Ele me diz, baixinho, e eu não me aproximo por que não tenho certeza do que seus olhos exibem hoje. Tenho medo de suas meias palavras e incoerências. Estou sempre assustada com a possibilidade dele partir pra sempre, sem olhar pra trás, por que eu sou assim tão dispensável e ele é meu porto seguro.
(Patética até nos medos).
- Menino.
Eu cumprimento, e ele sorri, doce, e eu me deixo aquecer e enganar por um segundo. Não dura muito.
O silêncio cai entre nós pesado feito ferro e eu fecho meus olhos, sabendo antes de pronunciar que minhas palavras serão uma acusação em seus ouvidos. Não posso evitar, mesmo assim.
- Você tem andando silencioso. E eu tenho falado muito.
- Não é sempre assim?
Ele brinca, mas seus olhos escondem uma crítica.
(Tem dias em que eu odeio lê-lo com tanta facilidade).
- A gente costumava dividir. E se está tudo bem e você tem dormido o dia todo, tudo bem, se você não tem nada pra me dizer, mas...
- Eu tenho tirado tempo pra escutar você, não tenho?
- É claro.
Eu digo, mas minha língua guarda o "não, não de verdade" que eu queria dizer. Ele me lê, também.
- Não é nada. É só... tem sido um pouco demais. A negatividade, eu quero dizer. Você tem se desesperado por tão pouco, esses dias.
As palavras me ferem um pouco. É verdade, mas ele nunca se incomodou. Eu sempre me desesperei por pouco. Eu sempre fui um poço de loucura.
(Era o que nos unia).
- E é por isso que eu te digo tudo. Eu tenho pirado.
- Eu sei.
É tudo o que ele diz, e dessa vez a reprimenda está tão óbvia que sinto uma pontada peito adentro. Desvio meus olhos.
(Ele me lê, ele me lê).
- Não, não faz assim. Eu ainda estou aqui e eu ainda te escuto, mas eu...
- Não está mais tão interessado. Você está bem agora, obrigado, e eu estou ficando louca e chorando sozinha.
- Eu tento, ok? Eu só não consigo mais ser cem por cento. Eu já não entendo tudo. Não quer dizer que eu não me importo.
Cada palavra é uma lufada de ar a menos nos meus pulmões. Não consigo acreditar que ele está me negando o abrigo que ele sempre foi. Me viro, por que não aguento mais ler seus olhos azuis, sua postura, seus lábios contraídos, sem resposta. Não tem volta, não tem caminho. Minha insanidade agora pertence só a mim.
- Eu fico feliz que eu tenha ajudado você. Fico feliz de você estar fora da minha loucura, da minha dor.
Ele sente minha solidão em cada letra. Eu sei, por que posso sentir o gosto amargo dela correndo por meu rosto. Percorrendo minhas veias sem direção específica. Se espalhando devagar na minha consciência.
- Eu te ajudei, não foi?
- Você me salvou, baixinha. E eu sinto muito que eu não possa fazer o mesmo. Mas eu ainda tô aqui, tá?
E eu me viro e o abraço e gargalho enquanto choro, por que sabe lá o que vai ser de mim agora. Sabe lá onde vai ser seguro agora que eu perdi o porto nos olhos azuis de sempre.