O primeiro sinal foram os olhos. Fixos nos meus, claros como o céu, cheios de intensidade. De algum desejo proibido que meu corpo de carnaval queria, mas não ia realizar. O segundo talvez tenha sido o modo como se aproximou. Como se, por toda a multidão, ele pudesse me sentir ou ver, como se num mundo preto-e-branco, só existisse a mim em cores. Como se eu fosse única e especial. Feita pra ele.
Mais sinais gritavam em volta de nós, da multidão, do turbilhão confuso de fantasias, espumas e confetes, mas não era neles que minha mente e meus olhos estavam concentrados. Longe deles. Perto, muito perto, de um outro ele. Um de carne, osso e tentação.
A música ao redor de nós talvez não fosse tão lenta ou tão sensual ou tão divertida, mas era como eu a escutava, a sentia. E meu corpo respondia, como que automaticamente, como se a dança que nós dividíamos fluísse naturalmente de nós e para nós. E era reciproco, eu sabia, e não só por que podia ler nos olhos dele, mas por que seu sorriso entregava, satisfeito, a certeza que eu já tinha.
O espaço entre nós se estreitou quase que expontaneamente, e antes de saber seu nome eu já podia sentir suas mãos ao redor da minha cintura. Seus lábios miravam os meus, mas desviaram antes de encontrá-los e se dirigiram, marotos, aos meus ouvidos ansiosos por seu inédito tom e som de voz.
Ouvi a risada antes das palavras. Um nome. Um elogio. Uma graça. Sorri. Pronunciei talvez as mesmas coisas. Talvez até as mesmas palavras. Pude ouvir a risada mais uma vez antes de encarar o rosto vivo e bonito novamente. Ele também sorria.
O próximo passo era tão óbvio que eu me deixei fechar os olhos mesmo antes dos nossos lábios se tocarem. Os corpos já estavam devidamente entrelaçados, e minhas mãos pareciam ter encontrado seu lugar nos cabelos escuros do homem entre meus braços. O tempo já não era tão importante e nós abusamos dele, indiscriminadamente, como crianças. Talvez nem tanto como crianças. Talvez como adolescentes. Sem limites.
Me senti sorrir em seus lábios e percebi a música animada da noite de festa voltar aos meus ouvidos anteriormente entorpecidos pelo nosso primeiro contato. E pelo segundo também. Por todos eles. E com a música veio a separação lenta e indesejada, cheia de voltas e lábios e línguas e puxões - na camisa dele e na minha. Puro charme. Eu sabia - e quase queria - que ele iria embora logo. Eu só estava prolongando os últimos momentos. Mas senti uma mão, nada suave, me avisando que meu tempo já acabara. Minhas amigas impacientes não eram capazes de esperar por nós para sempre - ou até quando nossos lábios deixassem de sentir vontade um do outro. Afinal, esse era um prazo que poderia durar muito.
Olhamos os dois para trás, em resposta a nada silenciosa reclamação das minhas acompanhantes. Nós ainda sorríamos. Elas nem tanto.
Voltei meu corpo pra ele e nós trocamos olhares cúmplices. Ele murmurou algo como "Acho que você tem que ir". Digo murmurou, mas talvez tenha falado; era apenas o som alto demais ao redor de nós e o fato de que meus ouvidos já não tinham minha atenção. Apenas meus olhos, fixados nos lábios que eu queria re-tomar, tomavam qualquer parte de minha mente.
Dei meu melhor sorriso de desculpa e fiz uma careta clássica, de quem pedia mais. Puro teatro. Mas isso não significa que eu quisesse deixá-lo. Ele sorriu e me beijou, quase de leve, e nossos corpos se separaram com algum esforço. Eu ri.
"A gente se esbarra por aqui". Ele disse, com a careta do "não-quero-te-deixar" muito mais crível que a minha. Eu concordei, embora não estivesse muito certa. Mas ele nem percebeu. Me beijou de novo (a saideira), me apertou um pouco mais e nos separamos.
Fiz um bico e o vi sorrir mais uma vez antes de sumirmos os dois na multidão. Eu, provavelmente, nunca mais o veria. Ou talvez visse e aí então nós faríamos tudo de novo. Naquele momento, eu não estava preocupada com isso. Em algum lugar perto de mim começava a minha música. E eu fui atrás, guiada pelas enormes caixas de som que estavam, basicamente, em todo o lugar. E estava tudo bem. Era carnaval.