16 maio 2013

Gentilmente

Ele segurou meu rosto com tanta delicadeza que pensei imaginá-lo por um instante. Eu estava tão envergonhada. Seus olhos iam tão profundos nos meus que eu sentia me afogar em todas as pequenas valas do seu colorido. Ainda sim, eu não pude divisar a cor. As nuances.
Se eu fosse capaz, teria corado e baixado os olhos, como as meninas dos filmes antigos. Mas eu não era como elas. Então apenas fiquei estática, quase que assustada, entre as mãos daquele sujeito encantador.
- Observei você a noite toda.
Ele me diz, tão de perto e tão baixo que eu reprimi um suspiro.
- Fico quase lisonjeada de saber.
- Quase?
- Bem, eu teria ficado de verdade se tivesse vindo falar comigo antes.
Ele sorri.
- Não sou tão corajoso quanto pareço.
- Eu sou assim tão assustadora?
- Assustadoramente linda.
- Tudo bem, - eu sorrio - você se saiu bem nessa.
- Bem, eu levei todo esse tempo, o mínimo que eu podia fazer era estar preparado.
- Você não passou a noite toda ensaiando respostas, não é?
- Nah, é um talento completamente natural.
- Posso ver.
Eu digo, incapaz de deixar de sorrir. Ele parece reparar.
- Está aí um sorriso bonito.
- Bem, nada de falsa modéstia. Ao meu sorriso eu dou o prêmio de beleza.
- Merecido.
Ele diz, e parece sincero. Eu o detesto por parecer sincero. Por que eu sei bem que, nessas noites onde a música é alta e o local é escuro, nenhuma palavra carrega a verdade que deveria. Nem mesmo as minhas.
Remexo meus cachos, incapaz de me controlar, de me manter parada. A mirada dele em mim é fixa, intensa e acolhedora, e me toca de maneira diferentes, mesmo agora quando ainda estamos a vários passos de distancia. É terrível por que parece de verdade, e eu sei melhor do que acreditar em amor de uma única noite. Eu já aprendi bem.
Não conto quantas palavras nós trocamos antes do primeiro beijo. Ele é doce e brinca de ir e vir, e se afasta e me abraça como quem sabe que eu tenho valor e devo ser conquistada devagar, e eu o detesto por me fazer acreditar que ele está sentindo isso dentro das veias.
Não me impede de deixar que ele se aproxime, no entanto. Não me impede de me deixar tocar por seus lábios. Sei melhor do que me abster por causa de meus princípios românticos. Estou ciente da baixa probabilidade - quiçá impossibilidade - de achar sentimento em noites como essas. Eu digo a mim mesma que não me incomodo. É mentira, mas eu finjo não ligar. É que, as vezes, tudo o que precisamos é um roçar de lábios e que suspirem gentilmente sobre nossos segredos, nossos sorrisos, nossas fraquezas. E então tudo se resumirá a um romance de duas canções e de beijos suaves, a um enlace íntimo demais para desconhecidos, um carinho de olhos fechados e um adeus cheio de vontade de ficar (mas não, não de verdade).
A verdade é que, as vezes, só precisamos de alguém que venha e vá, assim, gentilmente. Alguém que apareça de repente, que nos ame brevemente e que, tão inesperadamente como surgiu, vire poeira, fumaça, luz de boate. E aquela história de amor (que nunca foi) fica pra trás e assim gentilmente,
                                                                        s u a v e m e n t e,
                                                                                      ela se  a.c.a.b.a...

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