Caminho pela casa como quem anda em um campo
minado, evitando as fotos, os nossos desenhos e as rosas murchas. Foi que eu deixei
tudo no mesmo lugar, mesmo dizendo que não ia. Mesmo tendo bradado aos quatro
ventos, peito cheio, que se você fosse embora nada ia ficar pra trás. Mas não consegui. Eu tentei, e como tentei,
mas suas roupas não quiseram deixar o armário. E eu não tive forças pra
discutir com os utensílios e fazê-los irem embora. E seu CD ainda está no rádio
e eu até escuto, as vezes, só pra lembrar das nossas discussões sobre quem era
o melhor do rock. Você estava sempre errado, mas eu deixava você ganhar, só pra
ver o sorriso de triunfo que eu adorava. É que eu adorava você.
Mas o tempo passou e você foi embora,
querendo mais, falando incoerências sobre o quanto eu estava equivocada. O
quanto eu era cega e só ia entender depois, quando fosse tarde. Eu já entendia,
lá. Mas você estava tão cheio de sí que não consegui dizer as palavras. Não
tive a vontade, tomada como estava pela incredulidade. Você duvidava de mim.
Era também um cego, éramos os dois cegos, portadores do pior tipo de cegueira;
aquela dos que não querem ver. Por que lá eu já sabia, eu já amava você. Como
amo agora, como vou amar depois.
E é por isso que a casa está igual, as
mesmas fotos nas paredes, as mesmas taças na cristaleira, como se você nunca
tivesse saído e cruzado o país fugindo de mim, de nós, da gente, e fosse voltar
a qualquer momento. Talvez até volte. Afinal, você só precisa ver, eu só
preciso dizer. Era amor, sempre foi amor e ainda é amor e a gente bem que devia
saber. A gente bem que devia dizer. E agora já é sábado mais uma vez e a vida
parece meio bege, meio sem cor. E eu continuo esperando você enxergar e voltar
com as tintas, pra pintar de novo o amor que a gente sentia e não dizia, mas
pendurava nas paredes que era pra deixar claro até pra quem passasse rápido
pelos nossos corredores que a gente sentia que era amor. Mas agora já é hora de
trocar os desenhos e substituir as rosas por aquelas que
floresceram no jardim da sua avó, que são amarelas-futuro-feliz ao invés de
branco-sem-amor. Já acabou o tempo da gente correr em círculos e reclamar da
falta de palavras. Eu já entendi que precisava ser dito. Então, se essa é a
ultima chance, faço dela a primeira de muitas e repito, e repito, e repito
quantas vezes eu quiser, pra ver você de novo e fazer você, mais que entender, escutar e
esquentar o peito por que é amor, é amor, é amor. Sempre foi amor. Vai ser pra
sempre amor. E a gente já devia saber. Eu amo você.