28 junho 2010

A outra.

Eu andei devagar até a porta da frente, pé ante pé com o coração nas mãos e o medo de acordar as vidas que ali viviam. Medo que não devia ter.
Eu ainda não sabia bem o que devia fazer ali, onde não era bem vinda. Na verdade, ali me desconheciam. Ali não deveriam saber da minha existência. Mas eu queria. Desejava, do fundo do meu coração, ser descoberta.
Eu queria bater à porta, acordar a mulher e lhe contar minha história. Eu, teoricamente, fora ali para isso. Eu caminhara por todas as ruas que iam da minha casa até ali, do meu ninho até aquele lar, apenas para isso. Eu queria quebrar as vidraças e gritar o nome do homem que me arrancara o juízo até que o mundo entendesse que ele era meu, mais que de outros, por que me fizera outra.
E eu queria uma cena, queria que a máscara se desfizesse e caísse, se estilhaçasse. Eu queria ouvir gritos e descorrer sobre o prazer. Eu queria falar do meu amor e desdenhar do dela, o falho.
A falha que eu queria. Por que eu queria mais que apenas o deleite. Eu queria a verdade que eu não tinha. Mas não podia.
Eu não tinha o direito.
Eu era apenas a outra.

23 junho 2010

Poliester.

Tudo o que eu ainda tinha de você era aquela camisa rasgada, cheia daquele seu cheiro. Eu já perdera todo o resto. Esquecera dos seus olhos, do seu sorriso. Esqueci o tom de voz que você usava pela manhã. Esqueci seu endereço, seu telefone. Seu nome. Esqueci a cor dos seus carinhos, esqueci a sensação dos seus lábios sobre os meus. Do seu corpo sobre o meu. Esqueci o mundo que era o meu mundo ao seu lado. Esqueci por que quis. Por que precisei. Esqueci até perder. Esqueci pra sempre.
Mas aquele cheiro... Aquela camisa impregnada de você, aquilo eu jamais poderia esquecer. Aquela camisa era o resto de nós, a sombra de você e o único traço de minha memória que eu não expulsei. Aquilo é tudo o que eu me permito admitir que ainda é amor entre nós. Aquilo, aquela camisa, é tudo o que eu tenho. Pra sempre.

16 junho 2010

Amelie.

A pequenina Amelie estava tão doente que quase já não levantava da cama. Os lençóis brancos pareciam-lhe parte do corpo, o travesseiro já parecia moldado à cabeça. O ursinho de pelúcia era sua única companhia constante. Ficava dia e noite sobre a cama, mas longe dos braços magros que queriam abraçá-lo com toda a pouca força que detinham. Mas nem isso Amelie podia. A febre, os espirros, a saúde fragil. Não, ela não podia tocá-lo. Ela não podia, sob circunstancia alguma, respirá-lo.
Os cabelos loiros caiam pelo travesseiro, sem vida. O sorriso, outrora tao presente, esmorecia mais a cada dia, e até mesmo o Sol parecia desanimado quando entrava pela janela do quarto da pequena. As paredes respondiam a ele amarelas, tristes, como quem esperavam um desastre, uma desgraça.
Os pais adoeciam com ela a cada dia, a cada espirro e a cada tarde em que a pobrezinha ardia de febre. A mãe chorava tanto que secava por horas e o pai, homem forte, já perdera mais de 3kg, apenas caminhando pela casa, perdido.
Rumo era a ultima coisa que qualquer um naquela casa tinha.
Até o cachorro da familia parecia desanimado.
O ar era pesado pelas escadas, o silencio era triste pelos comodos. Ninguem tinha confiança, ninguém detinha em si um único raio de esperança pelos cabelos loiros da pequena enferma.
Apenas uma pessoa ainda acreditava: o unico que tinha permissão para visitá-la. O menino, Austin, vinha todos os dias vê-la. As vezes, a observava dormir, as vezes conversava com ela. Quando tinha sorte, Amelie sorria. E Austin ia embora feliz.
Austin vinha, todas as tardes, para trazer sua flor. E a depositava, brilhante, sob a cama da menina. E, pouco a pouco, a cama se encheu delas.
E no pé da escada, na rua, todos os dias, mais flores. Amarelas, rosas, brancas.
Flores, múltiplas e coloridas. Vivas.
Os passantes, os amigos, as vizinhas, as doces senhoras da Igreja da esquina, todos deixavam-lhe flores todos os dias.
E na manhã de domingo, quando Amelie abriu os olhos, viu se cercada por elas. Flores, radiantes, por todos os lados, tomavam seu corpo frágil ao invés do abitual lençol amarelo opressor. E, naquela manhã, Amelie teve esperança.
E desceu as escadas engatinhando, como um bebe, enquanto os pais dormiam.
E sorriu para o cachorro, e sorriu para as paredes, que lhe respondiam com seu silêncio mais orgulhoso.
Amelie sorria.
Caminhou devagar até o hall.
A porta se abriu.
E só haviam flores.

13 junho 2010

Muse


"You trick your lovers that you're wicked and devine
You may be a sinner
But your innocence is mine."
Muse - Undisclosed Desires

07 junho 2010

Aquele meu velho amigo.

E de repente o meu melhor amigo não é mais meu.
É dela.
E aquela dor que eu sufoquei por tanto tempo, que eu já tinha certeza de ter enterrado, volta pra mim. E eu não tenho certeza se eu consigo pensar claramente, eu não sei nem se eu quero pensar claramente. Não quero de verdade ser capaz de ver tão nitidamente as imagens do futuro, as imagens que a minha mente já viu e que me força a repetir diante dos olhos vezes incontáveis.
Eu tenho consciencia que não pedi demais. Tenho a certeza que não sonhei mais alto do que eu podia saltar, tenho certeza que era alcançável. Você estava ali, tão perto, tão tocável. E então sumiu, como fumaça entre meus dedos, como ar.
E enquanto eu me lamentava por ter só a mim mesma para abraçar, enquanto eu chorava pela triste realidade de nunca te ter, você sonhava com aquela que eu passei a abominar por culpa única e exclusivamente sua. E do medo, medo que eu ainda tenho, de te perder pra sempre.
Mas, por quanto tempo?
Quanto vai ser necessário para eu aprender e entender que não tenho direitos de você? Por quanto tempo eu vou me calar até conseguir falar porque eu já não aguento sua companhia? Por quanto tempo eu vou ter que acalentar você até te abandonar? Por quanto tempo essa dor ainda vai ser amizade?
Não é uma pergunta assim tão dificil. Não é realmente.
Entao, por favor, só me diga... Por quanto tempo?

05 junho 2010

Adeus.


- Foi-se o tempo em que eu confiava em você.
- É uma pena. - Ele disse, o tom de voz quase sentido.
- Não, não é não. - Ela disse, inflexivel.



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