02 fevereiro 2013

Consultório.


Louise adentrou, sozinha, o consultório médico familiar. Tremia de nervoso e tinha lágrimas nos olhos, mas manteve a compostura ao sentar-se na única cadeira à frente da mesa do médico - embora o tenha feito antes mesmo que ele a convidasse a fazê-lo. Ele tentou abrir um sorriso para tranquilizá-la, mas ao ver que não adiantaria abandonou a tentativa.
Não fazia sentido dar-lhe falsos sorrisos ou desculpas.
- Aqui está o envelope com os seus exames. – Louise estendeu a mão para o envelope grosso familiar, sem realmente se atrever a olhar nos olhos do médico. – Como deve saber, a análise não foi fácil.
- Não fique me enrolando, por favor, Doutor. - Ele se encolheu com a frieza das palavras, mas sabia que não poderia culpá-la. O medo devia estar comendo-a viva. - Quero saber o que tenho.
- Você tem um tipo raro de câncer, Louise. – Ela suspirou, não parecendo surpresa, mas terrivelmente derrotada. O coração dele apertou.- Mas não deve se render. Ainda existe uma chance. Você pode operar...
- Quanto tempo ?
- A operação aumentaria as chances de...
- Me diga quanto tempo eu  ainda tenho, Doutor.
- Louise, se você operar pode...
- Não vou me submeter a uma operação e você sabe disso.
Ele mandou às favas a parcialidade, e a voz dele saiu exasperada.
- Porque não, Lu? Embora seja arriscado, existe uma boa chance que a operação vá...
- Não teria coragem de me submeter a isso e ainda sim estar fadada ao fim, Daniel. E eu poderia morrer na mesa... Sei bem quais são os riscos.
- Como pode...?
- Você é o terceiro medico que procuro, Dani. Acompanhei a formação desse câncer e soube, desde o primeiro momento, que não poderia lutar contra ele. O primeiro médico disse que ele estava numa área que não poderia ser operada. O segundo disse que era possível, mas que meu corpo provavelmente não sobreviveria à uma operação. Ele me apresentou todos os laudos e riscos e parâmetros médicos que podem existir. Na verdade, busquei você por que é meu amigo e sei que daria o máximo que pudesse para que eu... – A voz dela sumiu, e ele só podia imaginar o quanto aquilo deveria estar doendo.  – Só me diga quanto tempo ainda tenho, Dani. Por favor.
O silêncio se pendurou entre eles por um segundo que durou uma vida.
- Pouco menos de um ano, querida. – Ela suspirou e abaixou a cabeça, contendo as lágrimas que queriam descer como cascatas pelo rosto bonito. – Sinto muito, Louise. Você sabe que faria qualquer coisa pra evitar isso.
    Ela tentou sorrir, mas não foi bem sucedida como esperava. Ele sentiu o desespero invadir o peito diante do sorriso falso e sofrido da morena.
- Louise, por favor, opere. Se você operar logo, ainda temos chance de... – Ele se calou. - Eu posso fazer isso, Lu. Posso salvar você.
- Não vou operar, Dani. Não quero perder minha vida numa mesa de operação, sem nem ao menos tentar aproveitar o tempo que me resta.
Ele girou a cadeira do consultório de modo a encarar a janela que dava vista ao céu nublado da cidade bonita demais para aquela situação horrível. E na luz branca os prédios ao redor brilhavam cinza e sem vida, como se a que guardassem estivesse se esvaindo devagar. Assim como a mulher a sua frente, cuja vida ia embora sem que ele pudesse impedir.
 Droga, ele queria ajudá-la, mas sabia que ela nunca deixaria. Mas ele não queria e nem podia, simplesmente, deixá-la desistir. Abaixou a cabeça, tentando achar uma possibilidade. Ouviu Louise fungando atrás de si, as lágrimas finalmente abrindo caminho pelo rosto que ela tentou tanto manter incólume. E a verdade era que, mesmo em lágrimas, ela ainda era a mulher mais bonita que ele já vira.
- Não se preocupe tanto comigo, Daniel. Não é sua culpa. Vou ficar bem. - Ela deu uma risada nervosa. - Assim que conseguir parar de chorar.
- É claro que eu me preocupo, Lu. Eu sou seu médico. - E o eu te amo, ficou subtendido.
 Ele sorriu e lhe segurou as mãos esguias sobre a mesa, e a doçura do toque arrebentou as ultimas travas que a mantinham inteira. Chorou tudo que tinha, constatando que, acima de tudo, amava aquele homem.
- O que pretende fazer, querida?
- Fugir. – O médico olhou pra ela, sentindo o coração apertar. – Eu só quero fugir desse lugar e dessa vida que tenho, Dani. Quero ir pra qualquer lugar onde eu possa respirar e viver, pelo menos um pouco. Pelo tempo que eu tenho.
- Quero ir com você.
- Eu adoraria... mas não vou deixar que faça isso.
- Não estou pedindo permissão, Louise. Estou informando que vou.
- Não.
- Louise, não seja ridícula. Eu não vou me separar de você agora, não sabendo que... – Ele emudeceu por alguns segundos e depois soltou um longo e pesado suspiro. – Não quero perder você.
- Me perder vai ser inevitável. E eu não quero sofrer vendo você sofrer por isso.
- Eu sofreria mais se não estivesse ao seu lado.
- Por favor... – A voz dela se perdeu em meio ás lagrimas. – Não faça isso. Eu só.... eu só vou embora, tá? A gente se fala.
Completou, embora soubesse que não iriam mais se falar. Ela nunca mais iria procurá-lo, nunca mais o faria sofrer como sabia que ele sofria agora. E ela tinha esperança que, em algum tempo, ele ia esquecê-la e encontrar outra pessoa que viveria por tempo suficiente para amá-lo como ele merecia. Ela desejava que ele encontrasse. Mas, no fundo do peito que lhe tirava a vida devagar, ela desejava que ele não a esquecesse. Que, em algum lugar de seu coração, ele guardasse a lembrança. A lembrança deles.

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