16 janeiro 2015

Areal.

O meu riso ecoava nas paredes, falso até mesmo pra mim. Já não fazia sentido tentar e sorrir amarelo, já era tarde demais pras pequenas partes de mim. Não havia um único fragmento que restasse inteiro, não havia uma partícula que não houvesse ruído e desistido, deitado ao chão e chorado até ressecar. Eu já não passava de manchas no tecido da vida, lágrimas suadas que correram contra o mundo até que eu evaporasse.
Meus passos já não marcavam o chão. Eu caminhava como um fantasma, deixando apenas sombras, deixando apenas rastros fracos que olhos contra o sol jamais veriam. Eu deixava de existir a olho nu, eu deixava de ser som e sorriso, eu deixava de ser.
Minhas pernas cansadas dobraram contra o chão, meu corpo encolheu-se contra si mesmo, meus pulmões cansados demais de respirar, tentavam parar. Eu já não queria insistir. Deixar de tentar soava doce. Parar de respirar me soava pacífico.
E eu mirei um ponto na areia, pra onde me arrastei, e ali deixei de ser pra sempre. Me juntei ao vendaval e desisti. Virei particula, pra sempre no ar, pra sempre nas memorias, parte da praia. E nada mais.

07 janeiro 2015

Call me, maybe?


E quando separamos os lábios, posso ver o sorriso em seu rosto e o brilho em seus olhos, e é muito arrogante de minha parte pensar que é por causa de mim. Então me excluo. Me divido. Me diminuo. E também sorrio.
- Eu preciso mesmo ir embora.
- Mas eu quero que você fique. Eu quero mais você.
- Não posso! – Eu digo com um sorriso, por que eu bem queria ficar mais um pouco. - Eu tenho compromisso pela manhã, e já são quase três. Eu preciso mesmo ir embora.
- Me dá seu telefone então...
Faço uma careta, e ele entende bem o que vai por trás dela e segura minha mão, procurando com intensidade demais o meu castanho.
- Você acha que eu não vou ligar?
Nem hesito.
- Não, não acho.
- Juro que eu vou!
- Não vai. Você sabe e eu sei também. E provavelmente amanhã quando você estiver em casa sóbrio, cheiroso e fresquinho, não vai nem lembrar meu nome.
- Impossível. Não dá pra esquecer alguém como você.
- Garanto que dá.
Eu digo, sem falso apego a minha auto-estima. Passei demais pelo mesmo ritual pra me deixar acreditar.
- Você está duvidando muito de mim. E de você, aliás.
Encolho os ombros, e ele passa os braços ao redor de mim de novo, os olhos me observando tão de perto que por um segundo acho que ele se importa. Evito uma risada, porque agora sei que realmente preciso ir embora.
- Você é uma delícia, e um fofo, mas não vou te dar meu telefone. – Leio seus lábios formando um “por que” e me adianto - Porque se eu der, vou ficar esperando você ligar, mesmo contra todo o meu bom senso. E eu não preciso lidar com a decepção, hein?
- Cala a boca. – Ele ordena, mas ele mesmo me cala com um beijo que dura demais, eras demais, mas tempo de menos. Quero mais no segundo que ele se afasta. – Eu quero te ver de novo. Eu preciso me comunicar com você pra isso. Me dá seu celular.
- Me dá o seu.
- Você vai me ligar?
Ele pergunta, e o tom é tão descrente que quase fico ofendida (mas eu jamais ligaria, com minha timidez e tudo, então não posso realmente fazê-lo).
- Não, eu queria o aparelho. Ia te adicionar no face.
Ele retira, relutantemente, uma das mãos da minha cintura e saca o celular do bolso. Me entrega, mas posso ver que ainda não está satisfeito. Posso ver que ele é teimoso e quer as coisas do seu jeito.
De repente, sinto-me espelhada em nosso abraço.
- Pode me adicionar, mas eu ainda quero o telefone. Eu quase não entro naquele troço. E eu quero ouvir você e lembrar de agora. Lembrar da noite toda.
Minha boca se abre e se fecha e sou incapaz de formar qualquer palavra, por que ele me deixou completamente sem graça. Sinto um sorriso se formando em meus lábios e um calorzinho confortável subindo espinha acima e já sei que ele vai ser um problema. O filho da mãe é adorável demais pra eu não desejar que ele me procure.
Fecho meus olhos desiludida, e ele me beija de novo, sem permissão. Não consigo negá-lo.
- Preciso ir embora.
- Não vou soltar você até colocar o seu número nesse celular.
É tudo o que ele diz, e parece sério.
Suspiro (fiz muito disso esta noite).
Desisto.
Digito rápido os números que sei de cabeça, nome e sobrenome, contatos que sei que ele não vai usar, mas que vou esperar que use assim mesmo. As vezes, me odeio por ser previsível.
- Posso ir agora?
Tento fazer ar de ofendida. Soo divertida. Posso sentir o sorriso me escapando. Quero beijá-lo de novo. Estar tão perto não me deixa querer ir embora, não me deixa pensar direito.
- Não.
Ele diz, e o sorriso guarda tal vitória que sinto um arrepio. Quero mais dele. Do sorriso, dos lábios, das piadas e das mãos delicadamente entrelaçadas em minhas costas mesmo nas músicas que não pedem. Quero mais de todos os segundos que passei com ele.
Mas preciso ir embora.
- Você é uma droga de um convencido.
Eu digo, por que eu sei que ele só é tão confiante por que sabe bem o sorriso que exibe pra mim, sabe bem que minhas mãos não querem deixar o cabelo escuro que parece ganhar vida entre meus dedos, que meu castanho se enrolou no dele de tal forma que acho difícil não encarar seus olhos.
Ele ri, e o som é forte e adorável, e eu me esforço pra não rir também, por que eu deveria estar irritada. Mais ou menos.
- “Esse é apenas o meu mais alto nível de falta de confiança”. – E ele está citando Transformers e eu penso que existe uma boa chance desse cara ser o homem da minha vida. É uma pena que eu o tenha encontrado numa boate e nunca mais vá vê-lo. - Eu preciso te ver de novo, então, preciso fazer acontecer. O telefone é o só o começo. Me parece que te convencer a sair comigo vai ser ainda mais difícil, mas eu também sou teimoso. Não vou desistir.
Sacudo a cabeça, achando graça.
- Não faça promessas que você não pode cumprir.
- “Mas essas são as melhores”!
Ele agora está citando o ultimo homem-aranha e eu queria tanto que ele ligasse. Preciso ir embora, mas posso sentir minhas entranhas dançando uma jiga escocesa de felicidade.
O beijo mais uma vez, incapaz de resistir. Sinto suas mãos deixando minha cintura, segurando meu rosto e finalmente desfazendo meus cachos, e aproveito para me distanciar, deixando um ultimo beijo sobre os lábios que sinto sorrir.
- Só me liga, e depois a gente vê. E pare de citar filmes de herói pra mim.
Ele ri, parecendo satisfeitíssimo que eu tenha reparado.
- Agora não existe nenhuma chance deu não te ligar.
Espero que seja verdade, mas sacudo a cabeça, como quem não acredita. Fico na esperança que ele não tenha reparado que está me conquistando a cada palavra e sorriso. Não posso me dar ao luxo de contrair uma paixonite numa boate – mesmo que por um cara que cita transformers e o spidey.
Tento sair, mas ele está segurando a minha mão, os olhos ainda tão marotos que me preocupo com a possibilidade de acabar sem dormir nada, virando a noite nessa boate jogando conversa fora com ele.
- Eu preciso ir, é sério.
- Não?
Ele diz, mas o pedido é fraco e o tom de pergunta me deixa livre para sorrir e confirmar minha saída. Atrevo-me a me inclinar para um ultimo selinho. Seu sorriso me parece ainda maior quando finalmente me afasto.
- Só faça a ligação. Eu juro que não vou estar esperando.
E, enquanto ele ainda dá sua risada, eu finalmente o deixo pra trás, meu coração se retorcendo num pedido mudo a seja lá quem for que comanda o cosmos que, por favor, por favorzinho, meu homem aranha mantenha suas promessas impossíveis e só me ligue, de repente.

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