24 março 2010
Marias-Chiquinhas.
E ela ia ficando pra trás, presa na sua quase-infância. O sorriso que me chamara a atenção de inicio ia acabando aos poucos, esmorecendo, minguando até sumir. Eu podia ver, sentada de lado no meu banco, como o mundo exterior a afetava cada vez menos. Como a cada segundo ela se importava menos com ele, abandonada, e ele fazia o mesmo com ela. Os companheiros estavam lá, ao seu lado e ao redor dela, envoltos em gargalhadas e brincadeiras, beijos, abraços e toques. Mas ela estava alheia, como que pertencente a outro mundo, os olhos depressivos e as marias-chiquinhas balançando com os solavancos suaves do onibus. E o vento, ah o vento. Fazia seus olhos se encherem de lágrimas. Algumas até escorriam.
Era doce para meus olhos, mas de algum modo sofrivel. Uma adorável cena preto-e-branca que deveria ser registrada por toda e qualquer forma de vida. A melancolia da menina que não conseguia crescer. O suave desenvolver da gota d'agua sobre o rosto claro, palido, cheio de pequenos sonhos de juventude. A meiga e cruel consequência de não fazer parte do tempo certo, do próprio tempo.
Os outros nao notaram sua felicidade, sempre cândida, se esvair. Não lhe dirigiram palavra, toque ou mesmo olhar. E ela, criança solitária em sua adolescencia, tampouco. Ignorava-os para dar atenção as suas lágrimas silenciosas e rápidas, transparentes, principalmente aos olhos amigos. Mas eu não era sua amiga. Eu a percebi.
Talvez não fosse, afinal, o vento que a fazia chorar. Talvez não fossem os solavancos que lhe sacudiam os cabelos, o corpo. Talvez ela nao percebesse que nao deveria ser mais criança. Talvez ela não fosse. Talvez milhões de hipoteses explicassem suas lágrimas. Talvez eu não devesse olhá-la, talvez ela não devesse chorar. Talvez. Milhões de talvez.
#maybe alguma coisa para o trabalho de Teoria da Percepção. Mas acho que já desisti dele.
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Marias-chiquinhas são símbolos da infância para mim! A menina do texto ainda conserva todo esse charme...
ResponderExcluirbeijoss.