23 novembro 2018

Indefinida.



E ela não é feita de estrela, apenas poeira, zanzando vazia pelo eco dos sonhos que já teve. Já brilhou noturna pelas vontades do peito, mas agora repousa boneca oca e sem voz. Pedaços e cacos e ideias largadas pelos arredores, pelos cantos de si e pelos cantos do mundo, espalhada sem chance de renovação.  É que ela é uma bagunça.
Seu ninho é impenetrável, confusão tanto interna quanto externa em sua pequena bolha de existência. Copos em todo o lugar pelo pequeno apartamento e almofadas multicoloridas pelo chão, como se ela fosse um gato que a qualquer momento precisa se recolher e se encolher, olhos semicerrados e membros pesados, precisando de descanso. Mas seu riso é alto e os abraços apertados e ela é tão intensa quanto é suave, e ninguém sabe como abraçar os dois lados do que ela é.
E ainda que ela tente se encaixar e ser, ela apenas flutua à deriva , gritos e lágrimas e chutes inúteis em sua birra para simplesmente ser. E ela é uma zona e ela não entende muito de si mesma, ela só empurra com a barriga e tenta ser.
Poucas palavras e seu futuro se perde, algumas letras e seus planos caem por terra. Quem sobra depois das negativas? Quem sobra das falhas, dos tropeços? Perdida em turnos, perdida em túneis, perdida.Quem é ela que não sobrou nem dos sonhos que já foi? Quem é ela que não sobreviveu aos seus tropeços?
Ninguém desenha seus contornos. Ninguém grita seu nome na noite chuvosa. Ninguém reconhece seu rosto.
Ela é ninguém.


12 outubro 2017

Miudezas.

    

Eu tentei mil vezes, de mil formas, dar palavras aos meus sentimentos. Mas é tudo dor e já fazem sete dias que seu sorriso deixou de ser.  E eu tenho tentado guardar cada momento, cada lembrança. E eu tenho tentado em grupo, eu tenho tentado sozinha, eu prometo, eu tenho tentado. E eu me lembro.
    Eu me lembro das noites. Me lembro das piadas, das histórias, do sofá apertado demais pro seu número de amigos e da cozinha desorganizada, cheia de copos, de pratos, de um pré festa qualquer que deixou mais lembranças do antes do que do depois.
    E eu me lembro dos filmes ruins e das risadas e dos vídeos engraçados divididos numa sala pequena, com dois gatos, um mar de canecas e livros sobre engenharias que nunca vou entender. Eu me lembro da coleção de facas, intocáveis por ninguém mais, porque a cozinha é sua e você faz os pratos e não, não é pra ajudar.
    E eu me lembro do colo quente e das lágrimas amargas, das promessas e da experiencia que você dividiu quando eu rui em pontos que eu não sabia que podia, minhas costas contra facas que eu não esperava que me apunhalassem. Eu me lembro de você entrando porta adentro, cuidado e risada e olhos atentos, porque você bebeu e pode se arrepender.
   E eu me lembro de você numa mesa de bar, 27 de agosto, apesar de tudo, vinda de longe pra me dar um abraço porque é dia de comemorar, é meu aniversário, e na próxima, você promete, a gente vai dividir uma cerveja. E eu me lembro da troca das letras, do apelido bobo, da história embriagada, da volta no taxi e dos seus ciúmes bobos daqueles garotos que eram seus, só seus.
    Eu me lembro da amizade, das tardes na praia, da gente no engarrafamento, das gírias estranhas, das conversas de hétero, dos batons importados, dos vestidos chineses, das fotos incríveis, dos olhos claros, do cabelo comprido, do curto, do ralo, da máquina. E eu me lembro do medo, da esperança, da certeza de que tudo ia dar certo, só para, no final, não dar. E eu me lembro da notícia, dos gritos, das lágrimas, da saudade no peito que não vai pra lugar nenhum porque você foi, você foi, e a gente ficou.
   E eu me lembro do quanto eu te amo e das poucas vezes que te falei, e do quanto você ria e me chamava de brega porque nossa amizade começou emprestada e estendeu pra todo sempre, e das vezes que eu acabei no fim da praia sozinha contigo e uns silêncios estranhos, umas pessoas aleatórias, umas garrafas na geladeira.
   E eu me lembro e eu me lembro e eu não vou esquecer, enquanto eu respirar, músicas e manhãs e miúdas e pra sempre. E eu me lembro do verde, dos abraços, do seu amor e do quanto era porto seguro ter você ali, fim da praia, colo quente, comida boa, dois gatos. E eu me lembro e eu não te esqueço, e você vai e a gente fica, e a gente lembra. Até a próxima. Cadê d miúda.

05 junho 2017

Bomba Relógio.


Às vezes acho graça em como as coisas chegaram ao fim.
Eu, que sempre soube que tínhamos data pra acabar, que nunca achei que você fosse durar, que cantava, cheia de zomba, sobre como não éramos pra sempre, como você não era "o cara", me apaixonei tão boba, caí fundo demais aos seus pés.
E você, que dizia que me queria, que se enrolava ao redor do meu pescoço, que pedia desculpas por não ser capaz de me deixar fora de alcance todas as vezes em que estávamos lado a lado, foi quem me deixou de lado, quem me deixou pra trás, antes mesmo deu perceber que você de mim só queria a superfície.
É que seus olhos eram sempre tão intensos nos meus que eu não sabia mais diminuir. Acostumei a viver à toda, sempre em velocidade máxima, potência infinita, nunca parando para circundar cuidadosamente as curvas, para aproveitar a vista. Não precisava. Me acostumei a viver o borrão, a sentir o vento nos cabelos, a fechar os olhos e sentir você do lado, mão na minha, pele na pele, riso contra a minha orelha.
E eu acabo achando graça que eu, que sempre soube que nós eramos bomba-relógio, tenha me deixado abater, ainda que tardiamente, pela explosão. É que fica sempre um pouco de mim nas mãos de quem me deixa pra trás.

16 junho 2016

Mau intento.

Eu nao quero comparar você aos amores que eu já amei. Não é justo,  nem com você nem comigo. Meu ultimo amor me dilacerou. Demorou a fazer sangrar,  eras de um silêncio satisfeito em que eu achei que sabia melhor, mas cortou, ferimentos fundos que acertaram pedaços de mim que antes não carregavam dúvidas.
E não é justo com a gente que eu queira te amar igual,  se da última vez que foi assim tao vivo as chamas me consumiram, se o mau intento do peito que se dizia feito pra mim me queimou.
E você não é, você não é assim, você é doce e suave e seus braços me abraçam com carinho e eu tenho medo, porque eu estive aqui antes e doeu horrores quando eu percebi os terrores pelos quais aquele amor me fez passar.
Não faz. Não repete as atrocidades de quem me feriu. Cuida bem de mim. Sem promessas (ele fez promessas, ele quebrou promessas, ele me quebrou). Só cuida bem de mim (ou pelo menos não destroi o tanto que eu reconstrui). Eu também sei cuidar de mim. E agora mantenho minha guarda armada (luta por mim, pra me amar).

18 maio 2016

Sequencial


"Reparei que algumas fotos sumiram da mesa da sala", ele diz, cuidadoso. Os olhos castanhos do meu melhor amigo me sondam, mas não tenho emoções a entregar.
"Acabou".
Eu digo simplesmente, entre goles do meu café amargo, sem meias palavras ou mágoas. Suas sobrancelhas se erguem por detrás de sua própria caneca, mas se ele está surpreso com meu tom blasé, não dá nenhum outro sinal.
Suas palavras hesitam por um segundo.
"E agora?"
"Finalmente um pouco de paz de espírito? Não sei. Foi bom saber que meu coração ainda era capaz de bater, que eu ainda podia completar. Mas acabou, e eu preciso lidar com isso também".
"E é só isso? E tudo bem?"
"Estranhamente, sim. As vezes, é claro, me bate solidão, e a saudade daquele abraço parece me dominar, mas a vida segue. Eu vou seguir também. A gente precisa aprender a ser feliz sozinho".
 E seus olhos me percorrem como quem procura uma brecha, como quem procura me ver através. Mas sou transparente e não guardo segredos, dou voz e letra e cor a tudo o que me transtorna. Não tenho tempo para guardar velhas ou novas mágoas. Não tenho energia ou vontade para rancores.
"Tem certeza?"
"É claro", concordo, meu semblante tranquilo. As bordas de um sorriso cansado e doído se abrem em mim, mas o gosto é de fim de tarde e não sinto doer muito mais do que no fundo de mim. Faz semanas. Eu já me acostumei às minhas ausências.
"Não quero soar negativo, mas estou um tanto surpreso. Vocês respiravam um ao outro. E agora...".
Ele deixa no ar sua confusão, mas eu posso apenas encolher meus ombros. Não tenho respostas a dar quanto aos amores que me falharam.
"Eu sei. Mas é assim que as coisas são. O tempo passa. A gente cura".
Ele me faz um carinho a esmo e eu reviro meus olhos, exasperada. Mas meu sorriso cresce, cheio de certeza, e ele relaxa contra a parede oposta, suas preocupações se esvaindo tão rápido quanto surgiram. É que ele me conhece bem, sabe me ler como ninguém. E agora, está tudo bem.

15 abril 2016

Insistência.


"Eu já te pedi para partir, para caminhar sem olhar pra trás. O que você ainda faz aqui, lábios contra meu ombro, braços ao redor de mim como se ainda me quisesse? Nós já tivemos essa conversa. Nós já demos adeus".
"Eu não quero ir embora", ele sussurra, tão baixo quanto uma carícia, e ela fecha os olhos como quem não acredita.
"Não, não é justo. Não foi o que a gente combinou".
"Muito do que aconteceu aqui não foi o que a gente combinou. Na verdade, nada disso foi como a gente planejou".
"Você brincou comigo. Não é justo agora me pedir pra voltar".
"Não é o que eu quero, tampouco".
"O que você quer de mim, então?".
E ele silencia, encolhe os ombros, a imagem da culpa e do desejo puro. Ela se sente quebrar.
"Você precisa seguir em frente. Eu não tenho o que você quer".
"Mas todas essas lembranças de você me visitam o tempo todo. Sua pele na minha. Seu corpo nos meus lençóis".
"Tudo isso ficou pra trás. Foi a escolha que fizemos quando resolvemos terminar as coisas".
"E foi uma boa escolha. Eu não podia te dar o que você queria e você queria mais".
"E agora eu não quero nada, então pode você partir. Porque você não me deixa ir? Eu não quero mais querer você".
"Não acho que seja assim que funciona".
"É a minha decisão, no entanto. Eu e você nunca mais. Foi no que eu e meu coração acordamos".
"E eu? E o que eu quero? Não serve de nada?"
"Não. O que você quer provou-se bobagem, balela. O que você quer só me machuca".
"Mas eu quero você".
"E eu quero distância".
 A prova que ela precisa é apenas que ele não se abate. Ele não se dói, ele não se fere. Ele a quer, é verdade, mas é um desejo, um capricho, não uma necessidade. E ela já precisou tanto dele. Ela já respirou tanto por cima daquela pele.
"Vai embora".
"É isso o que você quer que eu faça? Tem certeza? Você pode me dizer sem titubear?"
"Vá. Embora. Eu não te aguento mais. Não aguento mais suas palavras nos meus ouvidos, não aguento mais reconhecer teu tom de voz. Não quero nada de você, nem lembrança, nem recordação, nem pele, nem toque. Eu te deixei pra trás naquele quarto mal iluminado quando eu caminhei pra longe, eu te deixei pra trás e eu não te quero de volta. E nem você me quer. Você me deseja, você me vê corpo, você me quer entre os braços, mas eu não sou boneca, eu não sou brinquedo. O que você quer de mim não faz nenhum sentido, então só te resta ir embora".
"Só espero que você não se arrependa dessa decisão. Não se arrependa de me deixar ir embora, de não me segurar firme pela mão".
"Ora, por favor. Se dê menos crédito. Você não é nem nunca foi tão incrível quanto quer fazer parecer. Sei bem do que me livro quando te digo pra partir. Então pode ir. Pode ir sem olhar pra trás. E quando bater saudade, não me procura. Não me procura nunca mais".
E agora ele se dói, seu ego se dói, seu orgulho bobo de homem no comando ganha uma rachadura e ele parte, peito estufado, o homem da relação. E ela ri, porque ela não sabe como chegou a esse ponto, ela não sabe da onde saiu esse personagem, não sabe dizer o que aconteceu com o homem de palavras doces e abraço sincero que ela um dia teve tão perto do peito. Que amou demais, e ele, de menos,
Mas não interessa. Ele se foi. Acabou.
E ela respira, aliviada.

Layout por Thainá Caldas | No ar desde 2009 | Tecnologia do Blogger | All Rights Reserved ©