12 julho 2013

Essa coisa cor de rosa.


- Você tem andando bem informal, hã?
Ele meio que diz, meio que cobra, e eu não sei bem onde quer chegar com isso. Meus olhos correm o quarto enquanto penso numa resposta. Não sei o que dizer.
- Eu não devia?
- Bem, não é isso. É só que, eu não sei, você perdeu aquela aura de poesia que você tinha antigamente. Você perdeu aquele tom de rosa que parecia flutuar ao seu redor.
Coço meus braços nus, de repente sentindo a necessidade de um cigarro. Ou de um chiclete, sei lá.
- Isso não faz nenhum sentido.
- Bem, sim. E não. Quero dizer, a quanto tempo a gente se conhece?
- Sei lá. Quatro anos? Seis?
- E você era toda sobre letra e rima antigamente. Agora parece que secou, que murchou. Agora você é... normal?
- Você só me conheceu melhor, é tudo. A gente não era íntimo todos esses anos atrás. Você só via uma parte de mim. Você só lia uma parte.
- Mas... eu gostava daquela parte. Onde foi?
- Não seja bobo. Eu sou a mesma pessoa. Mais ou menos. Eu só me aproximei. Hoje em dia você pode tocar meus segredos e dedilhar minhas letras bem onde elas surgem, onde elas se formam. Hoje em dia você tem a chance de me abraçar e impedir as palavras de rolar peito afora, feito cachoeira de sangue. E isso é uma coisa boa.
Ele hesita.
- É claro que é. Quero dizer, nós estamos juntos, não é?
- Tipo isso.
Eu digo, incapaz de dar-lhe uma resposta concreta. Essa coisa de rótulo e compromisso me escapa das mãos muito rápido e eu gosto de conter meus sentimentos. Gosto de estar no controle.
- Você está fazendo de novo.
Ele acusa mais uma vez, e meus olhos buscam os dele dessa vez, incapaz de evitar buscar na fonte a reposta pra minha curiosidade.
Ele não está sorrindo, e a visão é um tanto quanto surpreendente.
- O quê?
- Sendo informal. Guardando sua poesia só pra você. Guardando suas letras e seu cor de rosa. Guardando de mim.
- Acho que você está sendo infantil.
- Acho que você está mentindo pra mim. Que está guardando sua poesia por que não quer que eu me aproxime. Acho que você tem medo de me deixar ver o que corre por dentro das tuas veias. Acho que você é uma covarde.
E minhas palavras morrem, por que é verdade, mas ele não devia ter dito. Tem coisas que não devem ser ditas por ninguém. Tem coisas que a gente simplesmente leva.
- E eu acho que você é um estúpido. Que não consegue ver ou entender ou desenhar o que vai nas margens de mim, por que é demais pra você. Você nunca pode, nunca conseguiu entender as palavras que desenhei na minha pele, nos meus olhos, nos meus cabelos. Eu vazo pelos meus poros, eu pingo, eu escorro pra longe da minha sanidade quando em poesia. Então não venha me apontar dedos e exigir que eu faça de novo.
Ele não responde. Eu o ignoro. Caminho pelo quarto sem pudor, e desenterro uma embalagem de cigarro do fundo da terceira gaveta. Posso quase sentir a reprovação dele atrás de mim. Acendo um sem cerimônia alguma, e me perco na sensação por preciosos segundos.
E lá se vão meus três meses sem nicotina.
- Se você precisa mesmo saber, é muito melhor quando você me cola, quando sua presença faz pressão nos meus cortes e eu não sangro a dor que eu não preciso sangrar. É muito melhor ser informal. É sinal da minha sanidade.
Sei que o batom que ainda uso deixará marcas no papel, mas aperto os lábios em torno do cigarro pra calar o verbo que corre por dentro assim mesmo. Não quero me deixar esvair. Tenho muito medo do que ainda pode jorrar. Meu amor, minha dor, minha confusão e hesitação. Não, não posso jorrar. Já faz tempo que não posso.
Ele me abraça então, cigarro e tudo, e está tão feliz que posso sentir seu sorriso contra minha pele, como um veneno. Muito pior que a ponta acesa contra meu ombro.
- Obrigada.
Ele diz e eu me sinto quebrar um pouco, me sinto usada, me sinto recurso. Fecho meus olhos pra evitar a água que se faz em mim.
- Eu não nasci poeta, sabe? Eu me fiz poeta por dor. Então não me pede pra rimar, pra escolher palavras ou brilhar uma cor do seu espectro de felicidade. Eu sinto tão menos quando estou em tom de cinza. Quando estou em frequência com o mundo, com você. É azul pra mim, é colorido, eu juro. É paz.
 - Obrigada.
É tudo o que ele repete, satisfeito por eu falei, por que dividi, por que rimei, por que me desfiz em minha prosa desritmada e cheia de vírgulas. E eu sei que não acabou. Por que pra ele o amor é cor de rosa, é poesia, é beleza e paixão e rodopio de cores num céu de fumaça indistinta. E pra mim amar é paz, é silêncio, é cinza, quase branco, é ausência de doer e fumaça e poesia. Pra mim a gente é paz no abraço, no café na cama, na parede branca sem quadros ou ornamentos do meu quarto, que ele sempre quer pintar, mas nunca escolhe a cor. E eu achei que ele deixaria pra lá, mas eu sei melhor agora, nós nunca combinaremos. Ele vai querer por azul nas paredes e portas e eu vou chorar quando acordar querendo nuvem e meu quarto for apenas céu.
Acho que ele é daltônico pra minha paz.
Ah, maldita poesia. Me levou outro amor.

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