20 junho 2009

E agora outro sorriso.


Era o mesmo cenário. Os mesmos amigos, a mesma mureta, o mesmo pôr do sol, os mesmos sorrisos. Mas havia na essência da cena, algo de diferente. Algo que ele se perguntava o quê seria no silêncio dos seus sempre privados pensamentos.
- E aí? - Ele perguntou, parecendo tão entediado quanto sempre.
- O quê?
- Você parece... diferente hoje. - Ela olhou pra ele de canto de olho. - Na verdade, ultimamente você tem andado... estranha.
- Sério? - E ele concordou com a cabeça. - Não acho.
E ficaram em silêncio por algum tempo, ela não parecendo muito consciente dele ao seu lado. Ele, por outro lado, não tirava os olhos dela, tentando sem sucesso absorver a causa da mudança que ele notara recentemente. Ela já não estava tão ansiosa, já não falava tanto, não sorria tanto. Perdia o olhar no infinito tantas vezes enquanto estavam juntos, que nem ao menos parecia estar ao lado dele. Estava em um mundo próprio, privado, onde ninguém tinha permissão de ir. Pelo menos, não ele. E isso era tão novo, tão inesperado que até mesmo ele, um distraído, foi capaz de reparar.
- Ah, como é? Tem que ter acontecido alguma coisa.
- Não, não aconteceu. – Ele apertou os olhos, mas ela não viu. Estava mirando o sol ao longe.
- Você não quer me contar, tudo bem.
Era o tipo de frase que funcionava com ela. Era incapaz de aceitar que ele não acreditasse nela, incapaz de se manter tranqüila ante a um “você não confia em mim”. Provaria que confiava, como sempre fazia, mesmo que se traísse ao fazê-lo. Ela não precisava confiar em si mesma, afinal. Ninguém o fazia, porque haveria ela?
- Você sabe que não é verdade. E eu odeio quando você faz isso. – Ela suspirou.
- Isso o quê?
- Joga a minha insegurança contra mim. – Ele piscou, perdido por um segundo nos próprios atos. – A sua mente é fechada, você não é capaz de dividir comigo o que sente. Não mais, pelo menos. Mas eu não, eu sou obrigada a te contar cada pequena aflição, mesmo quando eu não sei o que estou sentindo. Desculpe, não tenho nada pra te dizer agora. E eu nem estou me sentindo culpada. Estou confusa nesse momento.
Mais um silêncio, dessa vez constrangido, tomou conta do espaço entre eles. Ele nunca reparara que ela se incomodava com as atitudes ou com o silêncio dele. Nunca parou nem ao menos pra pensar na possibilidade. Ele nunca parava pra pensar muito nela, na verdade. Se sentiu culpado por isso. Principalmente, porque ele sabia que ela pensava.
- Desculpe.
- Tudo bem. – Mas sua voz era áspera. Ela voltou a suspirar. – Estou acostumada mesmo.
- Desculpe. – Ele repetiu.
- Eu já disse que tudo bem. Não faz diferença agora. – E ela olhou pra cima, pro céu avermelhado que sorria pra ela. Mas ela não sorria de volta pra ele.
Ela chorava.
Prateada e silenciosa, a lágrima correu pelo rosto triste da menina. Singela e única, quase imperceptível na luz fraca do entardecer, mas ainda sim presente, viva, cortante.
- Porque você está chorando? – E o tom de pânico dele era risível. Infelizmente, ela não conseguia sorrir.
- Não sei. – E junto com o suspiro, vindo do fundo do peito, mais lágrimas vieram, correram e mancharam o rosto da menina. – Eu não sei, eu não entendo, eu não sou capaz de fazer isso.
- Isso o quê?
- Não sei! – Soluço. – Eu estou pensando. Pensando muito. Não consigo parar. Não consigo sentir. Não está saindo nada de bom disso.
- Dá pra ser mais clara?
- Eu... acho que me apaixonei por um sorriso.
- Você já tinha me contado isso. – Ele falou, e deu um meio sorriso por estar conseguindo chegar lá, finalmente.
Uma solução?
- Mas agora é diferente. Eu não tenho certeza.
- Porque não?
Ela não olhava pra ele, mas parecia pensar numa resposta. Seu olhar – e suas lágrimas – continuavam brilhando para o entardecer, cristalinas, cheias de vida e de significados ocultos. Cheios de um sentido que ele não conseguia compreender.
- É especial. Mas não é quente. Me faz esquecer todos os outros sorrisos que já me fizeram sorrir na vida, mas não me faz sorrir. É perfeito, mas não é pra mim. Não é de verdade dessa vez, é... está me deixando confusa, e está doendo. Está doendo porque está apagando o meu outro sorriso de mim, e está me deixando sem nada. É ruim, é ruim e é sufocante.
- Eu...
Ele não tinha o que dizer, não havia palavras pra dizer a ela. E ela continuava chorando, soluçando, se desfazendo. Ali, bem ao lado dele. Ele estava meio que impotente. Inútil.
E por não ser mais capaz de salvá-la, ele passou o braço por seu ombro, esperando que aquilo pelo menos a confortasse. Não havia mais nada que ele pudesse fazer agora. Não dependia mais dele. E ele não poderia sorrir nem se quisesse, e nem se pudesse ajudaria de algo. Ela agora tinha outro sorriso. E o sorriso nem era dela.

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