A primeira coisa que sinto quando volto à consciência são seus olhos
sobre mim. E não preciso realmente abrir os meus ou procurar os teus para saber
a direção em que olham ou os detalhes que apreendem, por que posso sentir o
calor que emana de você bem acima, bem ao lado, bem por todo lado de mim. E é
reconfortante te saber tão perto e é estranho te saber tão atento. Ainda é tão
cedo, ainda estou tão desarrumada, tão desacordada, desalinhada demais pros
seus olhos apaixonados. Ainda não estou a altura do teu verde, do teu dedicar.
Tenho vergonha das minhas falhas e me encolho, como que por reflexo,
querendo tirar seus olhos de mim. Mas você me conhece bem demais e sabe tão bem
quanto eu meus motivos mais escondidos. Sinto seus dedos correndo pela minha
pele no carinho pausado, calmo, tranquilo de quem não se importa com minhas
falhas. De quem me acha linda.
- Você está fazendo de novo.
Acuso com voz monótona, apesar do calor que corre o peito por dentro,
da inquietude que é você no meu coração assim tão perto, assim tão cedo. E eu ouço
antes de ver que você está rindo, e o som assim tão pela manhã parece mais
claro e natural que os pássaros do lado de fora da janela.
- Não estou fazendo nada.
- Você estava me olhando dormir. De novo. Mesmo depois deu ter pedido
pra você parar, por que é super creepy.
- Não é nada creepy.
Ele nega e, apesar do tom chateado, os olhos verdes estão sorrindo.
- Claro que é! Você está aí, com essa cara de bobo, com esse sorriso
estampado, admirando minha inconsciência.
Ele ri e o som desperta animaizinhos no meu estomago. Borboletas? Tente
elefantes.
- A culpa não é minha se você é linda. Você não tem ideia do que são
seus cachos pelo travesseiro, seu sorriso enquanto sonha. Só eu sei.
Me viro de lado como quem tenta escapar, por que não sei bem o que
fazer diante de elogios, nunca soube, e quando vem de você fico ainda mais sem
graça, por que posso ver nos seus olhos que é tudo verdade. É esse seu
verde-piscina, esse azul-fingindo-que-é-mar que me tira demais de mim, dos meus
sentidos, da minha sanidade. Não sei como agir contigo. Não sei parar de
sorrir.
- Para com isso. Está muito cedo pra me deixar assim tão sem graça.
- Bem, você pediu por isso.
- Não é verdade.
Eu digo, e você sorri aquele sorriso travesso e eu sei que é uma
péssima ideia discordar de qualquer coisa, por que você está sempre certo
quando sorri. Sacudo minha cabeça, vencida.
- Como você faz isso?
- O que?
Você pergunta, imagem da inocência, e eu não consigo conter o meu riso,
o meu gargalhar. Ainda é tão cedo e já estou aqui, amando você com tanta ênfase
que meu peito eclode em sorrir.
- O que eu fiz pra merecer isso, hein? Seis e quinze da manhã e eu
descabelada, desacordada, esquisita, esparramada e atontada e ainda assim
vítima desses holofotes verdes cheios desse... – Suspiro. – É demais, apenas.
Você sorri e se inclina e meus olhos se fecham quando nossos rostos se
tocam, e seu nariz acaricia minha pele e sua respiração cumprimenta meu
respirar e eu sinto que te amo tanto que as coisas chegam a sair um pouco do
lugar. Mais um riso escapa de mim.
- Bom dia.
Você diz, e nenhuma outra palavra é necessária.
- Bom dia.