24 março 2010
Marias-Chiquinhas.
E ela ia ficando pra trás, presa na sua quase-infância. O sorriso que me chamara a atenção de inicio ia acabando aos poucos, esmorecendo, minguando até sumir. Eu podia ver, sentada de lado no meu banco, como o mundo exterior a afetava cada vez menos. Como a cada segundo ela se importava menos com ele, abandonada, e ele fazia o mesmo com ela. Os companheiros estavam lá, ao seu lado e ao redor dela, envoltos em gargalhadas e brincadeiras, beijos, abraços e toques. Mas ela estava alheia, como que pertencente a outro mundo, os olhos depressivos e as marias-chiquinhas balançando com os solavancos suaves do onibus. E o vento, ah o vento. Fazia seus olhos se encherem de lágrimas. Algumas até escorriam.
Era doce para meus olhos, mas de algum modo sofrivel. Uma adorável cena preto-e-branca que deveria ser registrada por toda e qualquer forma de vida. A melancolia da menina que não conseguia crescer. O suave desenvolver da gota d'agua sobre o rosto claro, palido, cheio de pequenos sonhos de juventude. A meiga e cruel consequência de não fazer parte do tempo certo, do próprio tempo.
Os outros nao notaram sua felicidade, sempre cândida, se esvair. Não lhe dirigiram palavra, toque ou mesmo olhar. E ela, criança solitária em sua adolescencia, tampouco. Ignorava-os para dar atenção as suas lágrimas silenciosas e rápidas, transparentes, principalmente aos olhos amigos. Mas eu não era sua amiga. Eu a percebi.
Talvez não fosse, afinal, o vento que a fazia chorar. Talvez não fossem os solavancos que lhe sacudiam os cabelos, o corpo. Talvez ela nao percebesse que nao deveria ser mais criança. Talvez ela não fosse. Talvez milhões de hipoteses explicassem suas lágrimas. Talvez eu não devesse olhá-la, talvez ela não devesse chorar. Talvez. Milhões de talvez.
#maybe alguma coisa para o trabalho de Teoria da Percepção. Mas acho que já desisti dele.
15 março 2010
Meu Primeiro Amor.
Ele correu até a casa decidido, sem nenhuma duvida sobre o quê fazia. Adentrou o quintal facilmente, ultrapassou a varanda e bateu a porta não uma, mas três vezes, com a mão firme. Estava certo. Pelo menos, até abaixar o braço, colando-o de novo ao corpo. Nesse momento, entrou em pânico.
Talvez desse sorte e ela não estivesse em casa. Mas se lembrava de ter visto as janelas abertas, então ela obviamente estava lá. Pensou em correr o caminho de volta, mas não teve tempo; antes que tivesse a chance, ela abriu a porta. Ele gelou.
Piscou duas vezes enquanto absorvia a imagem de pé na porta. Não se lembrava de Becky sendo tão bonita. O cabelo castanho estava solto, como sempre ultimamente, e isso a deixava ainda mais incrível. Era estranho estar frente a frente com ela agora. Ele perdeu as palavras por um momento e os olhos buscaram um ponto seguro pra mirar. Escolheram os tênis dela. Ele passou então a encarar o allstar vermelho como se fosse algo de incrivelmente interessante. Como se nunca o houvesse visto antes.
- Er... oi.
Ela estranhou.
- E aí, Jr?
- Tudo bem. – Ela fez que sim com a cabeça, como quem concorda. Ele não prestou atenção, embora a olhasse. Talvez o certo seja dizer que os olhos dele estavam voltados pra ela. – Você... como você está? Seu pai falou que você não quis ir ao treino, então pensei que...
- Bem, eu estou bem, quero dizer, normal. Estou usando saias, o que é decididamente estranho, mas estou legal.
E olhar dele automaticamente se desviou para as pernas dela. Ele se perguntou se era normal achá-las bonitas. Quase corou com o pensamento, e não foi capaz de levantar a cabeça novamente. Os olhos voltaram ao allstar vermelho dela – de novo.
- Os... garotos estavam perguntando se você vai voltar ao time. Sabe como é, você é muito boa.
Becky segurou um suspiro e se deixou escorar no batente da porta. As mãos percorreram rapidamente os cabelos, num gesto novo e desconhecido dela. Foi tão rápido que Jr. nem tinha certeza se acontecera mesmo. Não parecia certo nela. Ou pelo menos, não devia parecer. Mas ele só conseguia pensar no quanto o gesto caia bem nela.
- Os garotos...
Ela disse, e o tom descontente da voz dela o fez levantar os olhos. A expressão no rosto era quase a mesma da voz, descontente e quase raivosa. Era fácil perceber que ela não estava satisfeita.
- Eu... acho que eles estão sentindo a sua falta, você sabe.
- Os garotos. – Ela repetiu, no mesmo tom. – Bem, eu sempre posso visitá-los. Não é como se eu não soubesse onde todos eles moram.
- Eu acho que você devia voltar. – E ela o olhou com os olhos grandes e ele gaguejou. – Pelos garotos, e pelo seu pai também. E tem o seu tio. Todos eles estão, você sabe, contando com você.
- Na verdade, acho que não. Agora que o papai e o tio Kevin se juntaram, vão ter um monte de garotos para ocupar a minha vaga no time. – Ela disse, a cabeça novamente encostada no batente.
- Eles não vão ser tão bons.
- Bem, é claro que não. – Ela riu e ele deu alguns passos pra trás, procurando apoio. Se sentou na mureta da varanda, ainda absorvendo a explosão que o riso dela fez no seu cérebro. Ela não pareceu perceber. – Mas vou estar vigiando para garantir que a qualidade não caia muito.
- Mas eles não vão ser, você sabe, você.
- Como você é bom observador, Júnior.
Ele quase riu.
- Eu só acho que seria mais divertido se você estivesse lá.
- Eu vou estar lá, na verdade. Na torcida, como as outras meninas.
- Não é a mesma coisa. – Ele reclamou. – E você não é como as outras meninas.
Ela deu alguns poucos passos e se sentou ao lado dele, sem conseguir conter um suspiro. As mãos se abriram sobre a madeira, quase que segurando-a. O que não fazia sentido, já que Becky escalava a pilastra desde que tinha quatro anos. Não, ela definitivamente não corria o risco de cair. Não dali, pelo menos.
- Talvez esse seja o meu problema. – Ela disse a meia voz. – Talvez eu devesse. Ser como as outras garotas.
- Eu não acho que você precise parecer com elas.
- Aí é que está... eu quero.
E ele a olhou, meio de lado, quase surpreso. Ela estava ali, tão perto, que ele podia contar as sardas no rosto claro, a mão dela a centímetros da dele. E dali ele a via tão perfeita que não podia entender por que ela queria ser como qualquer outra.
- Mas não se preocupe com isso. – Ela disse, depois de um silencio estranhamente constrangedor. – Eu não acho que vá mudar radicalmente. Então não saia da linha, porque eu sempre vou ser a icebox, pronta pra acabar com você a qualquer hora.
E ela saltou da mureta para o chão delicadamente, fazendo o cabelo ondular atrás de si. Junior piscou de novo, perdido por alguns segundos. Ela virou pra ele, sorrindo de leve.
- Bem, é isso.
- É, é isso sim.
Ele confirmou.
E Becky lhe deu as costas, para dar os poucos passos de volta a sua porta. Ao perceber , ele agiu por impulso. As duas mãos seguraram a dela que ficara pra trás, virando-a, e dos lábios dele saiu um tímido “Espera”. Ela paralisou.
Os olhos deles se encontraram e ela sentiu o rosto esquentar, mas foi incapaz de fazer um movimento. Talvez fosse por que as mãos dele fossem quentes na dela, ou por que elas se encaixavam perfeitamente e ela não quisesse quebrar aquele contato. De qualquer modo, ela permanecia estática com a mão entre as dele, ouvindo o coração sair completamente do ritmo e se deixando perder no azul claro que coloria os olhos dele.
E ela não sabia por que diabos estava tão tensa, mas podia quase sentir os cabelos loiros dele refletindo nos próprios olhos castanhos. E mais que nunca, Jr. se parecia com os príncipes das histórias que a mãe contava quando ainda era viva. E ela não sabia por se sentia daquele jeito, já que mesmo com Junior, nunca havia sido tão intenso. Ela tremeu.
E ele só conseguia pensar em como era bom tê-la por perto. Os olhos dele estavam dentro dos dela, e ele registrava como castanho era lindo. Afinal, tudo nela era castanho; os cabelos, os olhos, as sardas. Uma explosão castanha bem diante dos seus olhos, segura em suas mãos. Ele não queria soltá-la nunca mais.
Desceu da mureta ainda segurando sua mão, e deu alguns passos até quase encostar o nariz no dela. Ele podia sentir a respiração quente dela, tão acelerada quanto a dele. Não tinha certeza se o coração que escutava era o dela ou o dele, mas era alto o suficiente para se fazer ouvir pelo outro. Ele não se importava. Reuniu alguma coragem para sorrir. Ela corou.
- Uma vez... – Ele começou. – Você me perguntou se fosse como as meninas da torcida eu ficaria assim com você.
Ela concordou com a cabeça, relembrando a tarde constrangedora em que tiveram tal conversa, meses atrás.
– Bem, a resposta é não. – Ele continuou, e os olhos dela se arregalaram. – Eu gosto do jeito que você é. Você é melhor que todas elas. – E ela sorriu. – E é só com você que eu quero ficar assim.
E ele não disse mais nada. Os lábios inexperientes se buscaram e se encontraram sozinhos, como que predestinados. E quando se separaram sorriram, como crianças que descobrem o primeiro amor. Eles o eram.
E naquela tarde, não disseram mais nada. Não foi preciso. Eles só sentiram. Pela primeira vez.
13 março 2010
Talvez Romance.
Pra garotas românticas que não sabem o quê esperar, os planos são sempre muito importantes; eles ajudam a controlar o nervoso, mesmo que se saiba que sempre, na hora H, todos eles vão por água abaixo. Nada de camas macias, flores, velas e muitos lençóis; apenas um e o outro e o céu. Talvez assim seja melhor, no final das contas. Talvez ainda mais romântico que o plano original.
Era pra ser só um inocente passeio na praia, uma escapadela rápida daquela festa de aniversário lotada ali perto. Tudo bem, talvez não fosse tão inocente. Mas posso jurar, não havia planos maiores quando começaram as passadas. Só o passeio.
E então vem o frio, os abraços, os beijos. E não depois de uma eternidade deles, os sorrisos. E ainda que ele parecesse um pouco bobo, eu sabia bem, quase sentia, que ele não o era. Era puro charme. Ele sempre começava assim. E não demora muito e ele começa a olhar diferente também. E o sangue corre pro rosto, por que tremo só de pensar que eu sei o que ele quer. O que eu quero.
E começa assim. Devagar, pausado, como se o mundo pudesse esperar. Mas os beijos, as mãos, e mesmo os corpos não nos deixam enganar por muito tempo: é preciso mais. Isso está claro até mesmo (ou talvez principalmente) nos atos. Nos sons e palavras jogadas no vento não mais tão gelado da noite.
E o mundo fica mais intenso a cada segundo, até que eu perca a consciência dele e tome de outro. E aderindo ao maior dos clichês, um mundo novo e inexplorado, super colorido, quase brilhante se expande diante de mim. No meio de mim. Decididamente extasiante. E lá tudo gira sem pausas até parar n'alguma grande explosão, trazendo minha consciência de volta ao seu país (e corpo) de origem.
E então as palavras somem e algum carinho inocente vai ocupar espaço nas nossas mãos, que vão se entrelaçar quando nossos corpos se re-organizarem na areia nua. Talvez tudo se entrelace e não haja espaços.
E não vão haver palavras pra descrever. Apenas a lua, as estrelas e algum romance.
Era pra ser só um inocente passeio na praia, uma escapadela rápida daquela festa de aniversário lotada ali perto. Tudo bem, talvez não fosse tão inocente. Mas posso jurar, não havia planos maiores quando começaram as passadas. Só o passeio.
E então vem o frio, os abraços, os beijos. E não depois de uma eternidade deles, os sorrisos. E ainda que ele parecesse um pouco bobo, eu sabia bem, quase sentia, que ele não o era. Era puro charme. Ele sempre começava assim. E não demora muito e ele começa a olhar diferente também. E o sangue corre pro rosto, por que tremo só de pensar que eu sei o que ele quer. O que eu quero.
E começa assim. Devagar, pausado, como se o mundo pudesse esperar. Mas os beijos, as mãos, e mesmo os corpos não nos deixam enganar por muito tempo: é preciso mais. Isso está claro até mesmo (ou talvez principalmente) nos atos. Nos sons e palavras jogadas no vento não mais tão gelado da noite.
E o mundo fica mais intenso a cada segundo, até que eu perca a consciência dele e tome de outro. E aderindo ao maior dos clichês, um mundo novo e inexplorado, super colorido, quase brilhante se expande diante de mim. No meio de mim. Decididamente extasiante. E lá tudo gira sem pausas até parar n'alguma grande explosão, trazendo minha consciência de volta ao seu país (e corpo) de origem.
E então as palavras somem e algum carinho inocente vai ocupar espaço nas nossas mãos, que vão se entrelaçar quando nossos corpos se re-organizarem na areia nua. Talvez tudo se entrelace e não haja espaços.
E não vão haver palavras pra descrever. Apenas a lua, as estrelas e algum romance.
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