27 abril 2013

Teto Branco.


- A gente não devia estar fazendo isso. Não hoje, de todos os dias possíveis.
   Ele diz, mas a camisa já está largada em algum canto escuro do meu quarto, e suas mãos estão tocando a pele debaixo da minha camiseta. Não tenho certeza de quando dei permissão para que o fizesse.
- Você é livre pra parar, se quiser. Não é como se eu estivesse obrigando você a qualquer coisa.
- Bem, não foi o que pareceu quando você apareceu na boate.
- Eu não fui até lá pra...
   Ele me olha com aquele sorriso canalha que eu adoro, e eu me sinto arrepiar, completamente sem palavras. Meus olhos se fecham por um segundo, e eu rezo para que ele simplesmente vá embora, que me deixe sem seus braços, sem seu corpo. Sem nossos pecados. Seus lábios no meu pescoço roubam o rumo dos meus pensamentos, no entanto, e eu volto a encará-lo.
- Isso é errado. Você sabe que é.
- Eu sei. - Ele diz, mas os lábios ainda estão sobre minha pele, e eu ainda estou arrepiada. É o inferno, tenho certeza, por que é completamente quente, e absurdamente errado. - Mas eu não consigo ficar longe de você. Eu tentei, juro que tentei...
   Ele para então, e eu tento protestar por um segundo, mas ele não me faz juízo e antes que eu perceba caímos na cama, minha cabeça tão anuviada que perco a razão. Mas eu sei que preciso fazê-lo parar. Eu não quero ser sua segunda escolha. 
Eu não quero ser segunda opção de ninguém.
- Por que você volta toda vez? Hoje é aniversário dela, droga. Você não devia estar aqui, comigo. Você não quer isso, de verdade.
- Eu quero você. Eu sempre quero você.
- Mas eu não quero. Não assim.
- Eu sei. - Ele diz, a voz tão próxima que me torno surda para qualquer outro som que não ele. Seus lábios estão sobre os meus, nossa respiração se intercalando de tal forma que eu não sei quem respira o quê. - Mas eu ainda quero você. Ficar perto, te abraçar apertado, te beijar de repente e fazer você rir. Fazer você se esconder de vergonha entre os lençóis.
- Então tem que ser de verdade. Eu não quero ser a ponta solta da relação de vocês.
- Você não é.
- Não é o que eu sinto.
   Eu digo, e ele parece esfriar de repente, caindo pesado no colchão macio ao meu lado. Encaramos o teto branco pelo que parecem eras. Seus dedos desenham padrões aleatórios na minha barriga exposta pela camiseta que eu nem reparei que tirara. Tenho a sensação de que já estivemos nessa posição antes. Vezes demais, até.
   Sinto frio.
- Eu sei que não é justo. Eu sei que eu peço demais de você toda vez que eu venho até aqui. - Ele se senta ao meu lado então, o corpo dobrado sobre o meu para me olhar nos olhos. Sinto-me ridiculamente protegida sob o arco dos seus braços. - Mas você é a única que consegue acalmar meu peito, que põe ordem nos meus pensamentos. Eu só sou eu mesmo com você. E você me aceita desse jeito.
- Você diz isso porque eu ainda fico com você, mesmo sabendo que não sou a única. Porque eu sou a idiota que se deixou colocar na posição de outra.
- Não é assim. Você sabe que não é, porque eu e ela não somos mais... nós não... 
- Vocês não são mais "namorado e namorada", pelo menos não oficialmente. Eu sei. Mas é quase como se fossem. Há quanto tempo vocês estão juntos? Há quanto tempo estão nesse reata e termina?
- Não importa. Não é a mesma coisa que já foi, não é...
- Claro que importa, ou vocês não estariam mais juntos.
- Eu já disse, Lu, nós não...
- Ela pelo menos sabe que você fica com outras pessoas? Comigo?
- A Luana sabe que eu encontrei alguém depois que a gente se separou.
- Ela sabe que você ainda vê esse alguém? - Ele fica em silêncio, e é resposta o suficiente. - Não fica dizendo esse monte de bobagens românticas só por que você sabe que eu gosto, Dé. Não fica dizendo essas coisas da boca pra fora, por que me machuca muito mais.
- Não é da boca pra fora. Eu digo por que eu amo você.
    E, apesar da seriedade do seu tom, do seu rosto e da sua postura, eu sei que é mentira. Tem que ser, ou ele já teria se livrado da outra, aquela que me importuna os pensamentos quando estamos juntos. Mas não consigo evitar. Seus olhos verdes estão bem dentro dos meus e sua expressão é tão serena que não posso fazer nada além de ceder. Eu sei que vou me odiar pela manhã, que nós vamos brigar e ele vai jurar pelos céus e terras que a outra vai virar história, que ele vai ser todo meu e que seremos só nós dois pelo resto dos segundos do tempo. Mas eu sei melhor do que acreditar.
   Mas eu não ligo, não agora quando ele está tão perto que posso sentir as pontas dos seus dedos desenhando círculos em meu rosto. Oras, se já estou no inferno, não me custa nada abraçar este demônio de tão terríveis olhos verdes. Enrolo meus braços ao seu redor, fazendo com que seu corpo tombe sobre o meu, e posso ver o sorriso que toma seu rosto tão de perto que a imagem se fixa dentro das minhas retinas.
    Eu sorrio também. É fraco e eu sei que ele repara, e eu vejo a sombra da frustração perpassar seu sorriso. Mas suas mãos ainda acariciam meu rosto, tirando as mechas do meu cabelo que resolveram ficar por ali. Ele se aproxima ainda mais e seu cheiro invade meus pulmões, e é como estar em casa, mesmo que a casa não seja minha. Ele não é cheira a nada além de paraíso, assim tão de perto.
- Não fica assim. Eu tô aqui.
- Eu sei. É só que... - Eu suspiro, e ele roça o nariz no meu rosto, e minha determinação escorre pra longe de mim. - Jura que não me deixa?
- Juro que não te deixo.
E quando ele me beija, eu não me importo com mais nada. Quando ele me beija, eu acredito.

14 abril 2013

É preciso aprender


- Tô querendo você.
Ele diz, voz sensual, e eu não consigo evitar dar uma risada. Não parece real.
- Acho que você vai ter que trabalhar seus desejos. Esse não vai ter jeito.
- Ah, não faz assim, Luana.
Ele pede, tão manso quanto um gatinho. Ele pega minha mão, e os malditos olhos verdes estão tão brilhantes esta noite que eu poderia ceder, se ele me pressionasse. Decido-me então por mandá-lo embora. Não posso tê-lo. Não posso querê-lo. Não posso beijá-lo.
Com um puxão, me afasto. Ele me olha, como que desafiado.
Minha espinha gela.
- Não adianta fugir de mim, você sabe? Eu não vou desistir. Eu não vou te deixar. Eu não vou deixar meus braços longe de você.
E ao final ele está sussurrando, o corpo colado no meu e os braços, de fato, ao redor da minha cintura. É o paraíso, mas preciso resistir.Tento fazer cara feia, apesar de já saber que ele vai tomar como charme. Ele sempre o faz. Ele finge não entender quando digo não.
- Você precisa aprender a ler os sinais, André. Eu estou dizendo não, estou de braços cruzados, estou te mandando embora. Pra quê insistir?
- Por que eu sei que é cena. Que você me ama. Que, mesmo agora, tudo o que você quer é um beijo. E é por isso que não consegue tirar os olhos dos meus lábios.
- Eu acho que isso tem mais a ver com o fato deu não conseguir enxergar além deles. Você é alto. Eu já disse isso antes.
Ele bufa, e o ar quente faz cócegas no meu pescoço. Me encolho, como que por reflexo, e ele chega ainda mais perto. É um martírio.
- Essa é sua desculpa? "Você é alto pra mim"?
- Não. Minha razão, e você sabe muito bem disso, é por que você não presta. Por que você acha que é só estalar os dedos que eu vou estar aos seus pés, na palma da sua mão, com o coração entregue, prontinha pra ser feita de boba mais uma vez. E eu não quero, droga, e eu não vou. - Ele tenta responder, mas eu não deixo. Minha cabeça se esconde em seu pescoço e, por um segundo, parecem os velhos tempos, quando ainda era cumplicidade e confiança. Antes que eu ficasse irremediavelmente apaixonada e me deixasse ser feita de tola.- Eu não nasci pra isso.
Meu sussurro parece quebrá-lo. Posso senti-lo tremer sobre minhas mãos que, de alguma forma, foram parar sobre seu peito. Me odeio por tocá-lo. Me odeio por saber que não vou ser capaz de resistir de novo. É que eu o amo tanto que faz mal pra mim.
- Não faz assim. Você sabe que eu não sou assim. Droga, eu sou louco por você.
- Não faz diferença se você não se comporta como se fosse. Você precisa me respeitar antes de me amar.
- E isso é tudo? É o fim da gente até que eu me comporte como você quer?
Suas palavras me acordam, e eu me esforço pra me afastar. Dura uma era e é difícil deixar seus olhos, mas consigo ser firme. Coloco três passos entre nós e me forço a encará-lo de frente. No entanto, meus olhos não passam de seu peito, onde, de alguma forma, minhas unhas fizeram marcas sobre seu coração. Sorrio.
- É o fim da gente até que você se comporte como um homem.
Minhas palavras parecem machucá-lo. Gosto disso. Mas só um pouco.
Ele guarda silêncio por um momento.
- Então eu aprendo a ser o homem pra você.Você vai esperar? Vai me dar a chance?
Meses antes, as palavras teriam sido o mundo inteiro. Agora, eram uma esperança fraca e quase vã. Eu já não acreditava nele, não depois que tantas lágrimas lavaram meus olhos. Eu via melhor agora.
- Eu não posso prometer. Você sabe que eu não posso.
- Se você encontrar outra pessoa...
Deveria soar como uma ameaça, mas é apenas uma súplica. Posso até sentir o desespero correndo por trás das palavras. Ele me quer. Do seu jeito torto e inconsequente, ele me ama, tenho certeza. Mas não importa. Só eu importo.
- Então você vai saber que seu tempo acabou e a gente morreu. Vai ser o fim de nós dois e vai ser adeus.
E meu peito dói sabendo que, nesse dia, não haverá mais volta.

10 abril 2013

Tentação


Ele me abraça apertado, e estar entre seus braços é como a paz que já faz muito eu não sinto. Respiro pesado, respiro devagar, respiro do fundo de mim que é pra ver se ele é real, se está mesmo ali, se é de verdade que esteja tão próximo que posso tocá-lo. Sinto suas mãos em meus cabelos e contenho um suspirar.
- Você está melhor agora?
Ele pergunta, e a voz é um sussurro, um cuidado, um detalhe na nossa história de amor que nunca foi.
- Não.
Ele quase ri, posso dizer pelo seu respirar.
- Você quer que eu fique mais um pouco?
- Eu quero que você fique para sempre.
Reclamo e ele ri baixinho, o som ecoando pelo seu peito onde eu me escoro. Ele enrola uma mecha de meu cabelo entre os dedos.
- Eu vou ter que partir, eventualmente.
- Mas agora?
- Não agora. Por agora eu vou ficar com você. Vou cuidar de você.
- Mas quando você partir...
- Você vai aguentar firme e engolir o choro. É disso que você é feita. - Deixo escapar um muxoxo, e ele levanta meu rosto para que eu possa encará-lo. Quando ele fala então, a voz é séria e eu quase acredito. - Você é forte, princesa. É forte feito o aço. Você não pode ficar quebrando por causa da solidão. Tem que lembrar como é se bastar, quando eu não estiver aqui.
- Mas você vai voltar?
Ele fica em silêncio, ele fica estático, e por um segundo o medo do escuro corrói meu peito. Expulsamos o ar juntos e, por outro momento inteiro, é como navegar.
- Você sabe que eu sempre volto pra você.
- Pra gente.
Eu digo, mas me sinto débil por me agarrar com tanta força àquela pequena esperança. Posso sentir sua reprimenda no ar nosso redor.
- Mas eu quero mais pra você do que isso. Eu quero mais que sua esperança tola. E se um dia eu me for pra sempre? E se um dia eu não estiver mais aqui? Eu quero que você se mantenha de pé sem mim, princesa. Eu quero que você seja sua própria esperança.
- Mas é tão difícil. - Deixo escapar. - É tão difícil querer qualquer coisa quando você não está.
- Comece tentando. - Ele diz, e a voz é dura e os olhos são frios, metódicos, assustadores. E então ele sorri e meu mundo derrete um pouco. - Tenta por mim.
- Não. - Eu respondo, e ele cerra os olhos, como quem não entende. Minha voz não é nada além de um sussurro quando completo - Tento por mim. Por mim sem você.
E aí ele me beija, e eu rezo, baixinho, para que ele nunca vá embora.

03 abril 2013

Não se assuste, não.

Tenho esperado que você me alcance. Que dedilhe meus sentimentos, meus medos, minhas angustias. Minhas dores. Tenho esperado a mão que nunca vem, o abraço que nunca chega, o beijo que nunca sinto. Tenho esperado um monte de coisas, tenho me desfeito em um milhão de pedaços, mas nada além de desespero tem mostrado a cara pra mim ultimamente. E eu finjo que melhoro, quando consigo, que é pra tentar me enganar que alguém liga e que alguém se importa e que ninguém quer me ver assim, que é melhor forçar o tal sorriso, que é melhor mesmo se eu acreditar que tô melhor (mas não tô). Não acredito mais nas propriedades terapêuticas do fingir. Não acredito mais em forçar o riso e engolir o choro e cantar pra mim mesma até dormir pra evitar os pesadelos que minha insônia deixa entrar quando eu finalmente consigo fechar os olhos. Ultimamente, até à isso estou dando as boas vindas. É que eu tô cansada feito o inferno de desenhar os sonhos que nunca durmo nos cadernos que ninguém nunca lê. To cansada de ninguém me ver. Então, por favor, não se assuste se encontrar os meus fragmentos pela calçada. Agora que eu desisti do teatro, os farelos de mim estão mesmo ficando por tudo quanto é lugar. Então não se assusta não, moço estranho, moço bonito, moço do coração de ouro e prata e latão. Eu tô quebrada, me desfazendo, toda em partícula - ficar pra trás nas folhas e no chão de pedra é o menor dos meus problemas. Respirar é problema bem maior. Viver é problema bem maior.

Layout por Thainá Caldas | No ar desde 2009 | Tecnologia do Blogger | All Rights Reserved ©