30 julho 2012

Incondicional.


- Eu não quero mais brigar. Não quero fazer isso.
- Nem eu.
- Poderia ter me enganado. 
 Sarcasmo. Típico.
- Não importa o que eu diga, você nunca acredita mesmo.
- Você poderia tentar dizer a verdade, e aí talvez eu acreditasse. 
- Verdade? O que você sabe sobre a verdade? Fingir lhe vem tão naturalmente quanto respirar. Você não sabe nada sobre verdade.
- Eu não sou assim. Eu não sou uma mentirosa.
- Você sabe que é. E eu nem sei por que você sente tamanha necessidade de se esconder. A pessoa que você é de verdade é muito mais interessante do que essa que você monta.
- Eu sou isso aqui e você sabe perfeitamente disso. Não estou me escondendo ou me fazendo, não estou me adequando; Eu sou isso aqui que seus olhos vem, só isso e nada mais.
- Não é verdade. Eu e você sabemos disso. Você é bem mais, pode entregar muito mais. Eu já vi muito mais de você do que isso. Já tive muito mais.
- É esse o motivo disso então? Eu já te dei mais de mim antes?
- Não. E sim. Eu amei aquela mulher que entregava mais. Aquela que sabia o que queria, que abraçava apertado sem motivo e que ria alto na rua. Amei aquela mulher que não sabia ficar de fora, que ficava excitada na livraria e que chorava pelas dores dos outros. Eu amei aquela mulher, amei-a com a minha vida, mas agora ela se extinguiu.
- E eu sou a sobra? O que restou?
- Não. Você só... mudou.
- Faz parte. As pessoas evoluem, elas melhoram. Pelo menos, elas tentam.
- Nem toda mudança é positiva.
- Eu que o diga.
- E o que isso quer dizer?
- Você pode dizer o que quiser sobre a minha risada nas ruas, mas você também mudou. Ou você acha que era o único que tinha amor entre nós? Eu também amava o homem que você era. Eu amava o tom da sua voz, aquele tom de para sempre e retidão, e eu amava o seu compromisso com as causas certas, o seu carinho e dedicação, principalmente com quem não fazia por merecer. Eu amava todos os pequenos detalhes, e todas as grandes coisas, mas elas foram embora. Seu tom mudou e você agora é todo silêncio, e as causas certas o tempo roubou de você. E no final das contas, todas aquelas coisas que eu amava tanto, que eu admirava tanto, ficaram pra trás. Mas eu não. O meu amor não. Eu continuei a caminhada, eu continuei aqui, te amando a cada segundo, a cada mudança. Por que por mais que eu amasse tudo o que você era, eu amo você. Eu e você, juntos. E todas aquelas coisas que foram ou são ou serão ainda são você, e me fizeram chegar até aqui, nesse ponto exato onde meu peito explode amor. E você mudou, é verdade, e é provável que ainda mude. Mas isso não muda nada. Não em mim. Eu nunca vou aprovar tudo o que você é,  por que você não é perfeito, assim como eu não sou. Isso é realidade, mas não termina amor. Por que eu amo você até nas possibilidades, sempre amei, e isso não vai mudar. É derradeiro.
 E embora ele a mirasse assustado, ela não se acovardou, por que nunca o fazia. Sacudiu a cabeça, como quem afasta de sí aquela dúvida que ele carregava nos olhos. Ela nunca as deixava tomarem conta de sí, e ela nunca se consumia nelas. Ela vivia pelas certezas que carregava.
- No meu peito o amor só cresce, por que é de verdade, do fundo de mim. Mas se pra você era só parte, detalhe, se era amor pra pequenos traços que você já não pode ver, por favor, não se obrigue a ficar. Se pra você quem eu sou hoje não é suficiente, você está livre pra partir. Eu já decidi há muito tempo caminhar sem andar pra trás. Eu não me permito atrasos, e você sabe disso. Mas se você não quer me acompanhar... É dor, mas é a vida.
 E ele a olhou como se a visse pela primeira vez, como se ela fosse outra, fosse nova, fosse inédita e pronta pra amar - e de certa forma, ela era. E ele se apaixonou de novo. Assim, simples. E ele amou aquela verdade que se exibia nos olhos, amou o discurso pausado e a certeza das palavras e dos sentimentos. Ele amou que fosse incondicional e que se deixava rasgar, mas não se trair. Ele amou que não voltasse atrás. Amou tudo; o que ela era, o que havia sido, o que ainda seria. Ele a amava, e era tudo.
 E deu um passo a frente, sem vacilar, sem perguntar ou duvidar. As mãos tomaram o rosto familiar e os olhos a engoliram. Ele a queria e a tinha, e beijou-lhe os lábios com a promessa de não partir, não desistir, de amar possibilidades, ecos e segredos. E ela entendeu e aceitou, por que o queria, sempre quisera,  e caminhar com ele sempre lhe soou como felicidade.
  E não era perfeito, nunca seria, mas era amor, e sempre seria - ainda que mudasse, que deixasse de rir ou respirar. Era amor apesar de tudo, e o que ia por trás não era de todo importante, por que eles eram um só quando os dois, e mudariam juntos pra sempre ser. Por que eles eram amor apesar de - e a certeza era bonita de ver.

23 julho 2012

compulsão.

E ela suspira fundo, que é pra não escrever, não alucinar, não levar pra longe o mundo que é real aqui. E ela tenta se controlar, não pensar sobre braços e bocas, não desenhar abraços e beijos, não falar de amor a estranhos ou se apaixonar por miradas. Mas ela é dessas que imagina, que vê infinito em céu azul, que cria histórias de sorrisos e observa perfis em ônibus. E aí cria amores, cria lágrimas, cria casamentos e flores que caem do céu. Cria felicidade e cria paz de espírito. Ela cria por que é natural, por que as frases saem, por que tudo o que ela vê vira palavra e ela tende a ver amor, por que amor faz bem e só ela sabe o quanto precisa de bem pra viver. Só ela entende o quanto tem que ser amor pro peito não doer. E ela escreve, e ela sente e ela vive, mesmo que ao contrário, por que ao contrário vai o mundo - mas é amor e é beleza e faz o coração vibrar, por que não é nela, mas é amor, é amor, é amor, e amor ela sabe que tem mesmo é que registrar.

12 julho 2012

Boa Noite.


- Eu poderia deixar você entrar e seria perfeito, eu sei que seria, como num filme preto e branco ou nos meus livros preferidos. Mas eu não vou, por que pode ser mais, eu sei que vai, e eu não quero estragar isso ainda.
  E o rosto dele repousa na curva do meu pescoço, as mãos firmes sobre a minha cintura, e a respiração sobre a minha pele é tudo o que eu preciso pra ter certeza, e eu posso sentir até no modo como me arrepio a cada inspirar e expirar.
  Ele deposita um beijo onde ele descansa, e contenho um tremor, mas meus olhos se fecham e o sorriso invade meus lábios sem qualquer convite.
- Acho que é boa noite, então?
  Ele meio pergunta, meio confirma, mas não parece contrariado e eu sei que é a decisão certa. Ele se afasta um pouco e posso ver que está sorrindo, os adoráveis olhos castanhos apertados numa careta. Suas mãos ainda não deixaram meu corpo, e me encanta sentir que ele não quer partir.
- É boa noite, sim. Até a próxima, talvez.
  E seus olhos duvidam e meu coração faz uma pausa. Não consigo escapar.
- Não, é te vejo depois, certamente.
  E ele ainda sorri, mas me analisa, e assim de perto eu sei que ele está medindo suas chances em mais um beijo - o que é um pouco bobo, depois dos tantos outros que já trocamos essa noite. Mas o cuidado, a hesitação, me toca e me conforta; por que ele se importa de também fazer disso uma coisa assim especial. Uma risada eclode em mim e eu inclino minha cabeça, como que para dar-lhe uma boa olhada.
  Ele é lindo e doce e a noite foi um sonho em cada momento. E me deitar ao seu lado na areia foi natural e simples, e meu coração pulava do momento em que entrelaçou nossas mãos até quando se inclinou para o primeiro beijo, que viraram tantos outros. E então voei pra nunca mais voltar, leve como uma adolescente, cedendo a encantos e rindo com minha paixão inocente, me deixando guiar até minha porta, mãos dadas, como num romance bobo. Eu me sentia boba. E feliz.
 E eu fecho meus olhos e aproximo nossos rostos, e nossas respirações mescladas quase me fazem desistir; ele é tão bom que tudo em mim pede um pouco mais, muito mais, de tudo o que ele tem pra dar, de tudo o que ele é. Mas respiro fundo e posso sentí-lo fazer o mesmo, e eu sei que é igual para nós dois; que é algo mais pra nós dois.
  As próximas palavras me deixam como que sozinhas, e eu sinto que nós concordamos com elas:
- Só mais um beijo, então.
 E então só existem nossos lábios, e as línguas parecem sincronizadas, e por um minuto (ou vários) aquilo é tudo, mas nossos corpos se afastam como que por conta própria, aos poucos, e então somos apenas lábios e mãos, gentilmente unidas no espaço que nos separa. Nos deixamos finalmente e ele me sorri doce e tranquilo, mas posso quase ver seu coração batendo descontrolado por baixo do peito, um espelho fiel demais do meu, que eu tento controlar apenas para não parecer afobada, infantilmente apaixonada. Mas nenhum de nós se deixa enganar.
- Boa noite, então.
 Ele diz, simplesmente. Eu concordo, apenas para manter meu silêncio (e guardar o momento). Solto uma de minhas mãos das suas e tateio meu bolso pelas minhas chaves, separando sem ver a que vai abrir a porta da frente. Seus olhos não deixam os meus um minuto.
- Você vai me ligar, certo? Pra gente fazer alguma coisa. Qualquer dia desses, ou sei lá.
- Qualquer dia desses, é.
  Ele repete, um sorriso maroto no rosto. Eu rio e indico minha porta, pronta, finalmente, para deixá-lo ir.
- Tchau.
  Ele aperta de leve a minha mão que ainda segura, e aí a solta, colocando imediatamente as próprias nos bolso, parecendo muito a vontade. Eu sopro um beijo e dou um único passo, ainda de costas, e com um ultimo sorriso me viro e destranco minha porta, entrando em casa de uma vez, pra não me deixar desistir (já cheguei tão longe). Quando estou fechando-a, posso vê-lo pelo vão, caminhando pela calçada, passos regulares, um andar satisfeito. Ainda estou sorrindo quando viro a chave na tranca.
  Tive tempo apenas de deixar minha bolsa na mesa quando meu telefone rompe a quietude da noite e eu me sento no sofá para atendê-lo. Não perco meu tempo listando as possibilidades: poderia ser qualquer uma das minhas amigas querendo detalhes, ou meus amigos querendo conselhos ou ainda meus pais me reivindicando para um almoço de domingo. Meu telefone não sabe mais o que é parar, independente da hora - e já era um tanto tarde.
- Oi, oi.
  Atendo, contentamento escapando pela minha voz.
- Oi. - A voz responde, e meu sorriso se expande. - Hoje é qualquer dia, certo? E eu posso te chamar pra me ver de novo amanhã, certo? Pra  gente fazer alguma coisa. Talvez até mesmo depois de amanhã também. Eu tenho essa sensação de quem quer passar muito tempo com você.
- Oh.
 Posso ouví-lo sorrir. Eu me encolho, tocada pela lembrança.
- Soa como um plano?
 Na verdade, tudo em mim soa como felicidade. E eu ainda não consegui parar de sorrir.
- É um plano, sim. É um plano muito bom.



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