E enquanto
minha cabeça pesa sobre o travesseiro, a inconsciência cada vez mais próxima,
ainda consigo escutar sua voz dizendo uma porção de besteiras. Se tivesse
forças, se tivesse um mínimo de energia, poderia dar uma risada, levantar a
cabeça e te olhar nos olhos, mas não consigo. É tarde e eu estou cansada. Vai
ter que ficar pra amanhã. Pra outro dia.
- Ah, não,
você está pegando no sono!
Sua voz me
acusa. Eu sorrio e me mexo de qualquer
jeito, só pra deixar claro que ainda estou consciente – apesar de por pouco
tempo. Sua voz parece feita de paraíso quando você pergunta:
- Você que
quer desligar?
- Fala
comigo.
Eu peço, sem
falsa carência. Sempre te quero um pouco mais.
- As vezes
eu acho que você abusa de mim.
Você me diz
e eu rio, de verdade, por que eu sei que acontece. Você é muito bom, e eu
sempre me deixo levar nos meus pedidos, nas minhas vontades. E você me deixa,
vai junto, embarca comigo. Você também não tem jeito e é tão culpado quanto eu
(você me mima demais).
- Acho que
sempre quis ter um momento desses em que a garota cai no sono e o garoto está
ali, olhando, absorvendo, observando. E mesmo que não seja bem isso, que não
conte direito, nós ainda somos garoto e garota caindo no sono, lado a lado.
Mesmo que apenas virtualmente. Mesmo que não de verdade.
- Você é
muito romântica pro seu próprio bem.
Você
responde, mas se ajeita na própria cama, do outro lado do mundo, como quem sabe
que não pode discutir. Você sempre me deixa ter as coisas do jeito que eu
quero.
Encolho meus
ombros.
- Nunca neguei
essa realidade. Sou romance em carne e osso.
- Achei que
eu não fosse o seu tipo de cara pra romance, no entanto.
- Você é. –
Eu admito, e você sorri, eu sei, por que posso ver suas bochechas se dobrando daquele jeito familiar. Apresso-me a corrigir. – Mas você
é o tipo de cara errado. O outro lado do mundo é longe demais, sabe como é. E,
como se não bastasse, você é meu melhor amigo.
- Você sabe
como pisar nas esperanças de um cara.
- Outro lado
do mundo.
Eu repito e
eu te vejo concordar com a cabeça, cansado, do outro lado da tela. Nós já
tivemos essa conversa antes.
- Você ainda
é minha maior crush.
Você diz, e
o tom é brincalhão. Não é a primeira vez que escuto essas palavras. Hoje em
dia, no entanto, não sei mais quando te levar a sério.
- Você está
na lista das dez mais. - Eu respondo, displicente, e você paralisa, os grandes
olhos azuis próximos demais da tela do meu celular, a boca aberta num “o”
surpreso. - O quê?
Você leva um
segundo inteiro pra responder, o sorriso muito mais pronunciado tomando o rosto devagar.
- É a primeira
vez que você admite. – Meu silêncio não é muito revelador: não estou entendendo
nada mesmo. Mas você esclarece: – Que eu sou uma crush. Você vem negando por séculos.
- Ah, sim.
Bem. Não vejo por que ficar segurando essas coisas. Acontece. Mais ou
menos. Quero dizer, a gente se põe pra dormir quase toda noite. Não dá pra
ficar mais platônico que isso.
Você
concorda com a cabeça, mas o riso ainda é meio bobo, meio vencedor. Eu faço careta, sem emoção.
- Ou você
volta a falar ou eu desligo. Você está
estragando completamente minha cena romântica aqui.
- Ora,
perdão. Foi que você acabou de completar a minha.
E eu reviro
meus olhos e faço qualquer comentário sarcástico, e você ri e a nossa conversa
continua, como sempre, até eu fechar meus olhos e me deixar embalar pelos
sonhos. Quando eu acordo, pela manhã, nossa sessão ainda está aberta. Você me
observou, me absorveu, por metade da noite. E eu posso ver seu eu familiar
assomando na própria cama. Eu também posso te observar. Te absorver. Me
apaixonar (mas não de verdade). A gente funciona bem assim, eu e você, virtualmente.