primeira a partir.
E ela bem que queria fugir. Mas tinha tanto medo que paralisava, congelava, e queria correr mas não podia, e não tinha mesmo pra onde ir quando o peito apertava. Mas queria partir, queria sumir, queria ter pra onde escapar quando o céu ficava assim desse azul escuro sem estrelas, opressor, assustador. E era uma solidão que não tinha nome presa numa risada que não tinha som e o medo que ficasse ali pra sempre arrancava-lhe até o ar. Mas ela queria fugir, e fugiria, algum dia, quando de novo tivesse que visitar as terras intranquilas do mundo paralelo que surge só quando você se entristece. E ela sabia que um dia, quando ela levasse consigo alguma coragem, as sombras lhe estenderiam as mãos e ela finalmente correria, sem olhar pra trás, pés descalços, talvez rindo alguma risada maníaca, liberta, enlouquecida, por que felicidade quando vem traz dessas manias. E ela descobriria então que medo do escuro não é mesmo racional. Basta acender a luz. E liberdade quando corre na veia brilha mais que sol de meia noite. É mesmo muita luz.

Pauta escrita para o Bloínquês - 111ª edição visual.

23 março 2012

Um corpo só.

Acho que esse corpo não foi feito pra ser circundado. Braço nenhum se molda a minha cintura, abraço nenhum me contém. Não existe quem se encaixe nessa peça que sou eu. Peça sem par. Sou peça única. Sou é só.

19 março 2012

Vilão.

Herói. Eles o chamavam assim antes, boca e peito cheios de orgulho, como se eles lhes pertencesse de algum modo. Não era verdade. Não era de ninguém além de si mesmo, e não seguia nenhum outro impulso que não o próprio. Voava pelos céus e salvava vidas não por que era o correto, mas porque sentia certo desse jeito. E  não se importava com o que era esperado dele, fazia por sabia que podia fazer. Por que queria fazer. Por que se importava.
Ele era (e sempre fora) de sí próprio, tudo o que podia fazer pertencia a sí mesmo, e ele não tinha dividas para com um mundo que teria cuspido nele, como fazia com tantos outros, se assim pudesse. Se ele não pudesse alçar voo e levantar os pés da terra, olhar de cima pra quem devora os outros, tantos outros, com os quais ele crescera e vivera e aprendera a amar e a odiar e a ignorar, de vez em quando. Ele sabia bem o destino que tinham, o que reservavam pra eles, e pra ele mesmo, se pudessem lhe dar. Que provavelmente dariam, quando estivesse distraído, procurando alguém na multidão de rostos que viviam sem voar. Ele sabia bem que a queda era certa, e sentia a revolta arder por baixo do sorriso padrão, por causa da ingratidão que, certamente, hora ou outra, viria a seu encontro.
Mas seu peito sempre foi seu maior guia e ele nunca foi de se deixar levar. Nunca foi de se deixar enganar. Ele se preparou. E enquanto as vontades coincidiram apenas rosas voaram ao seu encontro, atiradas no céu azul pelo qual ele voava sem medos. Mas então havia nuvens, havia medo e incerteza e um problema grande demais, duvidas demais e ele não queria ser nada mais que um homem comum, garoto novo, caminhando na vida querendo pouco mais que um amor pra lembrar pra sempre e conquistar um sonho. É que ele já estava farto, morto, exausto de ser o sonho. Não queria mais voar sem os braços de alguém ao redor de sí ou de correr como o vento pra ajudar fosse quem fosse, salvando apenas uma parcela de um mundo que se partia, por mais que ele tentasse colar. E ele não queria ser herói, não queria ser personagem de história, não queria ser ninguém se não pudesse fazer a diferença. E, como quem caminha em areia movediça, ele sentiu as forças serem sugadas, os esforços frustrados, a vida drenada. Não valia a pena o esforço. Ninguém queria mesmo salvar, apenas ser salvo. E ele não seria mais o palhaço que insistia. Ele não seria aquele em quem atirariam as pedras quando tudo falhasse.
E assim, aposentou a capa, amarrou bem firme os sapatos, e passou a viver com os pés no chão. Amenizou a dor, mas, desde então, foi chamado de vilão.

12 março 2012

Querida Sofi,


 Hoje estive de novo em sua porta e nunca antes amarelo me pareceu tão convidativo. A força de Hércules me foi necessária para não tocar a madeira, não deixar ecoar meu chamado pelos nós dos dedos. Eu queria tanto te ver. Mas eu prometi te deixar em paz, não mais encher nossas vidas com esse monte dos meus sentimentos não correspondidos, pelo bem de mim, pelo bem de nós. Então parti, pé ante pé, nos poucos metros mais difíceis que já andei. Era o fim de nós mais uma vez, em mim dessa vez.
  E assim dei as costas ao seu amarelo, ao som da sua gargalhada, às suas margaridas sob a janela. Dei as costas à você e ao amor singelo que você me deu, tão frágil que quebrou ao menor dos tremores. E eu simplesmente decidi dar as costas, por que doía demais encarar.
  É que eu decidi desistir de nós, meu bem. Já deu demais desse amor só de um, dessa coisa não correspondida que destroça. Não aguento mais esse seu sorrido fingido, de quem não quer ferir, mas fere assim mesmo. E o que mais me dói não é o não-amor, ah, isso eu posso aceitar, mas a falta de consideração para com o meu coração que você exibe... Devia saber que dói muito mais quando é assim, que machuca muito mais quando eu sei que você só ficou por que não quer machucar. Não quero tua pena não, Sofi. Eu quero amor.
  Então aqui estou, me despedindo, que é pra cortar e doer de uma só vez e eu me curar, pra amar de novo, tentar de novo, viver de novo. Eu e você não deu. Bem que eu queria, mas não deu. E eu sei que você vai achar que isso é fugir, ignorar, e que não vai resolver nada, mas é o jeito, Sofi, é só o que dá pra fazer. Você me conhece bem, sabe que eu não sei fingir, que eu não sei viver de meia verdade. E eu nunca gostei de meio-tom. É tudo ou nada, e nada a gente deixa pra trás.
  Mas não te escrevo pra falar de portas, girassóis, meios-tons ou mentiras. Te escrevo pra dizer adeus, pra matar minhas saudades e minha hesitação. Mas ai, Sofi, que tristeza me dá desistir da gente. De você, que acreditava tanto em insistir, em tentar de novo, em fechar os punhos e encarar de frente. E eu aprendi tanto com você, Sofi. Aprendi a resistir a todas aquelas noites chuvosas, a construir abrigo entre teus braços, a me aquecer no teu calor. Mas a chuva virou tempestade em mim, soprando pra longe tudo o que a gente tinha, deixando só o que eu não sabia que guardava. E nosso amor voou, carregado pra nunca mais, e a casa já não tem mais teto. E as portas que pintamos de amarelo já não significam nada, por que tudo dentro está enxaguado, ensopado, destruído. E até as fotos do porta-retrato se apagaram, e não temos mais memória do que foi bom e agora que eu a descobri, sua pena não me deixa dormir. E não adianta, você já não me aquece. E eu descobri que já passou da hora de aprender a fazer minha casa de parede sólida e teto firme. Vou construir uma lareira na sala e me aquecer sozinho por um tempo.
  Então é adeus, Sofi, e obrigado pelas flores. Quando bate o sol na sala, é quase como se você estivesse lá e entre nós ainda fosse amor. Como se ainda fosse puro. E esses momentos são quase conforto pro meu coração doente. Mas tô sarando. Vou sarar. Não se preocupa, não se incomoda e não tem pena de mim. Amor acaba mesmo. Começar de novo faz parte. Mas não estranha se eu manter o jardim e as tintas das portas. Aqueles girassóis me fazem mesmo feliz (amarelo sempre foi a minha cor).
  Com amor, 
Fernand.   


  

Um pouco mais de Max.



Com ele não era tanto sobre amor, embora eu o amasse. Ah, como eu o amava. Mas com ele foi, desde o começo, sobre o beijo, sobre as línguas e sobre as mãos. Foi sobre o toque e o calor e a pressa que irradiava de mim como um vírus, me fazendo arrancar suas roupas e sentir na minha alma, mesmo que tudo o que tivéssemos então estivesse ali, sobre a cama. Com Max tudo sempre foi sobre o nome, sobre o carinho e sobre o acaso, o esbarrão e o amigo em comum que o fez sorrir pra mim naquele auditório pequeno com um artista desconhecido fazendo seu show. Com ele sempre foi sobre paixão e música e pela vida e pela carícia no meu pescoço e o jeito como as bocas se encaixavam. Com ele sempre foi sobre o entrelace de nós dois e o abraço do corpo, que só me fizeram perceber bem depois que eu o amava. Foi sobre repetição. Foi uma epifania. Foi um contato, um sonho e uma espera. Eu sabia que ele ia chegar. E ele chegou. E foi tudo por nós dois. E então, desde então, tudo tem sido Max.

06 março 2012

Fugitiva.

Ela corre e não quer parar, ela corre e foge e se esconde, e procura aquele que vai fazê-la querer ficar ou que vai acompanhar, passos rápidos, nunca mais deixar pra trás. E ela é imperfeição e as lágrimas vão escorrendo enquanto o vento bate e ela não se importa por que ninguém se importa e chorar faz parte. A vida dói mesmo.

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