29 outubro 2015

Noite Adentro


- Eu acho que você devia dormir.
    Ele diz, acariciando sem notar o corpo familiar.
-Mas eu queria escrever...
    Ela reclama, os olhos tão pesados e a mão tão frouxa que as letras no papel já não são reconhecíveis.
- Você está com sono. É raridade. Devia aproveitar e tentar descansar.
- Eu sei, eu sei. - Ela diz, e fecha os olhos por um segundo longo demais. - Mas eu queria terminar essa história.
- Você não pode fazer isso amanhã?
- Inspiração, amor. Amanhã eu não vou lembrar o que eu pensei hoje, Então... - Ela fecha os olhos mais uma vez e deixa escapar um bocejo. A cabeça se acomoda nos ombros do namorado e ele contém uma risada baixa. - Shh, eu tô acordada.
- A pergunta é porquê, né?
- Criatividade, meu bem, é a chefe da minha alma. Se ela chama, eu preciso responder.
- Mas nem dá pra entender a letra a essa altura...
- Reescrever é melhor que tentar lembrar.
     Ela resmunga, mas é quase ininteligível .Ele ri e sacode o corpo, incentivando-a a deixar de usá-lo como travesseiro.
- Anda, larga esse caderno. Aproveite que eu estou me oferecendo pra apagar a luz.
- Você está com sono?
     Ela pergunta, a mão ainda correndo o caderno, palavras e mais palavras preenchendo as folhas.
- Não, mas você está. Faço questão de ser um namorado zeloso, que cuida das suas necessidades.
- Que galante. Eu já vou, promessa.
     E mal diz as palavras, a caneta escorrega e os olhos se fecham. Ele mesmo puxa o caderno e coloca fora de seu alcance,
- Ainda ficou faltando um pedacinho...
- Dormir. Agora. Chega de desculpas.
- Mas... - Os olhos dela se fecham contra a vontade. Ela murmura. - Só dessa vez.
    Ele ri e ela se deixa acomodar, deslizando para se esticar sobre o corpo esguio. Ele ainda precisa levantar para apagar a luz, mas ela parece tão confortável que ele se deixa, por um momento, aproveitar a proximidade e a paz que ela exibe no rosto que ele aprendeu a amar.
    Ele corre os dedos pelos cachos.
- Sua teimosa.
    Ela boceja em resposta. Ele beija o topo da cabeça da namorada e se desvencilha devagar, e o corpo reluta, mas acaba se acomodando na cama vazia.´Ele ainda a observa por segundos que se escorrem por anos, a mão hesitando sobre o interruptor por que ela parece tão linda que não consegue evitar olhá-la um pouco mais.
   E ela é dele. Completa e inegavelmente dele. Por que ela escolheu a ele.
- Apaga a luz e vem logo. A cama é fria sem você.
- Como você faz quando está em casa? Deita e chora? - Ele brinca enquanto se junta a ela no abraço familiar das noites de sono.
   O rosto dela contra o dele é a definição de paz ultimamente.
- A minha cama é pequena. Eu simplesmente fico feliz por que não temos que nos apertar nela.
- Acho que nos apertar apenas nos faria mais confortáveis.
   Ela não responde, apenas pousa os dedos sobre seus lábios e ele sorri, beijando-os delicadamente.
- Sonha comigo?
  E então ela entreabre os olhos, como que para mergulhar no azul e no sorriso sacana pelo qual ela é apaixonada, desde a primeira vez. Ela também sorri em resposta, os dedos agora desenhando um carinho pela pele que ela tanto ama.
- E eu não sonho sempre?
E ele se inclina e a beija, de leve, e os olhos dela se fecham novamente, sabendo que ela o verá de novo em breve. Mas não faria diferença, não de verdade. Eles já não sabem o que é sonho e o que é real, por que todo momento é perfeito e mesmo os gritos vem seguidos de palavras de amor. É sempre um sonho quando eles estão juntos. E isso é que é verdade.


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