Eu concordo com a cabeça, incapaz de pronunciar palavra, mas
meu aceno é fraco. Tê-lo ali tão perto e tão inalcançável no dia que poderia -
e deveria - ser nosso me dói o coração. Eu respiro fundo, e o ar sai
entrecortado pelas lágrimas que não derramo.
- Não.
Ele ri.
- Mas você precisará estar, você sabe. Para vir comigo ou
ir com ele, mas você precisará partir. Ficar já não é opção para nenhum de nós.
Ficar ia doer demais.
- Eu sei. Eu só... quis tanto que fosse você. - Assumo
incapaz de guardar as palavras por mais tempo. – Eu queria que fosse você me
esperando lá em cima, que fosse seu nome nos convites e que fosse você nas
fotografias. Eu queria que fosse você e queria que fôssemos nós. Como você
prometeu que seria. Eu quis tudo isso, por tanto tempo. E agora não é mais
justo.
- Eu sei.
É tudo o que ele responde, e eu suspiro, guardando minhas
lágrimas pra felicidade que eu sei que sentirei daqui a apenas alguns minutos,
quando caminharei pelo tapete vermelho que me levará ao resto de minha vida e
ao homem de meu futuro. O homem que não é esse que se senta ao meu lado agora,
esse que eu amei tanto e com todo meu coração. Mas eu já não perco meu tempo
procurando os porquês. Sei exatamente por que ele se foi, sei exatamente por
que voltou e sei por que ainda o amo. Mas preciso esquecer. Preciso seguir em
frente.
(Mas ele torna tudo tão difícil. Sempre tornou).
- E o engraçado – Ele começa, com um riso amargo que me
sacode e machuca, por que eu me acostumara ao seu riso comigo. Seu riso feliz.
– é que eu sempre achei que seria eu. Desde quando nós éramos duas crianças
bobas que corriam de mãos dadas pelo campinho pra chegar à casa da árvore que
seu irmão construiu pra você – e que caiu. Mas nós fizemos aqueles votos bobos
e entalhamos nossos nomes na arvore estúpida que foi atingida pela droga do
raio que trouxe tudo abaixo, anos depois. E talvez tenha sido um sinal de que a
gente também viria a baixo, mas eu sempre achei que eu seria o cara que estaria
no final do caminho quando você subisse a escadaria da pedra da Igreja com
aquele sorriso que você sempre guardou só pra mim e o vestido branco mais
bonito do mundo. Eu sonhei com a gente, quis nosso futuro, amarrei minhas
esperanças ao redor de algo que a gente devia ter construído, mas esqueceu. E
aí de repente tudo o que era nós dois havia ficado pra trás.
- A gente desistiu da gente. Doía demais.
Eu digo simplesmente, e ele demora, mas concorda com a
cabeça. Eu me afasto então, tanto quanto posso, e longe de seu corpo o mundo me
parece frio e sem graça. Respiro fundo mais de uma vez, reunindo forças para
soltar sua mão ainda entrelaçada á minha da mesma maneira familiar de anos
atrás. Mas minha tentativa é fraca, débil, e ele não me deixa libertar de seu
aperto. De nosso contato. Nossos dedos se enroscam mais, rebelando-se, e a
sensação do proibido é como um fogo no fundo de meu estomago.
(Mas o frio ainda parece me consumir).
- É hora.
E ele se levanta para então delicadamente fazer o mesmo
comigo; o toque é gentil e sofrido, mas intenso. Não consigo olhá-lo nos olhos
enquanto me ponho de pé.
- É adeus, acredito.
Eu tento, mas ele não me dá uma resposta e tenho medo de
encará-lo, por que tenho medo do que verei no seu castanho-de-amor-perfeito.
Nosso silêncio se estende, mas a falta de palavras parece uma declaração de amor
cheia de versos. Tenho medo de escutá-los.
Caminhamos lado a lado em passos terrivelmente lentos
pela ruela que sai da praia e acaba na escadaria. Sei que meu futuro me espera
lá em cima, mas encarar os degraus parece o anuncio de um desastre. Eles são
muitos. Muitos passos que precisarei dar para longe do meu menino. Do meu
primeiro amor.
O tomara que caia branco, tão delicado quanto pude
sonhar, me faz congelar ali a beira do mar, e o frio não me deixa soltar suas
mãos. Respiro fundo mais uma vez e encaro a Igreja determinada a subir, mas o
vestido de noiva, escolhido com tanto esmero, parece me puxar para baixo como
se fosse tão pesado quanto uma ancora que me prende a ele, o cara errado da
minha história de amor que não pude viver.
Meus pés hesitam por um segundo, mas dou o primeiro
passo. Minha mão solta a dele enquanto o faço.
- Eu ainda amo você.
Ele implora, e minhas lágrimas caem, apesar de meu
esforço.
- Eu também.
Não consigo evitar responder. E, de repente, tenho medo
do que me espera na Igrejinha sobre o mar. Cruzo meus braços ao redor de mim,
procurando desesperadamente meu próprio apoio e calor.
- Vem comigo, menina. Vamos fugir.
Ele pede mais uma vez e eu fecho meus olhos, no segundo
mais intenso que já vivera até então. Minha mente está tão revolta quanto as
ondas na prainha entre as pedras, mas tento acalmar minha maré. Tento domar meu
coração.
Coloco de volta as luvas que tirei quando nos sentamos à
beira da praia, num exercício que parece levar a eternidade, mas que me é
essencial. Estou testando meus limites e minha determinação.
Não me viro.
- Eu não posso, menino. Eu queria ser corajosa e eu
queria te amar mais do que a mim mesma mais uma vez e te seguir daqui pra
sempre, mas não posso. Não posso mais. Agora, eu me amo mais e amo também a
mais alguém, que entendeu e acolheu e amou essa parte de mim que você quebrou.
E eu amo nós dois, o que nós podemos ser. Eu e você tivemos nossa chance e
gravamos para sempre na casa que ficava naquele carvalho velho, mas, no final,
fomos atingidos por um raio. A gente pegou fogo, queimou e morreu, como a
arvore de nossa infância para qual fizemos os votos bobos. Você mesmo disse: a
gente ficou pra trás, no final das contas.
- Mas o amor não. O amor resistiu e floresceu de novo.
Você sente também, você me disse.
E eu respiro e abro meus olhos e me viro para encará-lo,
meu sempre eterno primeiro amor cujos olhos castanhos me dominam a alma desde
sempre. E eu sorrio por que ele é lindo e eu posso ver amor nos seus olhos,
posso ver todo nosso futuro que nunca será, todos os dias que nunca viveremos e
os filhos de cabelos cacheados e olhos amorosos que nunca daremos à luz. E eu
sorrio adeus para a vida que não teremos, por que, mesmo que eu o ame, eu
também preciso me amar.
- Eu sempre vou te amar, menino. Mais do que me é
recomendável, mais do que eu devia, mais do que o pouquinho que um deve sempre
amar o seu primeiro amor depois de tanto tempo. Mas a gente acabou e eu vou ser
feliz sem você, por que eu aprendi a seguir em frente. E não de qualquer maneira,
não para tapar o buraco que você deixou. De verdade, com amor, com risada e
vida e um par de olhos azuis tão feitos de paraíso que eu não preciso mais
olhar pro céu. Então, não, menino, eu não vou fugir, independente do que nos
resta. Eu vou me casar agora.
(...) E eu não me despeço nem digo mais qualquer palavra,
apenas sorrio com meu castanho-que-foi-feito-para-o-azul e subo os degraus sem
qualquer hesitação, o vestido branco me fazendo pertencer a paisagem como se
ali fosse meu lugar. E, quando eu chego lá em cima e me prostro na entrada e
todos se levantam e eu encontro os olhos azuis-de-amor-daqui-pra-sempre daquele
que eu escolhi para ser o amor do meu futuro, eu sei que aquele é, exatamente,
o lugar onde pertenço.