- É só que ela é muito intensa. Eu não sei se consigo lidar com isso.
Ele diz, peito comprimido, pesado, culpado.
- Está dizendo que ela é demais pra você?
O silêncio durou um segundo.
- Não! Não foi isso.
- Cara, foi o que você disse.
E o amigo deu-lhe um soco no braço, sorriso no rosto.
- Não seja idiota.
- Bem, foram suas palavras.
- O que eu quero dizer é... Eu não acho que estamos vivendo no mesmo plano. É quase como se estivéssemos em universos paralelos, mas que não são iguais.
A expressão do amigo era desacreditada.
- E agora você ficou todo metafísico, não fez nenhum sentido e está começando a soar como uma garotinha.
- Cala a boca.
- Estou só deixando as coisas claras. Primeiro você diz que não pode com ela, depois começa a soar como uma adolescente... Dá pra deixar um cara preocupado.
O amigo revira os olhos.
- Não é isso. É como se nós não falássemos a mesma língua Ela gosta de outras coisas, frequenta outros lugares, escuta musicas diferentes. Nós não concordamos em nada, temos que forçar um meio-termo em tudo... Eu meio que esperava que fosse mais natural. Mais fácil. E não é que não valha a pena, por que vale, mas eu fico preocupado com ela. Fico preocupado por que não acho que a esteja fazendo feliz. E ás vezes eu me pergunto se nós não devíamos deixar tudo isso pra lá, desistir dessa coisa que machuca a gente. Ir embora mesmo, sem olhar pra trás.
- Bobagem.
- Não é, cara...
- É sim. É só olhar pra ela. Dá pra ver que ela está feliz.
- Eu não sei. Eu não sei o quão feliz dá pra ser quando as coisas estão assim tão... difíceis. E se dá pra ser mais, eu quero que seja. Por que, droga, eu amo aquela mulher, e tudo o que eu quero pra ela é de verdade, é fácil, é simples.
- Você é um idiota.
- Como?
- Idiota. E egoísta. Quero dizer, você nem está se dando ao trabalho de se perguntar o que ela quer aqui.
E o amigo ficou mudo, parecendo completamente perdido.
- A Ana é completamente o tipo de pessoa que só faz coisas que fazem bem. Acredita em mim, se ela não estivesse feliz, vocês não estariam juntos.
- Não sei não, Miguel...
- E não vem com essa baboseira de "tinha que ser fácil". Relacionamentos são uma droga e as pessoas tem que fazer concessões. Elas tem que ceder e ás vezes é uma merda. Ninguém nunca falou nada sobre fácil. Você escuta as pessoas falando que "valeu a pena", não que foi "mamão com açúcar".
O amigo pareceu refletir nas palavras por um momento, a expressão "isso faz todo o sentido" estampada por todo o rosto.
- Você está certo.
- É claro que eu estou. - E seu tom de voz era óbvio. - E agora que nós já chegamos ao final dessa palhaçada, você pode parar de agir como uma menininha.
- Eu não estou...
- Está sim.
Miguel responde, batendo no boné do amigo e forçando a aba tão pra baixo que, por um momento, ele não consegue enxergar nada além dos próprios sapatos. O amigo resmunga um palavrão enquanto acerta o chapéu.
- Escroto.
- Viadinho.
Mas, como sempre, eles estão sorrindo.