26 setembro 2013

Meia Noite

         Ele se cala por um segundo (eu me calo por um segundo) e a gente se cala pela eternidade. Eu não tenho mais mentiras pra dizer. Minhas verdades tem pingado por meus poros. Minhas palavras tem saído em meio a lágrimas.  Você acha que eu exagero, você me diz rudezas, você não acredita mais em mim e, nessas noites, toda minha água me deixa aos borbotões. Nossos gritos ecoam na noite, acordam os vizinhos, sacodem as paredes. Nossas portas batem e meu coração vai contigo, corredor afora, rua afora, cidade adentro. Você me deixa e eu ocupo seu lugar na cama, sentindo o cheiro de nós dois que você deixa pra trás quando se vai. É que a gente é muito um do outro pra não ter aroma de nós dois, no plural. Não sei como fica o cheiro da minha pele quando você não está comigo. Não sei o que é ser singular. Não lembro mais.
         Nossas conversas tem matado cada vez um pouco mais de mim e eu já não tenho sido ninguém. Minha personalidade se desfez e desapareceu em fumaça. Meu riso morreu em ecos da gente e se eu me olho no espelho, não sei quem é a mulher apagada, esvaída, descolorida que me encara de volta. Tão diferente da menina que se casou por amor com um homem que ria fácil.  E aí fica difícil (tão difícil que eu acho que não é real, as vezes).
         As coisas se tornaram tão complicadas, as coisas andam tão solitárias (E eu sinto tanto a tua falta, as vezes, que caminho pé ante pé até aquela caixa de lembranças e redesenho tuas letras e tuas cartas sempre me fazem chorar. Você de lembrança é melhor que você do quarto ao lado). (Volta pra mim).
         E eu fico me lembrando das nossas meias noites antes dos gritos, dos cigarros, das doses de Whisky fora de hora pra ajudar a descer o amargo do nosso amor que foi morrendo. Eu me lembro da gente das taças de vinho, do macarrão com cara de alta sociedade que você fazia vestindo só o avental e o sorriso, e da conversa doce e lenta e cheia de olhares e luz de velas que a gente dividia até o amanhecer. Eu lembro da gente quando ainda era amor e toda palavra não acabava em dor e suor e lagrima e você me deixando pra encarar a porta marrom que bate, que bate, que bate (em mim, que fico pra trás).
         Eu me lembro das nossas meias noites de doçura. Eu me lembro de tudo antes do silêncio (de mim, de você, da gente pra eternidade). Eu me lembro da gente antes da morte. Eu me lembro da gente antes de tomar o comprimido que termina com tudo. E eu me lembro da gente enquanto encaro o teto. E eu me pergunto se o fim de mim vai ser suficiente pra que você se lembre também (anda tudo tão complicado, afinal de contas).
         E o relógio bate meia-noite.

        (E eu espero que a morte seja doce e que não doa mais saudade).

21 setembro 2013

Virtual II (Ou Skype)

 

E enquanto minha cabeça pesa sobre o travesseiro, a inconsciência cada vez mais próxima, ainda consigo escutar sua voz dizendo uma porção de besteiras. Se tivesse forças, se tivesse um mínimo de energia, poderia dar uma risada, levantar a cabeça e te olhar nos olhos, mas não consigo. É tarde e eu estou cansada. Vai ter que ficar pra amanhã. Pra outro dia.
- Ah, não, você está pegando no sono!
Sua voz me acusa.  Eu sorrio e me mexo de qualquer jeito, só pra deixar claro que ainda estou consciente – apesar de por pouco tempo. Sua voz parece feita de paraíso quando você pergunta:
- Você que quer desligar?
- Fala comigo.
Eu peço, sem falsa carência. Sempre te quero um pouco mais.
- As vezes eu acho que você abusa de mim.
Você me diz e eu rio, de verdade, por que eu sei que acontece. Você é muito bom, e eu sempre me deixo levar nos meus pedidos, nas minhas vontades. E você me deixa, vai junto, embarca comigo. Você também não tem jeito e é tão culpado quanto eu (você me mima demais).
- Acho que sempre quis ter um momento desses em que a garota cai no sono e o garoto está ali, olhando, absorvendo, observando. E mesmo que não seja bem isso, que não conte direito, nós ainda somos garoto e garota caindo no sono, lado a lado. Mesmo que apenas virtualmente. Mesmo que não de verdade.
- Você é muito romântica pro seu próprio bem.
Você responde, mas se ajeita na própria cama, do outro lado do mundo, como quem sabe que não pode discutir. Você sempre me deixa ter as coisas do jeito que eu quero.
Encolho meus ombros.
- Nunca neguei essa realidade. Sou romance em carne e osso.
- Achei que eu não fosse o seu tipo de cara pra romance, no entanto.
- Você é. – Eu admito, e você sorri, eu sei, por que posso ver suas bochechas se dobrando daquele jeito familiar.  Apresso-me a corrigir. – Mas você é o tipo de cara errado. O outro lado do mundo é longe demais, sabe como é. E, como se não bastasse, você é meu melhor amigo.
- Você sabe como pisar nas esperanças de um cara.
- Outro lado do mundo.
Eu repito e eu te vejo concordar com a cabeça, cansado, do outro lado da tela. Nós já tivemos essa conversa antes.
- Você ainda é minha maior crush.
Você diz, e o tom é brincalhão. Não é a primeira vez que escuto essas palavras. Hoje em dia, no entanto, não sei mais quando te levar a sério.
- Você está na lista das dez mais. - Eu respondo, displicente, e você paralisa, os grandes olhos azuis próximos demais da tela do meu celular, a boca aberta num “o” surpreso. - O quê?
Você leva um segundo inteiro pra responder, o sorriso muito mais pronunciado tomando o rosto devagar.
- É a primeira vez que você admite. – Meu silêncio não é muito revelador: não estou entendendo nada mesmo. Mas você esclarece: – Que eu sou uma crush. Você vem negando por séculos.
- Ah, sim. Bem. Não vejo por que ficar segurando essas coisas. Acontece. Mais ou menos. Quero dizer, a gente se põe pra dormir quase toda noite. Não dá pra ficar mais platônico que isso.
Você concorda com a cabeça, mas o riso ainda é meio bobo, meio vencedor. Eu faço careta, sem emoção.
- Ou você volta a falar ou eu desligo. Você está estragando completamente minha cena romântica aqui.
- Ora, perdão. Foi que você acabou de completar a minha.
E eu reviro meus olhos e faço qualquer comentário sarcástico, e você ri e a nossa conversa continua, como sempre, até eu fechar meus olhos e me deixar embalar pelos sonhos. Quando eu acordo, pela manhã, nossa sessão ainda está aberta. Você me observou, me absorveu, por metade da noite. E eu posso ver seu eu familiar assomando na própria cama. Eu também posso te observar. Te absorver. Me apaixonar (mas não de verdade). A gente funciona bem assim, eu e você, virtualmente.

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