22 janeiro 2011

Análise (de quem?)

- Quantas vezes você pensou em suicídio na ultima semana?
O analista perguntou, entediado.
- Mais vezes do que é saudável para alguém normal.
A soberba era tanta, que ele, o paciente, se considerava no direito de julgar o normal. Não era pra isso que ele, o analista entediado, estava ali, afinal?
Mas ponderou e foi quase simpático, quando questionou.
- E você se considera normal?
-Eu sei que não sou. Mas isso não me incomoda muito.
Mais do mesmo. O paciente se analisava. E ele, o profissional, observava. Suspirou, subitamente cansado demais para continuar. Suspirou cheio de si mesmo, do consultório marrom, da secretária padrão na ante-sala e do paciente sem problemas no seu divã. Suspirou, apenas.
- E eu? Sabe quantas vezes eu pensei em suicídio na última semana? 
A pergunta não fazia parte do acervo usual do analista. O paciente se assustou, perdeu o compasso da própria respiração, guardou o tom amargurado que ainda ecoava nos seus ouvidos e olhou ao redor, procurando alguém mais na sala. Ninguém. O analista permanecia na mesma posição, caderneta sobre o colo, entediado. Os olhos não guardavam nenhuma chama, a respiração não carregava nenhum peso extra. Só o mesmo analista entediado de sempre com os problemas repetidos dos seus pacientes mesquinhos. O homem voltou a relaxar na sua poltrona confortável.
 - Doutor, acho que estou enlouquecendo.

20 janeiro 2011

Escada.

Sala, quarto, cozinha, janela. Escada. Escada. Escada. E de repente, tudo o que ela podia ver da sua janela era uma escada. Onde foram parar as estrelas? Pra onde foram os raios de sol? Injusto. O calor ela ainda sentia. A chuva ela ainda sentia. As lágrimas descendo pelo rosto cansado, altas horas da noite, ela ainda sentia. Mas as estrelas, o vento, o seu céu particular de consolo ela não sentia mais. Era só uma escada agora. Uma escada para um lugar ruim.

16 janeiro 2011

Ao som de rock'n'roll

- Vou deixar a guitarra curar teu coração e as tuas lágrimas selarem o ferimento. Te prometo que duas musicas depois você é outra. Que sente outra coisa.
O coração dele se apertava um pouco ao vê-la daquele jeito. E ele queria cura-la fazendo a unica coisa que sabia. Ele queria curá-la com música. Ela suspirou e mais uma lágrima rolou pelo rosto antes mesmo que  pudesse se conter.
- Quero não. Só vem cá e me dá um abraço, que eu não aguento mais essa solidão regada a música. Agradeço a intenção, mas não quero mais choro ou solo de guitarra.
E ele largou a guitarra de qualquer jeito, e juntou-se a ela num abraço que era música só por existir. Era música pelo encaixe, pela ligação. Era música pelo fechar dos olhos e pelo soluçar baixinho. Era música pelo sentir. Era música e ponto. E depois, já era outra coisa.

02 janeiro 2011

Na manhã seguinte.

- Eu nunca realmente entendi como essas coisas funcionam. - Ela disse, esparramada na cama de lençóis brancos dele. - Agora você deve dizer que ainda me ama? Ou que isso foi um erro?
- São duas opções completamente viáveis. - Ele admitiu, enquanto afagava as pernas nuas dela, jogadas displicentes ao seu lado.
- Isso significa que você vai fazer um escolha? Eu sempre detestei esses momentos.
- Quais? - Ele perguntou, confuso por um minuto.
- A tensão que vem antes da resposta.
  Ele sorriu e alongou a carícia, ousando os dedos na pele suave. Ela estremeceu.
- Até parece que não me conhece.
- Ainda é sempre imprevisível.
- Mentira. Deslavada e cruel. Sou fácil como um livro de gravuras.
 Ela riu e se forçou a levantar o corpo, apenas para se jogar por cima dele de novo. A pele nua incendiou ao voltar ao contato tão intimo com a dele.
- Me dá logo a minha resposta.
- Apressadinha. - Mas ele sorria. - Acho que minha resposta oficial é... Quer se casar comigo?

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