04 janeiro 2013

Esperança



O convite para a festa de ano novo aparecera no ultimo minuto e, sem nada para usar e sem vontade nenhuma de passar a virada usando roupas velhas, passara a mão no vestido que a mãe lhe dera de presente de natal – que ela detestara – e o vestira de qualquer jeito, com pressa, entrando no elevador aos saltos enquanto encaixava nos pés os sapatos com os quais romperia o ano novo.
Mal pisara na festa, no entanto, se arrependera: o vestido era verde, maior do que ela tinha costume de usar, com um decote muito baixo na parte de trás e não tinha, de modo geral, muito a ver com ela - ela não estava em nada se achando atraente. E lá do outro lado estava o tormento de todo o seu ano velho: usando branco, parecendo sensacional e com os olhos mais azuis do mundo brilhando para ela, ainda parada na porta do salão, repensando seu armário.
E ela o evitara o quanto pode durante toda a noite, pulando de grupo em grupo, bebendo com desconhecidos, dançando musicas novas e antigas que faziam seu corpo vibrar uma felicidade nova e quase desconhecida de fim de ano. E na hora da virada ela suspirou bem fundo e gritou pro céu junto com aquela pequena massa de pessoas adoráveis, disposta a deixar tudo pra trás, a tentar tudo novo (de novo),  a fazer parar as lágrimas que escorriam sem motivo e a sorrir mais, sem razão, com vontade, sem hora ou lugar. E mal comemorara, virara sua taça e dera seus abraços, sentiu os braços dele em volta da sua cintura, a voz familiar mergulhando em seus sentidos, os desejos clichês de feliz ano novo ecoando pelo peito adentro. Ela sentiu o coração resistir e se viu preparada para abrir mão do instinto adolescente, se viu feliz, se viu satisfeita e pronta para olhá-lo nos olhos. Era ano novo e era hora de dizer adeus. Era hora de dizer nunca mais pros desejos secretos que lhe habitavam a alma, e não os atos, durante todo o ano anterior – agora era tudo passado e ela seguiria em frente. Girou no abraço para encarar o azul perturbador e intenso.
- Feliz ano novo, princesa! – Ele disse no apelido e voz familiares, e ela sorriu sincera, retribuindo o comprimento. – Não consegui falar com você a noite toda.
- Muitos conhecidos. Conversei com muita gente.
- Você estava fugindo de mim, isso sim. Nem consegui apresentar você aos meus amigos. Eu trouxe os caras do trabalho...
- Bem, você pode me apresentar a eles agora... – Os olhos dele brilharam demais por um milésimo de segundo, tão rápido que ela pensou ter imaginado, como quem avalia e gosta do que vê.
- Não é importante.
E ela revirou os olhos, por que era desses pequenos comentários que seu coração se alimentava, vez ou outra, desses pequenos mimos que a faziam sentir como a única coisa que merecia a atenção dele no mundo todo. Ela o detestava quando ele a fazia se apaixonar um pouco mais.
- Bem, você que disse que...
- Você está linda. – Ele interrompe enquanto ela sorri, sem acreditar. – E você está duvidando.
- Eu não gosto do meu vestido. Não consigo imaginar por que alguém mais gostaria.
- Mas é bonito. E está ótimo em você. – Ele diz e, tomando uma das suas mãos, faz com que ela dê uma volta para que ele a examine melhor. Se demora um pouco a mais quando ainda está de costas. – Definitivamente ótimo.
- Pare de checar a minha bunda, por favor. É ano novo, você deveria cultivar hábitos melhores.
- Bem, então você não deveria usar vestido que... – Ele se interrompe. – Bem, na verdade, eu gostei da cor.
- É verde.
- Exatamente, verde! E já que é assim, te desejo muita esperança...
- E eu lá quero esperança? Já cansei de esperar. Eu quero mais desse ano, eu quero que aconteça. Já deu de mais de ser paciente. Deu demais e não deu em nada.
 Ele ficou em silêncio por um segundo.
- Bem... então...
- Então?
- Então... que aconteça?
 Ela o olhou por outro segundo inteiro, que se arrastou por eras, se arrastou por um ano, se arrastou por todo o momento em que ela reparou que, por mais que não quisesse mais esperar, ali estava ela, esperando dele que percebesse que era hora de acontecer. Suspirou.
- Eu não aprendo.
Ela se censurou, o coração dançando no peito enquanto ele a olhava confuso, a expressão tão deliciosamente perdida que ela se perguntou se ele fazia de propósito. E ela se deu conta de que estaria para sempre esperando que ele a notasse, que a amasse, que a tomasse para sempre. Suspirou, indignada consigo mesma.
- Eu nunca mudo.
- Não entendi.
- Você não precisa.
 Foi tudo o que ela disse antes de colar os lábios de champagne nos dele, de unir as mãos, os corpos, os dedos nos cabelos e as mãos dele pela cintura e o paraíso no abraço em minutos que levaram meses. E quando ela se separou dele ainda não era meio de ano, era meia noite e meia e parecia diferente, era diferente, e ela se prometeu ali mesmo não mais esperar nada dele. Ela se prometeu ali dar dois passos pra trás e procurar outro lugar, outro alguém, alguém que não fizesse dela alguém cujo peito transpirasse esperança. Esperar não faz bem pro peito não. Esperar a impedia caminhar.
- Uou.
É tudo o que ele consegue fazer sair, a testa colada na dela, a respiração meio falha, o sorriso meio indecente, meio contente, meio surpreso.
- Aconteci. - Ela diz, simplesmente.- Depois de um ano, aconteci.
- Você está há um ano pra me beijar? Por que eu tenho certeza que já fizemos isso antes.
- Não.  Estou há um ano pra fazer isso direito. Pra fazer significar alguma coisa.
- Você devia ter feito antes, então. Bem antes. Bem, bem antes. Lá-no-primeiro-dia-antes.
Ele diz, inconformado, os lábios passeando pelo pescoço, pelo ombro, pelo rosto. Os braços dele ainda envolvem a cintura fina no vestido verde e ele não parece disposto a deixa-la partir, embora ela esteja pensando que é sua chance de ir agora, que é o momento de deixá-lo para trás, de deixar de esperar. (É que secretamente ela ainda o deseja para sempre, entre os braços, entre os lábios, entre os dias e noites e todos os anos, mas não quer mais desejar ou acreditar que pode acontecer). Ela não quer mais ansiar que ele venha e a tome e leve para sempre. O nome disso é amor platônico e ela não tem 15 anos há anos, e isso não parece correto, não sente correto e a deixa meio adolescente. E convenhamos, quem quer ser adolescente de novo quando já se é jovem e está no topo?
- Não teria significado nada no primeiro dia, do mesmo jeito que não significou nada depois dele. Como você mesmo acabou de dizer, nós já fizemos isso antes.
- Você devia ter feito desse jeito. Você devia ter posto seu coração na coisa.
- Cala a boca. Por que você não fez? Por que você não pôs o “seu coração na coisa”?
- Eu nunca achei que você fosse da minha liga. Você é completamente diferente das mulheres que eu... Você é outro mundo. Muita areia, sabe como é.
- Cala a boca.
- Mas você é.
- Sério. Cala. A. Boca.
Ele ri.
- Mas o que é isso? Me beija e não me deixa falar? Fala sobre significar alguma coisa e...
- Significa alguma coisa agora por que nós somos amigos. E aí deixa de ser apenas alguns beijos. Não é mais um rolo de ano novo. Pelo menos pra mim, de qualquer forma.
 Ele afasta o rosto um pouco para olhá-la melhor, as mãos ainda tomando a cintura macia.
- Eu nunca levei a gente na brincadeira.
- Você também nunca me levou a sério.
- Isso não é justo.
- Eu não estou culpando você. Eu nunca fui clara. Eu nunca sou. E eu provavelmente nunca vou ser, por que eu não consigo me convencer de que esse é o meu papel. E esse foi o problema. Eu esperei você. E você nunca chegou.
- Eu estou aqui agora. E você também. Não é o importante?
E ela fica em silêncio como quem se mede, como quem se define, se convence. Ela hesita e ele percebe, mas é a vez dele ser paciente, de esperar. Ele também a quer, afinal de contas.
- É o importante. Hoje.
- E amanhã. E depois. Eu ainda vou estar aqui. E você aí.
- Amanhã ainda é longe. Falar de amanhã torna tudo...
- Uma questão de confiança.
E ela o encara e sente tudo o que ela é sacudir e ela sabe que o que está em jogo aqui é continuar ou não no caminho incerto que a trouxe até essa adolescência fingida que fazia o coração sacudir. Ela suspira.
- Por que você faz essas coisas? Eu não acabei de falar que eu não quero mais esperar? Que eu quero que aconteça, que eu quero mais do que me sentar e vê se dá certo?
- Então esse é o seu momento. Faz acontecer. Confia em mim.
E ela sabe que ele tem razão e quer afastar os olhos da certeza dele, mas não consegue, por que o azul dele sempre foi carcereiro, enlouquecedor e poderoso demais no castanho-escuro gentil que ela exibe discreta, doce e suavemente. Ela sacode a cabeça.
- Eu vou me arrepender, não vou?
- Não vai. Você sabe que não vai.
- Não, eu não sei. Esse é o problema. Eu apenas posso esperar que não me arrependa. E acredite em mim; eu passei muito tempo brincando de esperar e é um saco.
E ele aproxima o rosto novamente, os lábios pousando suaves nos dela, o sussurro audível apenas para ela, como tem que ser, como sempre é com eles.
- É um ano novo. Não tem nada de errado com um pouco de esperança. –E ela não consegue evitar sorrir sob os lábios dele, por que ela sabe que ele não está errado (embora deteste pensar nessa verdade). – E não tem nada de errado com um namorado também.
E os olhos dela se alarmam e o corpo tenta se afastar para encará-lo melhor como que por reflexo, mas os braços dele são correntes que a mantém exatamente onde estão, e ele aproveita os lábios entreabertos da surpresa para tomá-la em beijos de novo, mais uma vez e ainda uma outra antes que se dê por satisfeito.
Os olhos dela se mantêm fechados enquanto ainda presa no abraço acolhedor e familiar do amigo-tormento-do-ano-velho-novo-suposto-namorado-do-ano-novo.
- Muito bem. Estou novamente no jogo da esperança. Sou um patinho no lago esperando para ser abatido.
- Não se preocupe, serei um bom guardião do lago.
- Cala a boca.
Ele ri e deposita um beijo suave no ombro da mulher entre seus braços.
- Bem, eu ainda estou disposta a conhecer seus amigos. De acordo com o seu jogo da esperança, é um ano novo e eu posso arrumar um namorado entre eles.
- Xiu. – Ela ri. – Você é minha. E é por isso que a gente se conhece há mais de um ano e você nunca encontrou com nenhum deles.
- Achei que eu fosse muita areia pro seu caminhãozinho.
- Bem, a esperança é a ultima que morre.
E ela encara os olhos azuis que tanto adora e ri, e a gargalhada se perde na felicidade e no ritmo da festa e é ano novo e tudo bem esperar. A esperança é o que mantém a gente de pé, no final das contas. A confiança é o que leva a gente mais longe. O segredo é acreditar que a gente pode fazer. E aí as coisas dão certo. Dão certinho.

Feliz Ano Novo!
01-01-2013

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