- O que você
está fazendo?
Ele
pergunta, meio assustado, meio sem palavra.
Ela nem
pisca.
- Estou me
embalando em dor, o quê mais?
E ele
suspira, subitamente cansado.
- As vezes
eu me pergunto por que você insiste em ficar revisitando velhas escolhas,
antigos sorrisos e todos esses lugares dentro do teu peito que te machucam. Por
que você insiste em se perder onde eu não estou.
- Talvez a
questão seja justamente não te encontrar.
- É isso o
que você esconde, então? Que, na verdade, não me quer?
- Eu nunca
escondi isso de você. Nunca fiz nada além de te dizer o que eu não queria. A
culpa não é minha se você é afeito a nutrir esperanças vãs e esperar o abrir de
portas fechadas. O abrir de paredes.
- Então
agora a culpa é minha?
- Pela sua
decepção? É claro que é.
E ele fica
em silêncio, guardando as palavras e a dor que é pra ver se aprende alguma
lição (ele não está confiante).
- Eu nunca
te disse para esperar. Eu nunca disse talvez
depois. Eu disse não.
- Eu só...
se eu insistisse, eu...
- A resposta
continua sendo não. Você sabe disso. E quando você começou a namorar achei que
tivesse seguido em frente e que nós finalmente poderíamos ser apenas amigos.
- Eu também.
– Ele admitiu. – Mas, depois que acabou, eu só pensava em você.
Ela revira
os olhos, claramente desgostosa com a resposta.
- Eu não
quero ser seu calcanhar de Aquiles.
- Não acho
que você tenha escolha.
Ele
resmunga, e ela estreita os olhos.
- Na
verdade, eu tenho.
- É mesmo?
A voz dele é
puro deboche. Ela não responde de imediato, olhos fechados, como quem pesa suas
opções. Ele não gosta do ar resoluto que ela exibe.
- Eu não
quero mais ver você.
- O que?
- Não quero
mais falar com você. Chega de chat, de e-mail, de mensagem, de ligação as duas
da manhã. Não é sadio pra você e me deixa irritadíssima.
- Você nunca
pareceu irritada.
- Não é a
ligação que é o problema. É você. É o seu motivo pra ligar.
- Não seja
ridícula.
- É isso
mesmo. Estou cortando nossos laços, feito criança. Por que você não quer ser
meu amigo e eu não quero ser nada além disso, então não faz sentido nenhum
continuar isso aqui. Soa até fingido. Cheio de segundas intenções, de desejos
que não vão se realizar.
- Isso não
faz sentido nenhum. Nós temos
amigos em comum, sabe. A gente vai se ver, queira você ou não.
- Se
acontecer da gente se encontrar, o que eu duvido, por que nunca acontece, existe
um contrato social chamado cordialidade. Nós podemos usá-lo.
Ele a
encara, abobado, e ela não exibe nada além de certeza. A resolução dela assenta
em sua mente, seu peito, e ele suspira. Ele sabe que ela não vai mudar de
ideia.
- Tem
certeza?
- Absoluta.
- Então, é
isso? Eu simplesmente tenho que te dar adeus e nunca mais te ver? Todos esses
anos, as conversas, os segredos, as verdades, tudo morre?
- É.
Ela concorda
tão rápida e facilmente que por um segundo estranho em que ele se magoa, ele
acolhe essa como a melhor opção: ela é tão egoísta, afinal de contas. Ela só o
magoa, desde o começo. E ele só fez amá-la mais, como o bom idiota que é.
Ele sacode a
cabeça, sabendo que provavelmente vai ligar pra ela de novo, que vai pedir para
vê-la de novo e que ela, mais cedo ou mais tarde, vai acabar cedendo, esquecendo
a separação, desistindo pela necessidade de um ombro amigo. Ele a conhece bem e
ele sabe esperar (e ele se odeia por ainda acalentar essa esperança).
Mas, por
hora, eles precisam dizer adeus e ele não sabe como se despedir.
Ele está
tentado a dar-lhe um abraço, a guardar um pouco mais dela nos pulmões, dessa
vez, mas ela acha melhor dar um passo pra trás, no final, das contas.
- Eu vou por
ali. – É tudo o que ela diz, os olhos sem a sombra de qualquer hesitação ou
dúvida, sem dor ou lágrimas. Ela não o ama, ele sempre soube, mas ver a
ausência nos olhos castanhos que ele adora é sempre um pouco mais problemático
do que devia. Dói sempre um pouco mais do que o aceitável.
Ele
finalmente concorda com a cabeça e indica outro caminho qualquer que ele mesmo
vai seguir calçada afora. Se separam em passos rápidos, sem olhar pra trás.
E assim
silenciosa e reticente, esperançosa e cheia de um futuro que nunca será, morre
sua amizade.