25 dezembro 2012

Vou Ler Histórias (Parte 2)


Ali atrás, no entanto, a iluminação cuidadosa fazia a pequena livraria anexa parecer saída de um filme antigo. Os olhos dela brilharam e o rosto imediatamente recuperou a alegria “então-é-natal” que ele absorvera com um baque quando ela caminhou pela loja no primeiro minuto, soterrada por seus outros presentes.
- Isso é...
- Incrível, não é? Foi por isso que eu vim trabalhar aqui, em primeiro lugar. Essa biblioteca, essa livraria, parecia saída de um sonho para o meu eu bibliotecário recém-formado.
Ela percorreu as prateleiras com os olhos, um dedo cuidadoso correndo perto das lombadas antigas, um suspiro arrebatado cortando o peito.
- Eles são... fabuleux. Tão antigos e bem cuidados. Transpiram histórias mesmo fechados.
- E eles tem sua história. Cada um deles. Alguns poucos são edições mais recentes, mas a maioria foi restaurada quando chegou. Eu cuido deles lá em baixo, os deixo perfeitos de novo. Os deixo prontos para novos olhos. Novas viagens.
- São lindos. - Ela suspirou. – Você fez um trabalho magnifique. – Ele sorriu, agradecido. – Foi por isso que você disse que era funcionário por um dia? Você é restaurador na verdade?
- Sim. Estou só ajudando por hoje. Nossa gerente nos garantiu que o sufoco é só por uns dias, e que ela vai chamar novos vendedores até o fim de semana.
- Bem, você está fazendo um bom trabalho me ajudando a escolher meu presente.
- Eu acho que eu falei um pouco demais, na verdade...
Ela riu.
- Bem, me fez sentir a vontade. E me trouxe nesse lugar incrível. Eu definitivamente já sei o que quero dar. Agora só me resta saber qual livro escolher...
- Ah, as coisas aqui nessa biblioteca não são tão simples. O livro que você precisa te encontra, se encaixa entre seus braços, faz seu coração palpitar. É mais do que escolher um título ou uma história, ou mesmo um autor. Aqui o livro é quem escolhe a pessoa para quem as páginas vão abrir o mundo novo.
E ao ouvir tal promessa ela sorriu ainda maior, os olhos cheios de uma esperança renovada e um acreditar tão profundo que ele não pode evitar sorrir também. Era natal, e a loja estava cheia e as ruas insuportavelmente quentes, mas aquela mulher tagarela dos olhos de estrelas cadentes estava ali, bem a sua frente, o coração batendo fora do peito por que estava cercada de livros, dos melhores livros, os mais cheios de histórias, histórias que iam muito além das letras impressas nas páginas. Ele de repente se sentia o próprio Papai Noel, e aquela adorável mulher a sua frente era a criança para quem ele se revelara depois de natais e mais natais de espera com o biscoito sob a árvore. Era revigorante.
- Eu não sei nem ao menos por onde começar...
Ela confessou, e ele novamente a tomou pela mão e a guiou pelas estantes, parando bem em frente a uma de aspecto encorajador, com livros grossos e capas de um verde intenso.
- Bem, eu só posso dar o empurrão inicial. Posso tirar suas duvidas também, se quiser saber mais sobre algum, mas a viagem pelas prateleiras é por sua conta. Você tem que encontrar o caminho.
Ela fechou os olhos por um minuto, sentindo o cheiro de livro antigo penetrar seus pulmões, o coração e os pés tão leves que ela não se surpreenderia se começasse a voar ali mesmo.
- Eu quero um livro que inspire sonhos. Um que a faça viver o melhor da imaginação. Um que a faça visitar os melhores mundos, enfrentar as maiores batalhas, voar com dragões e fadas e brincar com príncipes e princesas. Eu quero um com cheiro e gosto de infância de verdade.
- Não era um desses que vocês procuravam na biblioteca do seu avô?
Ela abriu os olhos para encará-lo então, surpresa por que ele prestara atenção em seu infinito falatório.
- Oui. Pareceu adequado. Eu viajei tantos mundos com Anita por causa dos livros...
- Sim. Sim, é uma ótima ideia.
Ele sorriu gentilmente, e em resposta os olhos azuis derreteram-se em sonhos que ele queria que a levassem tão longe quanto ela quisesse.
- Bem, vou deixar você procurar...
- Não, por favor. Fica um pouco. Eu posso ficar indecisa.
Ele encolheu os ombros, um sorriso sem graça no rosto.
- No que eu puder ajudar.
Ela pareceu levar eras. Caminhou pelos corredores curtos e estreitos com as mãos correndo as prateleiras, nunca encostando ou tirando livro algum do lugar. A concentração era evidente, o sorriso largo e a felicidade tão transparente que ele nem ao menos conseguiu ficar irritado por ter que esperar por ela por tanto tempo. E então ela finalmente voltou das prateleiras finais, o sorriso tão amplo feito o mundo, nas mãos três grossos volumes coloridos e os olhos feitos de fogos de artificio. Ele jamais vira alguém tão contente com um presente de natal que nem ao menos era para si mesmo.
- Indecisa?
Ele perguntou, a voz cheia de graça e satisfação por vê-la tão exuberante com os livros, seus livros, os livros com os quais ele tomava tanto cuidado, tinha tanto carinho e tantos segredos.
- Na verdade não. Eu simplesmente preciso dos três.
- Você os conhece?
- Bem, eu passava minhas tardes na biblioteca.
- É verdade. Caixa, então?
- S’il vous plait.
Ele registrou os livros, rindo para si mesmo ao reparar quais eram, e começou a embalá-los para presente, colando neles etiquetas para que ela os identificasse. Empurrou-os por cima do balcão, e ela ainda mantinha no rosto aquele sorriso incompreensível que o fazia desejar por mais natais, ao invés de apenas sobreviver ao que se aproximava.
- Isso é tudo, então?
- Sim, sim. Só mais uma coisa. Você tem uma caneta para me emprestar?
Ele entregou a ela a caneta que levava no bolso do uniforme, e ela se inclinou para escrever os nomes nas etiquetas. Ele pode apenas divisar a caligrafia fina e cheia de voltas escrevendo Pour Le Petit Isabelle antes que os cabelos caíssem como uma cortina por cima do pacote, cobrindo boa parte da visão que ele tinha dela. Era um triste empecilho.
Segundos depois ela jogava a cortina loira para trás, colocando imediatamente depois dois pacotes dentro da bolsa que ele lhe entregara, e estendendo a ele o terceiro, o sorriso agora acanhado, colorindo o rosto bonito.
- Pela ajuda.
Ela disse, e ele sentiu o rosto esquentar, como um garoto do colegial.
- Não, por favor. É meu trabalho...
- Eu insisto.
- Mas eu não posso...
- É um presente.
- Não é correto eu aceitar de...
- Eu não perguntei se é correto. Estou te dando um presente de natal.
- Mas...
- Il est inutile d’résister. Eu nunca aceito não como resposta. De ninguém. Nem mesmo de bibliotecários bonitos em lojas de presente moderninhas.
Ele ficou em silêncio, abobalhado, admirado, completamente encantado com os olhos de noite sem nuvens que ela exibia enquanto estendia resoluta o pacote com a fita verde que ele acabara de colar. Uma coletânea clássica de As Crônicas de Nárnia repousava dentro dele. Ele sacudiu a cabeça, vencido, e pegou o pacote das mãos de dedos finos e frágeis.
- Esse era um dos meus favoritos quando eu era criança. Foi um daqueles através dos quais eu viajei mundos, vivi aventuras, me tornei princesa e fiz mil mágicas. Esse foi particularmente especial, por que meu irmão leu pra nós, eu e Anita, quando nós ainda não conseguíamos ler assim tantas palavras. Então esse presente não é apenas para o Daniel você. É para você e para o seu sobrinho, Le Petit Daniel. Leia com ele. Fique com ele. Sorria com ele. Batalhe com ele pelas terras mágicas de Nárnia, voe através do guarda-roupa, mude o mundo que é seu até os limites da terra do lampião. Faça isso por ele, por mim e, principalmente, por vocês. Pode fazer isso?
Ele simplesmente concordou com a cabeça, ainda surpreso, ainda sem fala, ainda sem conseguir tirar os olhos do azul-noite-inesquecível que ela exibia nos próprios olhos. Ela ainda segurava o pacote, mesmo que ele já o tivesse aceitado e tivesse as mãos sobre as dela na embalagem bem feita.
- Quando acabar – Ela acrescentou, o sorriso mais fascinante agora, menos inocente, mas tão encantador e singelo quanto antes – você liga pro numero no adesivo e me conta tudo. Num café, talvez. Ou num jantar. Num barco, numa roda gigante, num parque cheio de castelos antigos. Você que sabe. Mas eu digo logo, eu gosto de aventuras. Viajei muitos mundos, sabe.
Ele se viu concordando.
- Temos um trato, então.
Ela disse, simplesmente. Mirou a pilha de presentes já comprados que esperava por ela em cima de um pequeno pufe e suspirou, já sabendo bem que teria que performar algum tipo de malabarismo para conseguir leva-los até em casa. Cansava-se só de imaginar.
- Você quer que que eu te ajude a colocar essas coisas num taxi?
- Não precisa. – Ela respondeu por reflexo. E então hesitou um segundo, recontando as sacolas. – Na verdade, preciso sim.
- Tem um ponto bem ali na esquina. Vá até lá, eu olho seus pacotes.
Ela sorriu agradecida, e em poucos minutos fora e voltara, o carro amarelo buzinando do lado de fora sinalizando que estava pronto para recebê-la.
- Então, até depois do natal. – Ela disse, pegando a sacola com os dois livros, dando um jeito de equilibrar a nova bolsa com todas as outras que ela trazia quando entrou na loja.
- Deixe-me levar estas, sim?
Ele pediu, a voz toda humor, retirando algumas das sacolas de suas mãos. Ela revirou os olhos enquanto davam os poucos passos que separavam a loja do taxi do lado de fora. Ele colocou as sacolas no banco de trás, e ela largou as poucas que trazia também antes de se virar para ele e sorrir o sorriso mais bonito de agradecimento que ele veria em anos.
- Muito obrigada.
- Daniel, funcionário por um dia, para tudo em que eu puder ajudar.
- Bem, me ajudou bastante. – Ela sorriu e se esticou por alguns breves segundos em que os lábios rosados roçaram o rosto do bibliotecário.
- Volte sempre.
 Ele disse, a voz firme, embora o coração vacilasse.
- Certamente. Muitos livros naquelas prateleiras estão simplesmente gritando o meu nome... – Ele sorriu. – Bem, boa sorte com o seu petit Daniel e até depois do natal. Quero escutar apenas as historias mais incríveis, certo? – Ele concordou com a cabeça. - Só... mantenha o sorriso no rosto, tudo bem? É natal. Tous les espoirs sont permis. E ela, a esperança, está em todos os lugares nesses dias. Não existe época melhor para se sorrir. E ainda tem o detalhe de que você fica bem mais bonito com um sorriso...
Foi o que ela ainda tagarelava enquanto entrava no carro, e ele não pode evitar se deixar sorrir, sacudir a cabeça e achar uma certa graça naquela situação impossível, naquela mulher adorável, naquela aventura, naquela oportunidade, nessas coisas que só podiam mesmo acontecer no natal.
Já havia dado as costas para a rua, de volta a loja, quando ouviu a voz cortar o vento. Os olhos buscaram o taxi já longe na rua, e ele ainda podia vê-la sorrir.
- Joyeux Nöel, Daniel!
Ele não pode evitar. Não conseguiu. Era natal, as ruas estavam cheias, o sol estava quente e naquela mesma manhã seu mau humor não podia nem ao menos ser mesurado; mas um único sorriso, alguns livros, uma aventura em Nárnia, uma pá de sonhos e algumas palavras em francês e tudo mudara, tudo melhorara, tudo era natal. Então, quando ele a viu se afastando, o sorriso visível mesmo a tantos metros de distancia rua abaixo, ele nem ao menos tentou se conter. Gritou de volta:
- Feliz Natal, Clara!

Importante:
Eu não falo francês. Eu nem ao menos arranho francês. Mas a história pedia pelo francês, por que ela deriva de Bela e a Fera, de Petit Prince e de um monte de outras coisas francesas que fazem suspirar. Então, recorri ao bom e velho dicionário bilíngue Michaelis (sai daqui google translate, não confio em você) para escrever todas as palavrinhas e expressões que aparecem aqui. Enfim, se existirem aí quaisquer erros, por favor, me avise para eu corrigir!

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