17 abril 2011

Desde sempre.

  Rimos a tarde toda. Contamos aquelas histórias bobas de um tempo que já passou de novo e de novo, por mais tempo do que deveríamos, e acabamos no silêncio sem palavras e com entendimentos, com significado. Até que um único nome desestruturou todo o meu mundo como era. E, por um momento, eu me perdi na conversa e no sentimento e na saudade que eu esperei tanto pra manter.
  Cocei a cabeça.
- É que eu sempre tive essa mania estúpida de acreditar na amizade.
  Ele sorriu.
- E de achar que você não iria embora.
 E ficou em silêncio.
- Não tem nada demais em ir embora, eu acho, mas é que eu achei que você não ia. Eu acho que desejei que você não fosse.
 E nem levantou a cabeça pra me olhar.
- Não me entenda mal, eu não estou te crucificando aqui. Não estou nem ao menos reclamando. Apenas estou estranhando. É um universo muito novo pra mim.
 E pude ver sua respiração sair mais devagar, como a de quem se concentra. Não sabia o que esperar. Ainda que eu o conhecesse tão a fundo, ele era sempre uma página em branco, uma surpresa de um livro secular e bem estruturado. Eu sempre quis lê-lo. Sempre quis tocar as páginas e me aprofundar mais um pouco. Ele sempre pareceu tão... convidativo.
- São só os nomes que eu não sei de quem são que me deixam um pouco assim, um pouco perdida, um pouco pra trás. Mas é tempo de novos nomes, de novas lembranças, de novas histórias clássicas e de novas risadas impágaveis. Eu sei. É assim pra mim também.
- É que você sempre teve essa mania de compartimentar tudo.
 Ele finalmente disse, ainda sem me olhar, embora seu rosto estivesse voltado pra mim. Mas ele via mais além, mais atrás, o olhar fixo nas montanhas tão distantes atrás de mim. Montanhas da nossa infância.
- É, eu acho que sim. Eu sempre tive essa capacidade.
 Registrei a diferença no palavreado devagar. Capacidade ficou pairando entre nós, por um minuto inteiro, deixando tudo mais claro do que qualquer palavra minha jamais teria deixado. Para ele, era um defeito. Para mim, um dom.
   Nós sempre pensávamos diferente.
- Você acha que eu não deveria?
- Acho, acho sim. Acho que você devia tentar viver a bagunça, a confusão, a mistura algumas vezes. O novo e o velho.
- Não gosto da idéia. Não gosto nem ao menos de pensar na possibilidade. O novo é tão... desconhecido.
- Está sendo ignorante. Quanta coisa nova não há por aí, apenas esperando que seja conhecida a fundo para se mostrar maravilhosa?
- Talvez. Ainda sim... Eu me sinto perdida. Um pouco abandonada, talvez.
- Eu não vou...
- Vai sim. É claro que vai. Aos poucos, ainda que seja, mas você vai. É sua nova realidade. Minha nova realidade. São coisas distintas agora. Nós só temos memórias pra compartilhar agora.
- Não é suficiente?
- Não, não é.
  E ele voltou a fazer seu silêncio, seus olhos ainda no horizonte atrás de mim. Eu sabia o que encontraria neles, então deliberadamente também os evitei, buscando no céu azul alguma maneira de não me incomodar com aquela enxurrada de novidades que vivíamos e que nos separavam e que faziam meu peito doer de saudade vez ou outra.
  É que eu sempre o amara tanto.
- Você sabe, não precisa ficar com essa cara. Eu já disse, eu não estou reclamando nem nada. É só... estranho. É estranho por que é diferente, mas eu vou aprender a conviver com isso. Com a mudança que o tempo traz pra gente.
- Você fala como se fosse tão simples...
- E é. É simples. É só tempo. É só... Eu não sei. Vamos lidar com isso de algum jeito. Vamos perdurar. Ou pelo menos, as memórias vão. A gente vai sempre ter esse elo, né?
  Eu o vi sorrir. E ele então finalmente olhou pra mim, os olhos fixos nos meus de maneira intensa demais pros meus nervos. Ainda sim, sorri também. Ainda que eu o perdesse lá na frente, eu já o tivera. Eu teria sempre uma parte dele que seria só minha, eu teria anos daquele ser humano incrível que ele sempre fora. E ainda que ele crescesse, mudasse, partisse, me dissesse adeus... eu sempre o teria. E eu sempre o amaria. Desde sempre, para sempre.


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