17 outubro 2013

sobre o aroma de café (e desejo)


A surpresa dura três segundos. A hesitação exatos oito. Mas ele sorri e ela revira os olhos, clichê, e ele a embala num abraço, ah, tão saudoso, que o suspiro lhe sai do peito e o gemido se perde dentro dele. Ele sabe que precisa se controlar, por que sabe bem demais que ela não tem controle.
Ele a afasta então, tão bruscamente que ela tropeça no sofá, levando os dois porta adentro de maneira natural. A desculpa se perde em seus lábios quando ele encara os olhos castanhos. Ele nunca viu nada tão escuro-desejo pairando ali antes. Ele nunca soube que ela o queria com tanta intensidade.
Ele engole em seco.
- Eu vim pra gente conversar.
Ele avisa, a voz meio falhada, meio rouca, meio "vem aqui e me deixa morder".
Ela arqueia as sobrancelhas, descrença em cada poro, e cruza os braços ao redor de si mesma como quem espera que ele comece.
Ele sabe muito bem que ela está guardando as palavras.
- Eu quero você de volta.
- Jotapê... Você já me teve e você não sabia o que fazer comigo.
- Mas eu aprendi e eu quero que as coisas sejam de verdade dessa vez. Eu, você, o sofá vermelho e a droga do café da tarde no sábado.
Ela sorri a contragosto, contrariada, por que ela é toda feita desses detalhes e pequenas tradições. E ele sempre fez pouco caso e usou pouca roupa, ele sempre foi displicente e blasé em tudo o que fazia dela, ela. Até que ela cansou. Até que ela foi ser ela sem ele.
- Eu estou enlouquecendo sem você. E eu entendi, você queria cuidar de você, mas você já ta inteira. Sempre esteve. Eu era o babaca de quem faltava o pedaço. Mas você já deu o recado.
- Cala a boca.
É tudo o que ela responde, e ele consegue enxergar muito bem o castanho-desejo virando desprezo. Ele suspira.
- Eu amo você, porra.
   O som é exasperado e as mãos correm os cabelos, os olhos mergulhando no corpo familiar e, droga, ele quer beijá-la de novo. Ele quer encostá-la naquela parede cheia de quadros que ele nunca viu e fazê-la ver a razão. E a razão é ele. Ele tem certeza que é.
- Amor nunca é suficiente, Jotapê. Você sabe. Você viu. Eu amava você também. E não rendeu nada além de meia duzia de copos quebrados, uns porta retratos que eu nunca quero ver de novo e umas lembranças pra deixar a gente amargo.
- Não é só isso. Não é só isso o que sobrou.
- Talvez não. Mas é o que é relevante. É o que me vem a mente quando eu lembro do nosso aparamento apertado, do corredor que viu a nossa pele nua mais de uma vez. Eu lembro das brigas, eu lembro dos sons abafados da gente se ignorando e da música alta demais. Eu não lembro de nada de bom.
- Mas e a faísca? E a droga do suspiro que eu engoli bem agora, que veio de você?
   Ela silencia. Não pode mesmo dizer nada. Ela arrepia só de lembrar. O toque, o carinho, os olhos nos dela. Ela poderia bebê-lo, ela poderia mergulhar em seus detalhes por horas. Ela o odeia por fazê-la querer voltar atrás com um só dedo contra a sua cintura.
- Isso passa.
   É tudo o que ela diz e ele se enfurece e ela encolhe, e ele se aproxima tanto que a respiração dela perde um compasso. Ela fecha os olhos e entreabre os lábios e o inspira.
Ele enlouquece.
Ela cheira a café e isso é tudo o que ele repara quando invade o respirar, invade a boca, invade o corpo da mulher que já não é mais sua. Ela não é mais de ninguém além dela mesma. Ela tomou as próprias rédeas, obrigado, e ele já não tem nenhuma parte dela, da vida dela, das palavras dela.
  O pensamento quase o entristece, saber que ela não é mais dele, mas ele suporta calado e a aperta mais contra o corpo pra compensar a falta que ela faz no peito, no vinho da meia noite, no jantar de domingo. A falta que ela faz o tempo todo.
- Volta pra mim, porra. Eu amo você.
   As palavras saem como um rasgo, um sussurro, um som tão profundo que ele quase sente a pele se romper sobre o desejo. Mas ela não abre os olhos e embrenha os dedos finos com força demais no cabelo liso demais e despenteado demais e desleixado demais que ela sempre, sempre adorou.
   Ele deixa que ela puxe, que ela machuque, que faça o que quiser. Ele deixa, por que não pode mais viver sem ela. O preço é tão pequeno. Sem ela dói tão mais.
  Ele sente o momento se estender, sente a chance surgindo e as palavras caminhando peito acima, respiração acima. Os lábios dela estão nos dele e ele não sabe bem de quem são as palavras que fecham o acordo.
- Promete que não me machuca? Que não faz da gente amargor e cinza nas paredes e nos cinzeiros?
- Eu te amo, porra. - Ele repete, e ela concorda com a cabeça, por que ainda não é capaz de pronunciar. Ela está juntando pedaços. - Eu prometo fazer da gente só cor. Eu prometo fazer da gente o que você quiser. Eu prometo fazer dar certo.
   E quando ela o beija em resposta, quando ela se inclina, quando ela o imprensa contra a parede com os quadros que ele nunca viu, por que ela mesma pintou, ela também sussurra, ela também sente a pele gritar todas as letras no desejo que ela não sabe mais conter, por que ele simplesmente a enlouquece: eu te amo, porra. 

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