Os olhos se encheram d'água, mas lágrima alguma rolou. A cabeça cansada procurou repouso entre os próprios braços, corpo contra a parede, nenhum alento. E ela não tinha um colo, um ombro, um ninguém que fosse pra se apoiar. A música tocava em algum lugar, alguma esquina ao lado, alguma caixa de música, algum fone de ouvido ou algum coração partido que cantava a plenos pulmões. O importante é que escutava. E o pedido, a súplica, era acatável, era desejável, era querido pros ouvidos fracos e pedintes, ela queria mesmo alguém que a seguisse, a acompanhasse pra esses becos escuros de solidão onde ela vivia. Já não era pobre criança, mas se sentia tão pequena, tão sozinha, que só em papel e canção tinha mesmo algum alento. Das sombras já não saia ninguém e lugar algum era casa quando as lágrimas finalmente começavam a cair. Não existia no mundo um lugar onde braços a envolviam. Não existia ninguém que pudesse dar a ela uma estrela pela qual continuar. E era o escuro, era o inferno e era tudo dor, tudo dor, tudo dor. E se encolhia e rezava e pedia, implorava, cantando por sobre a respiração curta, falhada, doída, cantava as mais bonitas letras de esperança pra solidão que ela sentia. A solidão que era a única que lhe acompanhava. Por que, veja bem, a esperança, ao contrário do que dizem, é sempre a primeira a partir.
E ela bem que queria fugir. Mas tinha tanto medo que paralisava, congelava, e queria correr mas não podia, e não tinha mesmo pra onde ir quando o peito apertava. Mas queria partir, queria sumir, queria ter pra onde escapar quando o céu ficava assim desse azul escuro sem estrelas, opressor, assustador. E era uma solidão que não tinha nome presa numa risada que não tinha som e o medo que ficasse ali pra sempre arrancava-lhe até o ar. Mas ela queria fugir, e fugiria, algum dia, quando de novo tivesse que visitar as terras intranquilas do mundo paralelo que surge só quando você se entristece. E ela sabia que um dia, quando ela levasse consigo alguma coragem, as sombras lhe estenderiam as mãos e ela finalmente correria, sem olhar pra trás, pés descalços, talvez rindo alguma risada maníaca, liberta, enlouquecida, por que felicidade quando vem traz dessas manias. E ela descobriria então que medo do escuro não é mesmo racional. Basta acender a luz. E liberdade quando corre na veia brilha mais que sol de meia noite. É mesmo muita luz.
Pauta escrita para o Bloínquês - 111ª edição visual.