E ela sorri enquanto encara o relógio, o pensamento a mil
eras de distância. Era tudo tão diferente na linha do tempo dela, tudo tão azul
e cheio de estrelas, como num desenho feito a lápis por crianças cheias de
sonhos. Ela costumava sonhar também. Costumava deitar no quarto que tinha uma
constelação no teto, enrolada naquele cobertor infantil do Snoop, tentando
arrancar sentido daquelas coincidências que a faziam se sentir tão viva. Ela
adorava fingir que os encontros e desencontros e nomes na parede eram obra do
destino, como se alguém a guiasse em direção ao desconhecido. Era uma boa
fantasia. Daria uma boa realidade.
Mas nada era assim tão bonito, tão perfeito, tão arquitetado
para fazê-los existir juntos. Eles se encontraram uma vez no tempo, e acabara
rápido, como uma explosão, e se criaram mil estrelas e constelações e ondas
coloridas de gases espaciais que faziam o céu parecer o paraíso, um sonho
acessível para todos que olhassem de longe. Mas ela nunca mais poderia tocar as
estrelas. Sem ele, não. E ela nem tinha
vontade, sem ele. Ela só tinha vontade dele.
E ela sentia tanta falta dos olhos castanhos enormes, do
cabelo que apontava pra todas as direções, do sorriso que tomava todo o rosto e
o fazia parecer um príncipe encantado, de olhos apertados, aquela expressão de
felicidade que a faria cruzar o mundo, sem questionar. O que era mentira, é
claro; ela fazia mil perguntas, dava mil caretas e estrelava as maiores
discussões, nunca brigas, que os fazia rolar no chão, o som ecoando pela sala
enquanto compartilhavam as maiores risadas, as mais intensas, mais verdadeiras.
E então eles se olhavam e ela corava, e eles corriam, mãos dadas, em direção a
uma aventura que nunca acabava. Ele e ela, juntos, como devia ser.
Mas aí tudo acabava, tão rápido como começara. Um piscar de
olhos e ele se fora, arrancado do seu toque sutil, jogado num mundo onde ela
não existia mais. E ela ficava pra trás. Ela ficava pra outro tempo e espaço.
Outro mundo. Sem ele, na vida que ele nunca poderia ter. E aí eles eram só lembrança,
história, matéria-prima de lendas, de sonhos, do ato de saltar mais alto e
tocar o céu. E quando ela olhava pra cima e suspirava, sentindo falta do cheio
de estrelas no café da manhã e na mão que encaixa na dela oh, tão perfeitamente, ela
por vezes se deixava sorrir, porque sabia que, cedo ou tarde, ela o veria de
novo, não importava o que ele dissesse a respeito. Ela faria diferença e
viveria melhor, uma vida melhor, que significava mais. E ela ficaria com ele
pra sempre. Ela prometera, afinal.