05 novembro 2009

Debaixo do Temporal.

Era apenas uma viagem ao interior do país, mas ele se sentiu entrando em outra dimensão. A cidade pequena, a falta de muros nos quintais bem cuidados. As crianças que corriam pelas ruas, com bolas, bicicletas e patins. Tudo aquilo era tão diferente, tão estranho que ele quase não podia aceitar. Era muito, muito longe do que ele estava acostumado. Da realidade dele.
Talvez por isso ela tivesse ido embora. Talvez fosse o motivo das plantas terem morrido, dos quadros terem caído e da falta de luz na sala de estar. Talvez. Mas, ainda que fosse, ele não podia deixar que continuasse sendo. Ele precisava dela, afinal.
E ali estava ele, longe de casa, na frente da casa que ele sabia que pertencia a ela. Ele a podia sentir em todos os detalhes. Paredes cor de rosa. Portas vermelhas. Janelas com flores. As cortinas de renda branca que ela tanto desejava colocar na sala deles, na cidade.
Ele só pode sorrir, porque aquilo era tão a cara dela. E ele sentia tanta falta. Das flores sobre a mesa, dos quadros coloridos nas paredes. Do som da risada alta de madrugada, da luz no corredor.
Na escada da entrada, uma velha senhora bordava o que parecia uma toalha. Não levantou a cabeça de seu trabalho nem por um segundo, mas era impossivel que não o tivesse percebido se aproximar. Ele estava agora muito proximo dela, da porta e de sua mulher lá dentro.
- Por favor... - E a velha senhora o olhou, conjecturando. Ele se sentiu desconfortavel sob seu olhar. Quem não se sentiria.
- Ela não está.
- Mas, eu nem ao menos tive a chance de...
- Eu sei quem é você, meu filho. - E seu tom de voz era cansado, pausado e sábio. Idoso. - E ainda que ela estivesse, eu diria que ela nao está para você. Ela não quer te ver.
- Acredito que ela terá que me dizer isso para me fazer desistir.
- Ora, ela não está. Então, vá, saia, saia.
- Eu a quero de volta, a quero comigo e não posso sair sem ela. Vou sentar no gramado e esperar, se necessário.
- Para quê? A pôs pra fora, antes de tudo.
- Jamais o teria feito. Nós discutimos num dia, e no outro ela já havia ido.
- Você a negou um pedido. Uma ínfima demonstração do que vocês tinham. Um título.
- Ela não estava sendo...
- Ela só queria ficar na tempestade com você. No precipício, ainda que fosse. E tudo o que ela pediu foi um abrigo debaixo das suas asas. Mas tudo o quê recebeu foi uma rajada de vento.
Ele parou. Os passarinhos se calaram por um instante e a voz dele saiu num fiapo. O mau tempo parecia dentro dele.
- Onde ela está?
- Sinto muito, ela caiu.

-
trecho de algo que ainda está sendo escrito x)

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