- Escrevi textos novos.
Ela começou e ele sorriu.
- Quero ler.
- Não acho que seja boa idéia. – Ela colocou, e ele apertou os olhos numa pergunta muda. Ela explicou melhor, então. – Eu não quero que você leia.
- Posso saber porque?
A mente dela era capaz de responder essa, facilmente, aliás. Ela tinha medo do que os olhos dele encontrariam em suas letras, tão repletas de seus próprios pensamentos e delírios que eram quase um retrato falado de sua consciência.
Os sentimentos da pobre menina eram tão cheios dele, que ela tinha certeza que ele seria capaz de se encontrar facilmente em sua escrita logo nas primeiras linhas. Tremia só de pensar nessa possibilidade.
- Não, acho melhor não.
- Ah, qual é, não podem estar tão ruins.
- Não acho que estejam. Só não quero que você veja.
- Por quê? – A ofensa estava em sua voz, mas ela a ignorou.
- Porque são meus esboços, meus dramas. Não parece certo que você os leia. – E ele certamente se perguntava porque então o resto do mundo podia vê-los. Ela não os exibia sempre?
- Por que me disse que escreveu então?
- Achei que você ia ficar feliz de saber, feliz por mim. – Ela foi firme. – Mas não quer dizer que vou deixar você ler.
- Qual o preconceito comigo?
- Nenhum. – Ele apertou os olhos, querendo sondá-la, e ela sorriu.
“É só que você está impresso demais nisso”.
- Então?
- O que você diria se encontrasse a si mesmo num texto?
- Ah... Talvez eu ficasse lisonjeado.
- E se esse texto fosse meu?
- Eu não sei. – Ele respondeu, momentaneamente desarmado.
Ficou em silencio por algum tempo. Depois sorriu, sem graça, e encontrou nela só um olhar sério. Ele nunca pensara nem ao menos na possibilidade. Será que ela...?
- Enfim, não acho que seja uma boa idéia.
- Está sendo meio injusta.
- Por quê? – E seu tom de voz tinha mesmo uma pergunta.
- Porque você deixa desconhecidos lerem!
- Faz muito mais sentido. Eles não me conhecem.
- É isso que faz a diferença?
- E se você estivesse num texto? E se não fosse bom? O que você diria? O que você me diria?
- Eu não sei!
- Então não! – Ele abriu a boca para protestar. – Volte com uma resposta e te deixo ler.
- Eu vou voltar.
- E eu vou esperar.
- Claro que vai.
Se olharam carrancudos, e ela revirou os olhos. Estava chateada.
“E isso vai me render mais algumas linhas, que eu espero sinceramente que você também não leia”.