Senti o telefone vibrar no bolso e já prevendo quem era, o ignorei. O sol queimava minhas pálpebras e aquecia tudo que era eu, e eu me sentia satisfeita por poder apreciar o fim de tarde que eu tanto gostava sem realmente me preocupar com ninguém. Me sentia rebelde e ingrata pela minha desconsideração, mas a sensação era quente e provocativa, de algum modo satisfatória.
Sabia que o toque viria me incomodar a qualquer momento. A música nunca pararia até eu atender o pedido de socorro da voz que sairia triste e desesperada do outro lado, mas eu estava disposta a escutá-la (a música) até que deixasse de tocar. Não estava disposta a perder o fim de tarde em troca de uma transtornada conversa sobre problemas sem solução. Ou que nao queriam ser solucionados. Eu realmente não queria me deixar engolir pela realidade que até pouco me engolira, a realidade que eu lutei tanto pra abandonar. Eu estava segura longe dela, e nao estava preparada pra voltar. Provavelmente, nunca estaria.
Abracei a mim mesma e me deixei sentir o Sol. Era bom, quente e reconfortante. E pensando em como eu não conseguia ver razão de ser nisso até poucos dias atrás - quando uma mão amiga me puxou pra fora do véu negro que tentava me empurrar poço abaixo - eu percebi o quão egoísta estava sendo. Ignora-la, deixar de ajudá-la, embora agora parecesse cômodo, não era justo. Ela precisava de mim, assim como eu precisei de um ombro, e eu sabia disso. A unica diferença entre as nossas situações é que eu procurei ajuda e não recebi. Eu fui ignorada na única vez em que queria atenção. Ela, bem, ela não queria ajuda, mas ainda sim eu ia dá-la. Era meu dever, era minha obrigação como pessoa que se importava com ela.
Suspirei e perdi meu olhar uma ultima vez no mar vermelho antes de apertar o botão que abria a porta para o mundo real e escuro da minha melhor amiga. Era hora de fazer alguma coisa de verdade, de abrir o sol para mais alguém. Quase pude sorrir quando pensei na minha felicidade - e na dela - quando ela fosse capaz de sentir o calor também. De entender e apreciar isso. Quase contente com essa predição - da felicidade - eu me armei de paciência e de uma fé inabalável e confiante em Deus, no sol, no amor do mundo. Estava pronta para o send. Hora de enfrentar o escuro.
- Alô?