24 maio 2009

Amei você.

Eu a maltratava e eu sabia disso. Estava claro em todos os nossos gestos. Até mesmo nas palavras. As minhas a feriam. Eu quase podia ver a dor que ela se esforçava para engolir enquanto apertava os olhos no seu desespero, operando no máximo para que nós dois não explodíssemos. Para que não acabássemos com o que nos mantinha unidos.
Naquele dia, nós já havíamos discutido. Não poderia me lembrar porquê, mas qualquer coisa boba como o tamanho da sua saia ou a disposição dos móveis da sala de estar já era motivo mais que suficiente. Eu simplesmente não conseguia evitar. E nem queria. Ela era minha em todas as extensões da palavra, e eu retirava dela tudo o que eu podia, porque eu a amava e tinha esse direito. Não tinha?
Nós sentamos naquele silêncio pelo que me pareceram horas, mas eu não tinha coragem de olhar no relógio para confirmar. Meus olhos estavam fixos nos dela e eu podia sentir que isso era tudo o que a mantinha ali. E eu não podia deixá-la partir, não aguentaria ouvir não. Talvez eu tivesse problemas.
Queria poder ler sua mente, saber o que planejava. Nós nunca tínhamos ficado tanto tempo sem falar (ou discutir) e eu não sabia exatamente o que fazer. Minhas palavras morriam antes mesmo de chegar a boca. De chegar a ela. E então, de supetão, ela se levantou. E eu aturdido, perdido, procurando uma razão para quebra tão súbita do nosso intenso contato, não sou capaz de mover um músculo. Não encontrei as razões, então continuei estático na sala, como que congelado, esperando que voltasse pra mim.
Ela surgiu algum tempo depois e eu pude perceber que levava duas malas, aparentemente cheias. Ela as colocou em frente à porta e se virou pra mim. No rosto, a expressão decidida me assustava, como que me preparando para o que vinha a seguir.
- Vou embora. – Ela falou, embora eu já tivesse deduzido. – Não agüento mais.
- Mas...
- Sem argumentos, por favor. Você sabe que é o melhor pra nós.
- Eu amo você. – Eu falei, firme. – Nada pode ser melhor que ficar com você.
- Não do jeito que você quer que eu fique.
- Se é pelas brigas, me perdoa! – E eu pude sentir as lágrimas saindo de algum lugar, caminhando a passos lentos até meus olhos. – Nós ainda podemos dar um jeito em nós, eu prometo.
- Não é a primeira vez que você me diz isso, sabe? – Ela fechara os olhos e sua voz nunca antes soara tão sem vida. – E eu estou tão cansada disso...
- Eu amo você. – Repeti, mais fraco. Podia senti-las chegando. – E eu sei que talvez eu demonstre errado, mas não deixa de ser verdade. Eu amo você.
- Você tem um jeito estranho de me amar. – Ela abre os olhos e eu tudo o que posso ver é o seu castanho-desespero. Teria me encolhido, se obedecesse ao impulso. – Como você acha que eu me sinto com tudo isso?
- Nós deveríamos ser felizes.
- Não somos. Eu não sou. – As palavras me açoitaram, porque eu reparava que também não era feliz.
- Fique. – Foi quase um sussurro.
Ela pareceu hesitar por um momento, e então atravessou a sala. Parou a poucos passos de mim, mas ainda fora de meu alcance. Me doeu perceber que se estendesse meus braços ainda não seria capaz de alcançá-la.
- Eu amo você. – Ela falou, lentamente. – Mas isso não é suficiente. Nós não somos.
- Porque não podemos tentar? Me dê mais uma chance, droga...
- Eu amo você. – Ela falou de novo, e eu pude reparar que ela recuperara o brilho decidido nos olhos. – Mas eu tenho que ir.
Congelei. Eu havia perdido a batalha, e eu sabia. A consciência disso doía.
- Eu... – Ela continuou. – espero que você encontre uma pessoa melhor que eu, espero que você descubra novas formas de amar com ela.
- Mas eu não quero...
- Eu quero que você seja feliz. – Ela me interrompeu. – Feliz de verdade.
- Eu amo você. – Repeti. Mas não era suficiente nem pra ela, nem pra mim. E eu tinha que admitir isso. Eu estava perdendo-a, e precisava aceitar isso.
E então elas finalmente chegaram, e eu não consegui contê-las. Desceram, uma a uma, deixando uma trilha pelo meu rosto. Eu vi emoção finalmente preenchendo o rosto dela quando nossos olhos se encontraram. E naquele meio segundo, ela ainda era minha. Deu os poucos passos que ainda nos separavam e pousou as duas mãos suaves no meu rosto. Era o céu.
- Não chore, meu amor. – Ela pediu e eu quis poder atendê-la. Mas eu não podia. Nunca pude. – Por favor, não chore.
E ela deslizou as mãos pelo meu rosto, tentando conter as lágrimas que ainda rolavam. Era uma carícia de despedia, eu sabia. Ainda sim, eu não podia deixar de me sentir completo. Se aproximou.
Ela fechou meus olhos com seus delicados lábios rosados, e eu senti que não tinha mais forças, nem pra chorar. Ela ia me deixar, era palpável.
- Eu amo você. – Ela repetiu pela ultima vez ante aos meus lábios, e me beijou com desespero. Meus lábios eram calmos, e nosso beijo assumiu um ritmo lento e profundo, sofrível. Era a nossa despedida.
Só nos separamos quando o ar acabou, e ela voltou a colar os lábios sobre os meus depois que respirou fundo. Mas foi só isso, o toque, e ela se afastou. Também chorava.
E sem nem mais meia palavra, ela deu os passos que nos separavam novamente, deixando minhas mãos caírem de sua cintura macia de volta ao meu corpo, sem vida. Seus olhos castanhos refletiam o verde dos meus, e eu sabia que essa seria a ultima lembrança que eu guardaria dela.
Como se pensasse a mesma coisa, me deu as costas e voltou para pegar as malas, que esperavam por ela na saída da sala. Saiu sem bater a porta ou levantar os olhos pra mim.
Saiu pra sempre da minha vida.

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