28 abril 2009

O desabafo da criança pequena.


E tinha alguma coisa de muito doída em todas as canções que ela escutava. Acho que na verdade, isso só deixava escapar o que ela queria esconder, que havia alguma coisa de muito doída nela.
E ela tentava segurar as lágrimas que queriam descer com palavras digitadas nervosamente num teclado de computador. Ela tentava esconder as que conseguiam escapar da sua barreira invisível e molhavam suas folhas amareladas do bloco desesperançado no qual ela escrevia a noite, quando o desespero podia tomar conta sem deixar testemunhas, com letras borradas e mal divisadas, manchadas pela dor da confusão que sua mente tentava, em vão, anestesiar com descrições.
Ela tentava com todas as suas forças manter um sorriso forçado no rosto todos os dias, ela tentava com todo afinco se fazer de forte, para não ruir. Ela tentava manter distante o sofrimento que queria derrubá-la, que queria roubar-lhe as forças. Ela não queria, mais uma vez, se desmantelar em frente a todas aquelas pessoas que esperavam mais (ou muito menos) dela. Ela queria corresponder às expectativas, pelo menos à uma delas.
Ela não queria se romper em dor.
E por mais que ela soubesse que também houvesse cometido erros e que suas desculpas, embora sinceras, não foram aceitas por puro capricho da contraparte, ela estava tão ferida e magoada pelo que foi proferido que não conseguia se arrepender. Ela nem ao menos queria se arrepender. Aquela discussão, tão inicialmente tola, entrara em sua vida como uma doença que não tinha cura. Como uma bala que percorre lentamente seu caminho até o órgão vital, queimando tudo no caminho.
Os olhos se enchiam de um desconhecido e desproporcional sofrimento que ela nunca tivera a chance de vivenciar antes. Tudo e todos ao redor dela sempre se esforçaram para que tudo fosse tão completo. Ela quase pôde sempre viver sem pensar naquela perda astronômica que sofrera quando ainda tão pequena, tão incapaz.
Ela não o tinha. Nunca o teve.
Ela o perdeu antes de entender o significado de tê-lo.
E aquela pequena criatura, hoje já não tão pequena, não podia acreditar que ela, justo aquela que esteve sempre ao seu lado, defendendo-a, era agora capaz de jogar isso contra ela, de gritar na sua face retorcida pelos sentimentos tão quentes que se ele estivesse vivo....
Os ses nunca são relevantes. Eles nunca acontecem. Só ferem, fazem sangrar. Fazem as lágrimas surgirem à noite naqueles que ficam imaginando a continuação das frases. No mundo diferente. Mais feliz.
E ela continuava encarando suas palavras cheias de sangue na tela do computador. O fundo branco da tela a perturbava, contrastando com a cor da dor que as fazia aparecerem ali e enchendo sua cabeça de uma dor física, uma enxaqueca cruel. Seus pensamentos a perturbavam. Os barulhos ao redor, as vozes, tudo a perturbava.
Aquela dor tão intensa da perda de tanto tempo atrás que ela sentia só agora, 12 anos depois, era tão surreal que precisava ser escondida. Não havia razão, mas aquilo a perturbava tão profundamente que aquela única palavra, pra ela sem nenhum sentido especial, a dilacerava cruelmente.
Tão pequena, tão fatal.
Tão perdida no dicionário de uma menina pequena que nunca procurou pensar no assunto. Não era preciso. E agora que ela cresceu, ela precisa conviver com a dor das coisas terem sido assim. Agora ela sofre tudo o que seus três, quatro anos não permitiram sofrer. Agora ela chora todas as lágrimas que sua inocência reprimiu.
Sua dor.
Seu pai.

Sobre si mesma.

Ela se olhava no espelho, mas não era seu reflexo que a encarava de volta. Não podia ser. Ela se recusava a acreditar nisso.
E por mais que os cabelos parecessem os seus, os olhos castanhos parecessem os seus e até mesmo a sua pinta “de estimação” estivesse no mesmo lugar, ela não podia aceitar que aquela pessoa era ela mesma. Não fazia sentido! Como se transformara naquilo? Quando tudo chegou naquele ponto?
Ela queria respostas. Ela tinha tantas perguntas! Já estava naquele ponto em que as duvidas não podiam ser respondidas por ninguém que não fosse ela. Não haveria certeza no que quer que fosse dito se não fosse ela a dizê-lo. Esta era a única coisa da qual ela estava convicta: somente ela conhecia o suficiente de si mesma para obter as respostas. E por mais clichê que isso possa parecer, ela sabia que o único lugar onde ela encontraria suas respostas, era em si mesma. No seu interior.
E então ela mandou pro inferno todas as preocupações das outras pessoas. Já estava confusa o suficiente sobre si mesma pra se preocupar com a opinião dos outros em relação as suas escolhas. E, ao se conscientizar disso, alguma coisa voltou ao lugar. Ela pode ver, no seu reflexo, algum traço de si mesma.
Seu próximo passo foi desprezar todas as opções que ela realmente não gostava. Era direito dela escolher o que fazer da própria vida, como vivê-la, com quais bases e convicções. Era direito dela gostar do modo como ia viver por muitos dos seus dias. E ao tomar essa decisão, outro grande pedaço de si voltou a pertencer a ela. Ela gostava da sensação de voltar a se conhecer, de reconhecer quem seus olhos mostravam no espelho.
E assim, decisão por decisão, fato por fato, ela se remontou. Coisas novas adentraram em sua mente, pontos de vista variados foram adicionados a suas antigas decisões e questões. Ela voltava a ser ela mesma, mas transformada pelo que deixava de ser.
Se encarou novamente no espelho, procurando por algo que ainda não fizesse parte. E não ficou surpresa de encontrar seu olhar, estranhamente brilhante e sonhador. Esse não era o tipo de coisa que ela teria facilidade em transformar de volta ao que já fora, e ela sabia exatamente o porquê: estava perdida e inegavelmente apaixonada por ele. Aquele brilho atípico nos seus tranqüilos olhos castanhos só podia comprovar o quanto ele a afetava, ainda que não o quisesse fazer.
“Talvez com o tempo”, ela pensava, “eu possa tirá-lo de mim. E aí então, eu poderei voltar a ser eu mesma, ou finalmente evoluir para algum outro estágio, para onde eu possa levar só o melhor que há em mim”.
E depois de tudo isso foi capaz, novamente, de sorrir. Quase lhe foi doído fazer o movimento sincero depois de tanto tempo aprisionada em seu outro eu, mas aquela pequena dor poderia ser facilmente suportada pela simples motivação do prazer que aquilo trazia à sua renovada alma. Era só o que ela queria fazer agora. Era só o que ela queria fazer pra sempre.

24 abril 2009

Saído da Insônia.


E a menina ali, quase estática, inquieta, com a caneta em punho arriscando algumas letras no papel. Era quase carinhosa a preocupação com cada uma delas, suas preciosas idéias, e o esforço que fazia para tirá-las de si. Ainda sim, linha após linha, palavra após palavra, ela riscava tudo o que conseguia pôr pra fora, frustrada com sua falta de capacidade de escrever algo que agradasse pelo menos a si mesma.
Os cabelos, presos em um nó frouxo, iam lentamente, fio após fio, de encontro ao rosto aflito e nunca considerado verdadeiramente bonito, pelo menos não por ela mesma. Não que ela se importasse com sua beleza naquele momento. Não se importava com nada além da folha já muito marcada, embora originalmente lisa e branca, que ela tinha a sua frente.
E a caneta continuava a escrever e a riscar compulsivamente, nervosa, enquanto seus pensamentos fluíam, suas idéias rejeitadas seguidamente por seu afiado (e descontrolado) senso crítico.
Risc. Risc.
Não fazia sentido, não tocava ninguém, não era o que ela queria dizer agora. Justificativas para os cortes na linha de pensamento pipocavam uma atrás da outra enquanto ela seguia pela folha de ininterruptamente, quase desesperada.
Ela não sabia o que dizer. Tinha tantas idéias, tantos caminhos pra seguir que não conseguia descobrir o que mostrar, o que fazer, o que explorar. A consciência disso era mais dolorosa que o fato em si. Estava perdida, simplesmente. Não era capaz de encontrar um caminho pra seguir, não se acreditava capaz de seguir nenhum. Mas ela era, não era? Essa era a única coisa na qual sempre pôde acreditar e, de repente, isso era uma dúvida.
Perturbada com suas conclusões (ou falta delas) tentou de novo. E as palavras saíram, querendo se passar por verdadeiras:
Eu não tenho certeza do que fazer.
Risc.
Eu não sei o que fazer.
Risc.
Eu sei o que fazer.
Risc. Risc. Risc.
O que fazer?
E, cansada de suas próprias perguntas, abandonou a folha, quase completamente preenchida. Não por palavras, como ela pretendera, mas por riscos. Por cortes. Por Dúvidas.

22 abril 2009

Vermelho - Fúria.


E eu pude ver seus olhos injetados de vermelho, de cólera, de lágrimas raivosas e silenciosas que desciam sem parar pelo seu rosto transtornado. Lágrimas que se convertiam em rios espessos e profundos, lágrimas cheias de um ódio que ela não sabia em quê mais descarregar.
Sua respiração descompassou. E eu podia ver que quanto mais ela tentava respirar fundo, se acalmar, mais o ar ia lhe faltando, mais desesperada ela ficava, mais pálida e gelada, mais assustadoramente perturbada.
Eu queria ajudá-la, abraçá-la, mas ela não parecia nem ao menos perceber minha presença. O mundo parecia vazio para aquela pequena criatura, e nele tudo era vermelho e cinza, tudo era a causa de sua impossível raiva. Eu gostaria de saber o que teve esse efeito tão grande nela, que é tão pequena. E mais que isso,eu queria que ela não se importasse.
Todos dissemos palavras que a acalmassem. Ela ignorou a todo nós. Ela seguia na sua tentativa frustrada de respirar, seguia não achando todo o ar que nós respirávamos tranquilamente. Ficou assim por minutos incontáveis, até finalmente alguém levá-la para lavar o rosto e beber alguma água -mais uma vez. Não faço idéia de como ela aguentou tudo aquilo. Nós, que olhávamos de fora, nunca acreditamos que ela fosse capaz de suportar esse sentimento de fúria tão intenso e tão devastador capaz de transfigurar até mesmo seu rosto, no qual estavámos acostumados a ver o sorriso de bom dia de todas as manhãs.
Parou de chorar. Mas os olhos vermelhos, agora secos, estavam enlouquecidos de fúria, de inconformação, de revolta por fosse qual fosse a injustiça pela qual ela passara ainda naquela manhã.Acho que não estou muito errado em afirmar que assustou-nos tão súbita mudança de humor. Do desespero á raiva em apenas um gole d'água e uma mirada rápida no espelho.
Começou a gritar. As explicações vieram nos berros, as ameaças a fosse quem fosse que arruinara seu dia logo pela manhã, os risos (descontrolados) junto com algumas de suas lágrimas que ainda não tinham tido a chance de cair. Vi nos olhos de uma de suas vítimas o pânico por simplesmente não saber o que fazer ante àquela aberração gritante cheia de ódio, vi o modo como surgiam as risadas de nervoso, as miradas curtas para as amigas do lado com a pergunta muda sobre como proceder. Mas era querer demais da própria menina descontrolada que reparasse ou se sentisse culpada por isso naquela hora.
Depois de gritar mais um pouco com algumas pessoas desavisadas que tentaram perguntar o que houve, ela se sentou na sua cadeira, ali, há pouca distância de mim. Vi outras lágrimas vermelhas descerem, vi sua respiração e vi, muito lentamente, ela se controlar.
Como se observasse uma criança descobrindo o mundo, eu observei seus olhos molhados e vermelhos voltando ao natural, seu primeiro sorriso, seu primeiro comentário que não era gritado do dia. E então, o primeiro abraço.
Nesse ponto, todos relaxamos.
Voltava ao normal.
Voltava ao castanho.

18 abril 2009

Por Um Sorriso.


- Eu me apaixonei por um sorriso.- A menina falou e o amigo sorriu, descrente. – É sério, seu bobo. – Ela acrescentou. Por algum motivo que ela desconhecia, ele nunca a levava a sério.
- É claro. – Ele nem ao menos a olhou ao responder.
- É serio, sim. Estou sentindo todas as emoções descritas nos livros. Chego a estar suspirando. – A pequena informou, muito orgulhosa de sí mesma.
- Acredito, acredito. – Mas o tom dele era irônico.
- Porque não acreditar, hein?
- Porque eu acreditaria?
- Porque eu estou dizendo pra você. E eu nunca minto, você sabe. – E aquele era quase um bordão pra ela. Não que ele acreditasse nele.
- Tanto faz, baixinha.
- Você não fica feliz por mim?
- É claro. – De novo a ironia. Porque será que ele fazia aquilo?
- Você não gosta de mim. – A pequena menina suspirou. – O que é uma pena, considerando o quanto eu gosto de você.
- Na verdade, não me importa. – Embora o tom fosse brincalhão, ela sentia a frieza que emanava das palavras e sentiu não só os olhos, mas a alma se encher de lágrimas. Parou de falar. Por minutos que lhe pareceram intermináveis, elas apenas se controlou para que as lágrimas não transbordassem.
Reuniu o pouco de si mesma que ainda restava e tentou, tolamente, atacar:
- Você é cruel, sabia?
- É divertido ser assim. – Mas agora, ele realmente brincava. Pelo menos, era o que ela esperava.
- Desagradável.
- E irritante também. – Ele lembrou. – E eu adoro ser assim. Principalmente com você. Você se irrita tão fácil...
- Fique quieto antes que magoe meu coração – Ela alertou. Não que já não estivesse magoada.
- Não ligo pra isso também.
“Porque raios eu ainda sou amiga dele?” Ela se perguntou, talvez pela milésima vez naquela tarde.
- Acho que já vou. – Ela falou descendo da mureta onde ambos estiveram sentados até então, simplesmente observando o entardecer. Muita embora seu tom tivesse algo de amargo, ele não se deixou abalar:
- Se é por falta de adeus... – Foi sua resposta.
- Argh! Porque, porque, porque cargas d’água você precisa ser tão desagradável?
- Só pra me divertir. Você não se diverte?
- Mas que ideia, é claro que não!
E então ele sorriu. E ela foi incapaz de não sorrir também. Afinal, ela se apaixonara por um sorriso.

10 abril 2009

Consciência.


Hoje, olhando o teto do meu quarto surrado, percebi o quanto todos os meus dramas são comuns e desnecessários.
Não é realmente preciso sofrer por eles.
Tanta coisa por aí merece mais atenção.
Talvez o drama das folhas que deixam as árvores para tentar o vôo livre mereça mais minha atenção do que aquele olhar que teima em não se virar pra mim.

Até mesmo os barquinhos que deixam a costa são mais importantes que a minha fixação em um assunto que não tem espaço para ser continuado.
E muito embora eu saiba que não deva pensar nisso, as imagens ficam voltando pra minha mente todo o tempo, meus pensamentos focados naquilo que eu tento tanto esquecer.
E eu me vejo presa na consciencia de que não é importante, mas ainda sim é inesquecível.

Eu não deveria ocupar minha mente com outra coisa?
E não me venha com a história de ocupá-la com outro olhar.

Deus sabe e eu sei também, e é provável que até você e ele saibam que
isso é impossível.
Super impossível.
Impossível demais, até.
Deveria ser possível, não?
Mas não é.
Eu não estou tão forte ainda.
E sem querer parecer piegas ou cair no mais típico clichê, mas eu sei e confio que alguma hora eu vou chegar lá.
Parece justo, não é?
Espere e verás.

Oca.

Oca, vazia, neutra.

É estranho estar tão imparcial novamente, depois de ter o coração ocupado por tanto tempo.
É frustrante não sentir nada. Ou acreditar não sentir nada.
É quase doloroso me sentir assim, ou melhor, não sentir.
É enlouquecedor.
É uma espiral de vento que sufoca você, é um turbilhão que não leva nada dentro de si.
É um silêncio sem um único significado.
E incomodo.
Me deixa presa em mim, engailada, insegura.
Sem conseguir arrumar uma direção, sem uma luz pra servir de guia.
Gosto de acreditar que não é dele que eu sinto falta.
É do coração descompassado, dos sonhos de menina, do lentimento e da leveza de simplesmente estar apaixonada.
Sinto falta de um rumo pros meus pensamentos, de um sorriso pra lembrar quando apago a luz.
É estranho.
É sem razão e tão pouco pé no chão se deixar levar pelas lembranças do coração.
Por recordações que meu coração inventou, que guardou, que sonhou e idealizou.
Mas era tão bom pra mim me sentir assim.
Porque, afinal, tirando os momentos em que você me doeu, eu me sentia feliz.
Aquele tipo de felicidade de quem acredita que vai dar certo e sonha alto.
Pena que uma hora você cai.

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